• Percival Puggina
  • 18/11/2019
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ROUBARAM-NOS A FEDERAÇÃO

 

 Ideia forte na propaganda republicana, a Federação caiu bem no gosto das províncias brasileiras, interessadas na autonomia em relação à metrópole. Talvez não tenham lido Alexis Tocqueville. Talvez não se hajam inteirado da admiração que lhe causou perceber que o federalismo era perfeitamente entendido pelos cidadãos norte-americanos, habilitados a distinguir as áreas de competência da União e das unidades federadas.

 No Brasil sempre estivemos longe disso. Proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil, em etapas sucessivas fomos entregando autonomia, anéis e dedos à esfera federal. Nossas províncias se haviam convertido em estados, é verdade, mas aos poucos, à medida que os recursos, ou o poder, se iam concentrando na União, os estados, e depois os municípios, começaram a encontrar maior segurança na condição de dependência.

 A falta de autonomia, em muitos casos, chega às raias do absurdo. Descobrimos, recentemente, que em 3064 municípios brasileiros, a administração pública é a atividade econômica dominante; 1254 deles não arrecadam sequer 10% de sua despesa em fontes próprias e podem ser fundidos ou reincorporados ao município-mãe. Foram criados por conveniência política e ambições eleitorais, tendo a repartição dos cargos como objetivo preponderante.

 Há poucos dias ocorreram as provas do ENEM. Você pode imaginar o que seja um exame nacional de ensino médio, com alunos de todo o Brasil prestando provas no mesmo dia e na mesma hora, sobre o mesmo conteúdo? Desculpem-me os fãs do sistema, mas isso é um apavorante instrumento totalitário com o poder de determinar objetos de estudo, leituras e interpretações a serem seguidos por todas as escolas do país! Fico me perguntando se em Cuba e na Venezuela existe algo assim.

Na mesma esteira, dispomos de um Sistema Único de Saúde, sacralizado por uns e rejeitado por outros, em cuja esteira nasceu o Sistema Único de Assistência Social. Para aproveitar ao máximo o papel unificador dos “sistemas únicos”, criou-se a Base Nacional Comum Curricular, um calhamaço de 600 páginas que deve ser seguido página por página em todo o território nacional.

Está impressionado? Faça uma experiência: procure no Google por “Programa Nacional”. Você vai se surpreender com a variedade do cardápio proporcionado pela União aos entes federados e determinando a constante romaria de prefeitos e governadores a Brasília em busca de uma fatia desses recursos. Na maior parte dos casos, esses valores correspondem à principal parcela de seus investimentos possíveis. Não é incomum que sejam buscados independentemente das prioridades locais, pelo simples fato de estarem disponíveis.

Aos poucos, a Federação nos foi roubada. A política nacional, também aos poucos, vai influenciando as eleições nas unidades federadas – estados e municípios – sinalizando a conveniência de se alinharem, as administrações locais, às políticas do poder central. Querem algo mais provinciano?

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


Donizetti Aparecido de Oliveira -   19/11/2019 13:43:10

A única coisa latente nisso tudo é que nós paulistas estamos exauridos e cansados de sustentar quem nada produz. São Paulo, por sí só, é equivalente a um país de primeiro mundo.

Luiz R. Vilela -   19/11/2019 10:28:28

As romarias religiosas no Brasil, tem vários destinos, a política, tem só um, Brasília. É comum se ter notícias de que o prefeito se ausentou do município, pois foi a capital federal, em buscas de verbas. Nunca foi calculado, quanto isto custa em termos dinheiro, também nem sempre os pedintes são atendidos, enfim Brasília tem atrativos que não são só o dinheiro da viúva federal, muito mais coisas fazem o gosto de quem para lá vai por conta do contribuinte. Dizem que o festerê é direto. Mas sempre foi assim. Com a chegada dos militares ao pode em 64, a concentração da maior parte da arrecadação ficou com o governo federal, os estados foram agraciados com um"imposto consolação", chamado ICMS, que incide sobre tudo que vai para a estrada e que já tenha pago os tributos devidos ao governo federal, na origem. Vivemos a tri tributação, com impostos federais, estaduais e municipais, enfim somos o pais dos multi tributados, com a carga tributária mais pesada e ineficaz do mundo. Um outro fator que contribui para a ineficiência no Brasil, é a forma unitária com é administrado o pais. Fazem leis com base na realidade amazônica, mas que deve ser também cumprida no Rio Grande do Sul. Ignoram que somos um pais continente, com realidades bem diferente entre as regiões. Se JK imaginou que ao construir Brasília, edificaria lá, um"templo" consagrado a política nacional, errou feio, criou foi uma monstruosidade, um sumidouro do dinheiro público e usurpador do poder que deveriam ter os estados federados, enfim que produz a riqueza no Brasil, deve entrega-la para ser gerida por quem quase nada produz. A representatividade política no nosso pais é uma miragem, cidadão depois de eleito e principalmente hospedado em Brasília, esquece o povo e a sua origem, passa a pensar só apenas em si e no poder. Os estados brasileiros, são como as odaliscas no harém, estão sempre a disposição do sultão, que usa-as quando tem vontade. A bem da verdade, acho até que o Brasil deveria abolir os estados e criar "distritos", menores e que seriam melhor administrados, com a devida descentralização. Brasília deveria ficar apenas como "sala de visitas", para receber delegações estrangeiras. O Brasil precisa ser repensado. Mas com homens como Bolsonaro, Tóffoli, Alcolumbre e Rodrigo Maia, acho difícil chegarmos a algum lugar.