Percival Puggina
Em maio do ano passado, ao receber o ditador venezuelano Nicolás Maduro com honras de chefe de Estado e beijos no coração, Lula lhe proporcionou aconselhamento patriarcal sobre como resolver os problemas de imagem de seu governo.
A Venezuela é uma ditadura escancarada, daquelas que prendem adversários que podem se tornar incômodos, cujos verdugos espancam e matam a população que sai às ruas, que corrompeu suas forças armadas, seu judiciário e cuja elite política opera no mundo do narco-business. Alguns meses antes, ainda falando na condição de candidato, prometendo doces frutos do comunismo a seus eleitores e ferro e fogo a seus adversários, Lula disse que falava assim por estar mais Maduuro, espichando a segunda sílaba para marcar a metáfora. Ou seja, reconhecendo, ele mesmo, a deplorável imagem de seu camarada, irmãozinho de fé.
No entanto, quando se abraçaram em Brasília, Lula disse a ele:
“Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocrática e de autoritarismo”. E, pouco depois: “Eu vou em lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabe que a Venezuela tem problema na democracia. É preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que, por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você”.
Transcrever falas de Lula é um desafio a quem foi alfabetizado antes dos anos Paulo Freire, mas era necessário fazê-lo para dar relevo ao modo como Lula vê a força política das narrativas, vale dizer, o modo como os fatos são levados ao conhecimento da população.
Precisamente aí está o “xis” do enorme problema em que se tornou a comunicação social no Brasil. Ao longo dos últimos anos, a cada manifestação minha, em artigo, vídeo ou entrevista, reclamando do lamentável papel desempenhado pelo jornalismo brasileiro, alguns leitores cuja desinformação e ingenuidade andavam de mãos dadas, saíam em defesa desses manipuladores. Agora penso que, finalmente, lhes caiu a ficha, pois silenciaram de vez.
Se hoje, a oligarquia dominante faz o que bem entende, se ministros do STF assumem postura política, linguagem política e influenciam a política a curto, médio e longo prazos, isso só pode acontecer porque se enquadra no que Lula poderia chamar de “narrativa vencedora”, que outra coisa não é senão uma mentira bem contada e suficientemente repetida. E ela só pode ser exitosamente repetida porque conta com as bênçãos da agência oficial em que se transformou o outrora vigoroso jornalismo brasileiro.
Para que este cumprisse seu iníquo papel, foi necessário expurgar das redações os grandes profissionais avessos às teses e práticas da pirataria desinformativa das redações. Hoje, fazem sucesso nas redes sociais e nos seus próprios canais e, por isso, se tornam, agora, alvos preferidos da oligarquia que não admite conviver com a divergência e com a liberdade plural das opiniõo. Apontá-los como fonte dos males faz parte da narrativa fraudulenta que hoje quer virar história no país. A eles minha reverência e gratidão.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Ronei Cecconello - 22/01/2024 16:06:42
Parabéns pelo artigo.Menelau Santos - 21/01/2024 22:26:01
Bem pontuado, Professor. Há um documentário antigo sobre Hitler que finaliza com uma frase genial: o governo nazista terminou da mesma forma como começou, esbanjando propaganda (narrativas).