• Percival Puggina
  • 30/08/2019
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QUANDO POLÍTICA E DIREITO TRANÇAM PERNAS

 

 Esse tango em que Política e Direito trançam pernas pode acabar em tombo e fratura de quadril. Infelizmente, La Cumparsita (a palavra é um diminutivo de “cumparsa”) é a mais demandada no bailão onde se apequenam as cúpulas dos Poderes Legislativo e Judiciário brasileiro. As palavras de Romero Jucá ecoam, ainda hoje, nos corredores e gabinetes pelos quais poderosos e influentes transitam com desenvoltura. “É preciso acabar com essa sangria” disse Jucá, no famoso diálogo gravado que manteve com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, a respeito da Lava Jato.

A operação caíra em mãos de uma força tarefa dedicada, operosa e destemida. Tiraram o Código Penal da gaveta e trouxeram para cima da mesa. Imperdoável audácia aplicar o que ali está escrito a quem dança La Cumparsita ante os olhos da convalescente nação. O sempre indignado Gilmar Mendes lançou contra a força tarefa todos os adjetivos que a nação disparava contra ele mesmo. Espelhos falam.

Mais uma vez, a lâmina deixa a bainha. É a sangueira para acabar com a sangria. É preciso matar a Lava Jato. Quem vai se prestar para isso? Como a lâmina de Adélio, previsíveis dedos se erguem em prontidão. O caminho encontrado corresponde àquilo que lá em Santana do Livramento se chama “ninho de égua”, ou seja, algo que não existe, mas pode ser encontrado e usado, contanto que apareça alguém suficientemente crédulo para comprar. Durante o julgamento de um processo de habeas corpus, decidiram, ouvida a parte, criar mais um torvelinho na maçaroca processual penal brasileira. Nova ponte levadiça entre o crime e a pena. E mais uma larga margem de tempo para o ansiado tique taque da prescrição geral e irrestrita. Carnaval de inverno para a corrupção. Festa no mundo do crime! Congrats! Tim-tim!

Impossível não lembrar as palavras de despedida de Joaquim Barbosa no dia em que oito réus do mensalão foram absolvidos do crime de formação de quadrilha. Embora o próprio STF, durante o julgamento, tenha dividido o mecanismo em três núcleos – o político-partidário, o operacional-financeiro e o empresarial – a Corte, na undécima hora, decidiu que aquela roubalheira toda viveu de impulsos endógenos, perdições individuais, não tendo havido ali quadrilha alguma. Disse então o ministro, exagerando nos pronomes: "Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria de circunstância tem todo tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora. (...) Essa maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012".

Há quase cinco anos, pondo em risco a própria segurança, no turbilhão da maior investigação criminal da história do país, a força-tarefa da Lava Jato combate os poderes das trevas que atuam no topo da nossa ordem política, econômica e judiciária. Contrariam interesses hegemônicos. Seus investigados têm, ao estalo dos dedos, todo o dinheiro de que possam necessitar para quanto lhes convenha e todas as facilidades para agir fora e acima da lei.

A força-tarefa ouviu centenas de testemunhas. Corruptos e corruptores faziam fila para confessar crimes e informar o que sabiam. Empilhou dezenas de milhares de provas, relatórios e documentos. A repetição das fórmulas evidenciou rotinas consolidadas ao longo dos anos. Os crimes eram admitidos pelos beneficiários, pelos autores e por seus operadores. Bilhões de reais foram devolvidos e reavidos.

Agora, tocam La Cumparsita... Como é patético perceber aqueles cavalheiros e damas do direito pelo avesso, costas voltadas à nação, indignarem-se ante a ojeriza social, cercearem as liberdades de opinião, enquanto abrem alas para o festivo baile da corrupção e da impunidade. E pretendem nos ensinar que são a Justiça, a Lei e o Direito, em seu esplendor. Me poupem.

 

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


Mario Sergio da Costa Ramos -   03/09/2019 14:56:37

Li com indisfarçável ojeriza a podridão que seu excelente artigo expõe da promiscuidade da política com alguns ditos: ministros.

Luiz R. Vilela -   30/08/2019 21:58:31

L´armata Brancaleone ou o incrível exercito de Brancaleone, um filme satírico com a finalidade de avacalhar com coisas tidas como sérias por uns e dispensáveis por outros, como as guerras. Os atuais ministros do STF, principalmente os da segunda turma, fazem o que podem e principalmente o que não podem, para transformar a força tarefa da lava jato, numa espécie de L´armata Brancaleone, com o único propósito de desacredita-la ante a opinião pública. Não conseguem mais disfarçar que estão sobre pressão dos poderosos, que já foram denunciados, e daqueles que ainda estão por ser, dai a criação de normas esdrúxulas, como estas de que os delatados devem exercer as suas defesas por último. Não existe previsão legal para tal, é questão interpretativa deixando todo o processo a mercê da vontade dos ministros julgadores, isso cria a insegurança e a incerteza jurídica, nada mais é o que deveria ser, apenas aparenta ser, até a vontade em contrário. No impedimento da Dilma, o ministro Lewandowsky, já criou normas para a separação das penas, que deveria ser uma consequência da outra, racharam a lei, ficou uma parte para cada lado, e ilegalmente a ex presidente concorreu ao senado por Minas Gerais, mas o povo fez-lhe justiça. Na justiça, juiz singular, é só na primeira instância, dali para cima, todos as outras instâncias são colegiadas, dai a estranheza das decisões monocráticas de desembargadores e ministros, que em todas as decisões, deveriam ter o voto da maioria do plenário, ou então não se justifica a existência do colegiado. Da maneira que anda a política no Brasil, todo "juiz" nomeado por político, já traz na sua condução a suspeita de que passará a servir não ao povo, mas sim ao seu nomeante. Outro detalhe que torna mais incompreensível a permanência destes ministros nos cargos que ocupam, é que quase todos possuem tempo de serviço de sobra para ser aposentar, e porque permanecem nas funções? Já poderiam se retirar. Teriam ainda "obrigações" a cumprir com alguma força oculta? Da no que pensar. Se a tendência se tornar moda e o que foi aplicado ao caso do Bendine, se esparramar por todos os outros processos da lava jato, então poderemos fechar o nosso pais e instalarmos uma anarquia como forma de governo, porque viver num estado que se tornou um faroeste jurídico, com os bandoleiros tomando conta da situação e prendendo os xerifes e auxiliares. A segunda turma do STF, é realmente do arco da velha, como se dizia antigamente.