• Percival Puggina
  • 07/11/2020
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QUANDO A DESGRAÇA VEM EMPACOTADA PARA PRESENTE

 

Li esta história há muitos anos, não lembro onde. Motociclista e pedestre conversam sobre o preço da flamante Harley Davison que o primeiro acabou de comprar. Diante do valor informado, superior a cem mil reais, o pedestre se exclama escandalizado: “O senhor tem ideia de quantas pessoas poderiam ser alimentadas com esse dinheiro?”. O motociclista se detém por instantes a pensar e responde. “Não posso precisar um número, mas muita gente se alimentou com o dinheiro que paguei. São mineiros das jazidas de ferro de Carajás e de cobre do Chile; são operários da montadora e de algumas dezenas de fábricas de insumos e componentes; são designers, engenheiros, administradores, publicitários, lojistas, vendedores; são servidores públicos, despachantes, importadores e exportadores. Um bocado de gente!”.

É de dar dó a desigualdade que se estabelece entre quem sai da escola com uma série de chavões malignamente enfiados no seu repertório cerebral e quem sai da escola com competências que lhe permitem vislumbrar além da primeira cerca. Quem está errado não é o aluno. É a Educação, é a escola.

Em muitos auditórios, ao longo da vida, encontrei gente convencida de que os desníveis sociais são produto das injustiças cometidas por quem tem contra quem não tem. E muitas escolas custeadas por famílias que têm estão infiltradas por professores que também têm, mas agem para que seus alunos pensem como o moço da calçada em seu diálogo com o dono da moto. Convencem seus pupilos de que o mundo seria mais justo, ou de que haveria um número maior de donos de bicicletas se aquela Harley Davidson desaparecesse do conjunto dos bens de consumo.
As vítimas desse acidente cerebral, no passo seguinte – pasmem! – olham para o Estado, justiceiro-padrão dos totalitários, e afirmam: “Justiça será dar uma bicicleta para cada um com o dinheiro daqueles que têm automóvel ou moto”.

A injustiça, porém, não é um subproduto da prosperidade de um ou de muitos, mas é o produto de um Estado que se apropria de quase 40% da renda nacional e vai proporcionar, lá na ponta, a quem mais precisa, a pior educação, um sistema de saúde em que os pacientes morrem na fila de espera de um exame e um saneamento tão precário que produz persistente mortalidade infantil (12,4/1000). Tudo, porém, empacotado para presente em forma do mais degradante paternalismo. E sem nenhuma oportunidade.

A ideia do igualitarismo é resultado da fácil associação entre igualdade e justiça. Da utopia da igualdade vem o corolário segundo o qual o desejo de ser melhor, e até mesmo “o” melhor, se torna uma anomalia. Sobrevém a rejeição a quem se destaca e ao reconhecimento do valor do mérito. Como resultado, chega-se a uma “cultura” escolar na qual se estuda o mínimo e se assiste ao menor número possível de aulas. Logo ali adiante, a competência, a competitividade e a produtividade caem e a economia padece com a falta de estímulos. Nada que o comunismo não tenha exibido em profusão como insucesso e miséria.

Um país que se abraça nesse pé de tuna está pedindo para sofrer. Nenhuma das ideias que detêm o desenvolvimento social e econômico do país é mais danosa do que assumir o igualitarismo como objetivo. É uma ideia que se espreme entre o marxismo-leninismo e seu genérico mais simpático e ambíguo, o socialismo, que chega voando numa pomba branca com uma rosa vermelha no bico.
  

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
  


Maria Andreata -   10/11/2020 13:54:33

Perfeito, nada a acrescentar. E tudo o que penso.

Décio Antônio Damin -   10/11/2020 00:19:54

Ainda hoje posso me lembrar do nome de quase todos os professores que tive no primário, no ginásio, no científico e na Faculdade de Medicina...! A valorização do professor era muito grande! A Diretora do Grupo Escolar Carlos Gomes, em Garibaldi, ia para o palanque nos desfiles realizados na cidade! E agora, qual é a valorização dos mestres? A vocação tem de existir, mas é uma luta inglória e anonima! Igualdade, só com a Educação! Sim, com "E" maiúsculo, nivelando por cima! O paternalismo social sem mérito é viciante e perenizador da "desigualdade".

Dirceu Guerra -   09/11/2020 23:49:55

Muito boa resenha. Retrata sem margem de erro o que ocorre em nosso meio. Os que mais trabalham e prosperam são os responsáveis pela desigualdade, tão apregoada pelos falsos salvadores dos oprimidos, que continuarão sendo oprimidos pelos mesmos que os oprimem por décadas. Podemos chamá-los de cegonhas, pois levam o povo no bico.

Jose Rui Sandim Benites -   09/11/2020 13:20:52

Venho ratificar o mérito do comentário. Perfeito. Mas fui professor por mais de 30 anos. E, para os meus alunos apenas ensinei matemática, química, física, e biologia. Cheguei a dar 75 aulas semanais. Pela manhã, tarde e noite. Em relação ao meu comportamento como cidadão. Nada que eu falar, vai fazer diferença na personalidade dos alunos. O que se educa na personalidade é pelo exemplo. Pois a educação vem de dentro para fora e, não ao contrário. É aquela estória, de um incauto que perguntou para um professor. Se tu tivesse dois carros daria um para mim, que não tenho nada. O professor responde, sim daria. E se tivesse duas bicicletas daria uma para mim, que não tenho nada. O professor respondeu: Não daria. E o incauto admirado perguntou: Por que? E o professor respondeu: Porque eu tenho duas bicicletas.

Menelau Santos -   09/11/2020 12:59:55

Muito bem sintetizado pelo professor: iualdade não é sinônimo de justiça. Basta ler a parábola dos talentos em Mt. 25:14-30. Esse negócio de ter direito à moradia, alimentação, saúde, que está na Constituição Brasileira, é uma utopia idiota. Dessa forma vou ficar em casa sem fazer nada porque o Estado tem o dever de me dar tudo isso.

Renato Luiz Zonta -   09/11/2020 11:07:19

Muito bom o texto. Com relação ao comentário do Sr. Antônio Molina Serralvo em 08/11; ¨...TEREM SEUS DIREITOS À VIDA, ALIMENTAÇÃO, MORADIA, EDUJCAÇÃO, SAUDE TRANSPORTE E LAZER RESPEITADO¨, faço algumas perguntas sinceras: 1. Temos (Estado) todo o dinheiro para ¨respeitar¨ estes direitos para toda a população?? 2. Será que a parcela da população que trabalha, e portanto contribui no orçamento do Estado, está disposta a doar parte de seu trabalho para que todos tenham os ¨direitos¨ acima? Se até Lazer é dever do estado, o que faltaria mais para o cidadão? 3. Será que todos os cidadãos dariam o seu melhor apenas para contribuir com esta ¨sociedade de altruístas¨? O pecado da preguiça foi abolido? O relaxamento natural provocado pelas ¨garantias¨ e segurança, não irá ocorrer?

Cristiano -   09/11/2020 03:14:18

Então pq todos os governantes, de esquerda e de direita insistem em distribuir bolsas, auxílios, criar cada vez mais programas sociais? Resp: para se manterem no poder, não estão nem aí para o povo só pensam em reeleição é manter as mordomias. "O poder corrempe".

Lea Bonesso -   08/11/2020 19:07:59

Muito bom.

Antpnio Molina Serralvo -   08/11/2020 18:34:17

PONTO DE VISTA BEM ARGUMENTADO DA BURGUESIA DE DIREITA MERITOCRATA... A FUNÇÃO DO ESTADO NÃO É ESCOLHER UM LADO DA GANGORRA, MAS ESFORÇAR-SE PARA QUE O POBRE TENHA BOM TRANSPORTE E O RICO COMPRE A MOTO OU O CARRO QUE QUISER, DESDE QUE PAGUE TODOS OS IMPOSTOS DEVIDOS, OS QUAIS IRÃO AJUDAR TODOS AQUELES CIDADÕES ACIMA CITADOS A TEREM SEUS DIREITOS À VIDA, ALIMENTAÇÃO, MORADIA, EDUJCAÇÃO, SAUDE TRANSPORTE E LAZER RESPEITADOS...

Walter Seibert -   08/11/2020 17:46:39

Perfeito, nada a acrescentar!

Omar Sales -   08/11/2020 15:44:26

texto claro e preciso. Pena que a incapacidade de enxergar 1 mm além da superfície das coisas esteja tão disseminada. Infelizmente pessoas repetem com uma convicção absoluta ideias estúpidas edulcoradas com frases vazias de "mundo melhor" e "igualdade" que em todos os lugares em que foram colocadas em prática resultaram em sofrimento, morte, povos inteiros oprimidos e escravizados. E ficam profundamente escandalizados quando alguém não concorda com essas ideias "generosas". O engôdo e a desinformação estão vencendo, com a cumplicidade criminosa da grande mídia e das universidades!

Ieda Rhoden -   08/11/2020 15:44:05

Este raciocínio é tão importante neste momento! Porque não produzir uma série de eventos e documentos sobre isso para que atinja mais pessoas.

Lucia Meyer -   08/11/2020 14:29:42

Excelente! Uma lástima que tão poucos consigam, hoje, compreender isso! Décadas de massificação escolar ...

Afonso -   08/11/2020 12:53:11

Cirúrgico! Perfeito. Nada mais a acrescentar. Parabéns.

Wanda Cardoso -   08/11/2020 12:38:10

Li, entendi e compreendi. Nesse sistema igualitário as pessoas vivem na inércia, são meras marionetes. Perfeito. Assino embaixo.

Ari Caberlon -   08/11/2020 12:28:31

Assino embaixo. É a mais pura verdade. Só não vê quem não quer. Parabéns, Percival.

Laíse -   08/11/2020 12:05:53

Perfeito!

Paulo Roberto Varela Martins -   08/11/2020 12:04:20

Falou a pura verdade que os frustrados não percebem. Excelente comentário. Parabéns.

Gilberto -   08/11/2020 11:30:08

Excelente texto.

Neiva Maria Demoliner -   08/11/2020 10:43:07

Cheguei à conclusão que o igualitarismo é o pai da inveja.

Darcísio Scheeren -   07/11/2020 22:18:41

Excelente artigo.

Mozart Carttos -   07/11/2020 22:14:06

Magnífico. Parabéns!