• Percival Puggina
  • 07/04/2020
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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, UM ASSUNTO QUE MORREU.

 


O juiz Charles Bittencourt manteve a internação provisória de dois adolescentes que confessaram envolvimento na morte do jovem Kauê (16 anos) em emboscada levado a cabo em Porto Alegre, no dia 25 de março deste ano. Eram amigos.

Pelo que consegui colher de informação, meia dúzia de PECs que tratam da redução da maioridade penal, com foco na penalização dos crimes hediondos, encontram-se parados no Congresso por força dos mesmos artifícios retóricos. Nos últimos dois anos, conseguiram matar o assunto. O “humanismo” zarolho, de quem que só vê o bandido e desconsidera a vítima, entra em êxtase quando nossas ruas se enchem de criminosos. Agora, até um vírus serve para isso.

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"Reduzir a maioridade penal não vai acabar com a violência!", proclama o debatedor em tom veemente. Ninguém afirmou uma tolice dessas, mas o sujeito passa a detonar a frase que ele mesmo fez como se, assim, estivesse demolindo a proposta de redução da maioridade penal. Um criminoso de 16 anos, ou um “adolescente autor de ato infracional” (fazem misérias com o idioma da gente!) tem que ser preso sob regras rígidas e ser submetido a penas do Código Penal por uma série de razões. E acabar com a violência não é uma delas. Seja como for, essa é uma das bem conhecidas e nada honestas artimanhas empregadas em debates: atribuir à tese adversária argumentos que não foram empregados em seu favor, para dar a impressão de que ela é destruída quando tais argumentos são desmontados.

Outra artimanha é a de levar a tese adversária a um extremo jamais cogitado, tornando-a ridícula. Por exemplo: "Os que defendem a redução da maioridade penal logo estarão querendo reduzi-la novamente para 12 anos. Daqui a pouco estarão encarcerando bebês". E, assim, um rapagão de 17 anos, do tamanho de um guarda-roupa, estuprador e assassino, fica parecendo tão inocente quanto uma criança de colo.

Outra, ainda, envolve a apresentação, em favor da própria tese, de um argumento competente que com ela não se relaciona. A coisa fica assim: "Nossos cárceres são verdadeiras escolas do crime, que não reeducam". Esse argumento escamoteia dois fatos importantíssimos: 1º) a ressocialização é apenas uma (e sempre a mais improvável) dentre as várias causas do encarceramento de criminosos e 2º) o preso não entrou para a cadeia inocente e saiu corrompido. Foi fora da cadeia que ele se desencaminhou.

Por outro lado, a pena privativa de liberdade tem várias razões. A principal, obviamente, é a de separar do convívio social o indivíduo que demonstrou ser perigoso. A segunda é a expiação da culpa (fator que está sendo totalmente negligenciado no debate sobre o tema). Quem comete certos crimes paga por eles com a privação da liberdade. Ao sair da prisão, dirá que já pagou sua pena, ou seja, que já acertou as contas com a sociedade. A expiação da culpa é o único motivo, de resto, para que nos códigos penais do mundo inteiro as penas de prisão sejam proporcionais à gravidade dos delitos cometidos. A terceira razão da pena privativa de liberdade é o desestímulo ao crime (dimensão de eficácia incerta, sim, mas se as penas fossem iguais a zero a criminalidade, certamente, seria muito maior). Pois é a relativa impunidade assegurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que tem estimulado o uso de menores para a prática de muitos crimes.

O assunto é importante, bem se vê, mas pressupõe honestidade intelectual, porque a deliberação democrática fica comprometida quando ela se faz ausente.


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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 


Orlando Lima -   12/04/2020 20:38:48

O que nos impede de andar pra frente sempre foi a falta de pessoas qualificadas ética e politicamente para exercerem cargos de governança. Acresça-se a isto uma Constituição confusa e atrapalhada em sua redação, assim confeccionada de propósito, pelos "doutos" constituintes da época. Não foi à toa que um dos maiores "mexedores" e "remexedores" da Constituição que se gestava, senhor José Sarney, declarou, logo após a promulgação da Carta Maior, que ela (a Constituição) "tornava o país ingovernável". Imagine que, até hoje, 31 anos depois de promulgada, diversos artigos constitucionais não foram regulamentados graças ao descaso e à preguiça do Parlamento Nacional. Não há um só dia que a nossa Constituição não seja descumprida, de alguma forma, várias vezes. E todos continuamos no mundo da fantasia, propagando aos quatro ventos que vivemos em uma Democracia, em pleno Estado de Direito. Se nós somos incapazes ou incompetentes para fazer cumprir a nossa Carta Magna, aliás excessivamente magna, como fazer fluir os atos legais necessários à governabilidade do país, a exemplo da mudança da maioridade penal?

Menelau Santos -   08/04/2020 17:12:33

Prezado Professor, Além de ser um assunto atualíssimo, seu texto é uma aula de dialética erística. Percebemos que tudo está conectado. Nosso parlamento, em vez de se preocupar em dar mais segurança para a população se dedicar a tarefas produtivas, procura encarcerá-la e criminalizar quem trabalha. Tá tudo do avesso.

Luiz R. Vilela -   08/04/2020 09:53:40

Pois é! Antigamente havia um ditado que dizia: "Criança que já faz criança, não é mais criança". A natureza amadurece o indivíduo por volta dos 14 anos, ou as vezes até antes. Torna-o apto a se reproduzir, e ao atingir a puberdade, tem-se em conta que o indivíduo já esteja pronto para encarar as responsabilidades da vida. Porém na nossa visão atravessada, achamos que somos mais "civilizados" que o resto do mundo, e não permitimos punição para as nossas "crianças", e ai passamos a chocar o ovo da serpente. O estado brasileiro, praticamente já cassou o pátrio poder, questões familiares, já não são resolvidas pela família, tem que ser pelo conselho tutelar, que a bem da verdade, no Brasil funciona, isto quando funciona, precariamente. Não se preconiza a volta da pancadaria e maus tratos, porém a frouxidão atual, tem feito enormes estragos. Imagina-se que os mais novos, devem respeitar os mais velhos, porém sem que haja alguma intimidação, isto é praticamente impossível. O respeito é o fruto mais vistoso do medo. Sem medo, sem respeito, e quando as leis ao invés de amedrontar, fazem justamente o contrário, asseguram a impunidade, ai não tem sistema educacional que incuta a quem quer que seja, o respeito pelo próximo. O estatuto da criança e do adolescente, para os menores, e o entendimento de que o processo só depois de transitado em julgado, possa levar o indivíduo a cumprir a pena, mostra-nos porque o Brasil é o paraíso da impunidade e da criminalidade. É o que é.