Percival Puggina
Durante um quarto de século, o palco político nacional foi hegemonizado pelo PSDB e pelo PT, numa estratégia que ficou conhecida como teatro das tesouras. A expressão também serve para designar a relação entre bolcheviques e mencheviques durante as preliminares da revolução russa. Eles se combatiam reciprocamente, mas queriam a mesma coisa: a queda do czarismo e a implantação do comunismo – esse fazedor de infernos nascido do casamento do marxismo com os objetivos políticos de Lênin. O comunismo, naqueles dias da tragédia russa, era como cafezinho, podia ser servido amargo à bolchevique, ou adoçado à menchevique.
Na versão dessa peça em língua portuguesa para o teatro brasileiro, as duas siglas e seus militantes se combatiam como se Fernando Henrique Cardoso e Lula não fossem bons amigos que trocavam abraços nos bastidores durante as encenações. A peça era muito bem montada e a hegemonia das duas forças partidárias no âmbito das eleições nacionais era absoluta. Por seis vezes consecutivas, elas ocorreram no ambiente que polarizavam, sem dar chance ao surgimento de uma candidatura viável no segmento conservador e/ou liberal. Quem não fosse extrema esquerda votava no candidato saído da convenção do PSDB. Era o que se tinha para comprar nas bilheterias da realidade eleitoral, até surgir Bolsonaro.
Foi graças a esse teatro que Lula assumiu a presidência em 2003 e não mais se ouviu falar das denúncias que seus companheiros faziam a seu adversário motivando os muitos pedidos de impeachment encaminhados contra ele. Também graças ao teatro, em 2006, com o escândalo do mensalão dominando as manchetes, FHC desautorizou o pedido de impeachment de Lula, viabilizando com isso a reeleição do amigo.
Faço esse breve sumário para trazer à lembrança o longo período durante o qual se firmou essa hegemonia que proporcionou ao PT quatro mandatos consecutivos e uma bancada numerosa no STF. O sumário serve, também, para expressar meu contentamento cívico com dois fatos recentes: a) o outrora poderoso PSDB se encaminha para uma fusão que o liberte da incômoda condição de partido “nanico”; e b) o PT, em 2024, se encontra com a verdade das urnas nas eleições municipais. O partido saiu do pleito de outubro passado em nono lugar pelo número de prefeituras conquistadas e em sétimo pela população total dos municípios administrados. Fecham-se as portas do teatro.
Os dois principais partidos trabalharam levando o país para a esquerda. Café amargo com o PT; adoçado com o PSDB. De 1996 para cá, em 29 anos, governaram o país por 24. Todos esses anos, com um fio de continuidade por ação ou omissão, arrastaram o país para tempos trágicos. Qual a tragédia? Subdesenvolvimento econômico e social, corrupção e degradação dos costumes, decadência política, miséria cultural, educação paulofreireana e insegurança física, patrimonial e jurídica. Some a isso, mais recentemente, trambolhões cotidianos na liberdade e na democracia, censura escancarada, prisões políticas, representação parlamentar intimidada e sociedade ameaçada.
Alguém que viveu sob o totalitarismo afirmou algo que pode ser parafraseado aqui com a devida solidariedade e reverência: Nós sabemos que eles mentem e eles sabem que mentem. Eles até sabem que nós sabemos que eles estão mentindo, mas mentem assim mesmo (*).
Um dia, obviamente, essa casa cai.
* Frase semelhante é atribuída a Soljenitsin e/ou também a Elena Gorokhova.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.