• Percival Puggina
  • 23/12/2008
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SIMPLICIDADE DIVINA

Presumo que seja mania meio comum de quem escreve essa que me faz ler os textos alheios dando ?frases a forma que eu lhes daria se fosse expressar a mesma coisa. Tal cisma tem duas utilidades: serve para identificar, pelo gabarito da gente, claro, o bom autor (aquele que a gente l?om a convic? de que jamais conseguir?screver t?bem assim) e aquele cujas obras a gente abandona nas primeiras p?nas porque seria necess?o reescrever tudo. Esse vi?da an?se liter?a est?resente, inclusive, quando leio os Evangelhos. ?do que trato aqui. Um pouco menos em S?Jo? no qual se percebe, vez por outra, um cuidado com a forma da frase, nos outros tr?evangelistas ressalta uma simplicidade quase contradit? com o imenso valor do empreendimento liter?o a que se dedicaram. Palavras que seriam lidas por bilh?de pessoas; frases recitadas diariamente por milh?de l?os, atrav?dos s?los; textos que seriam exaustivamente copiados a m? depois impressos e reimpressos em todos os idiomas da terra e que se converteriam nas palavras mais lidas da literatura universal, soam como de fato s? simplic?ima narrativa de eventos sublimes. Ou seja, o excelso est?o conte? naquilo que ?xpresso, no fato relatado, e em parte alguma se percebe a vaidade do autor, o orgulho de quem quer que sua obra seja apreciada. Ou, menos ainda, a inten? do autor de fazer com que suas palavras contribuam para atribuir valor ao fato. Em outras palavras: nada do “Puxa vida, como Mateus escrevia bem!”; ou ent? “Olha que beleza esta sacada de Marcos!”; nem tampouco, “N?sei se Lucas era bom m?co, mas escreve bem pacas!”. Toma, Puggina, que isto te sirva de corretivo para essa mania de esmiu? os textos alheios... Leia os evangelhos, leitor. Examine-os sob esse ponto de vista. Perceba como as frases s?simples, isentas de efeitos liter?os e, de modo muito inusual, totalmente despidas de qualificativos. Creio que se relacion?emos todos os adjetivos usados pelos quatro evangelistas, eles formariam uma lista muito pequena. Aparecem t?somente para caracterizar uma rela? positiva ou negativa com as virtudes. Nunca como forma de tornar o texto mais ou menos enf?co. Depois de muitas leituras andadas e medita?s feitas, conclu?ue sob o ponto de vista liter?o os evangelhos espelham a simplicidade divina do amor. Simples, tamb? s?as crian?. Complexo e complicado torna-se o homem pelo pecado. N?creio que haja express?maior dessa singeleza divina do que o momento em que Deus toma nas m? a caneta da hist? e escreve o nascimento de Jesus. Num perdido recanto da pequena Bel? Numa manjedoura. Envolto em panos. Apenas uma estrela concedendo a divina assinatura ?ele evento. A infinita dimens?do fato parece abissalmente distante da simplicidade das circunst?ias, dissonantes de seu significado hist?o. ?por isso que o pres?o, como representa? do nascimento de Jesus, mais do que a qualquer adulto, ?s crian? que encanta. Enfim, a simplicidade divina se faz muito vis?l nas imagens e na mensagem do Natal. C?ntre n?chega a ser constrangedora a quantidade de adjetivos que, mesmo sem eu o querer, recheiam este texto para expressar, minimamente, o que pretendia dizer aos meus leitores quando lhes desejo um Feliz Natal!