• Percival Puggina
  • 10/06/2022
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Posso falar?

 

Percival Puggina

 

         Volta e meia essa pergunta se apresenta à minha mente quando escolho certos assuntos... É incerto o espaço de liberdade de que dispomos. Há autoridades que não convém contrariar. Elas estão convencidas de que, assim, protegem o Brasil de autoridades que não convém contrariar.

         1. A sociedade e a confiança nas urnas eletrônicas como elas são hoje.

Tenho diante dos olhos a pesquisa Datafolha, conforme publicada pelo site G1 (27/05) a respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas. O resultado da pesquisa, apresentada sob o título “73% dos brasileiros confiam na urna eletrônica”, é arrasador: 42% confiam muito, 31% confiam pouco, 24% não confiam e 2% não sabem. A malandragem da informação está em relação ao lado para onde é contado o termo médio. Pelo viés oposto ao adotado, a manchete seria “55% dos brasileiros não confiam na urna eletrônica!”.

Confiar pouco na urna eletrônica é não confiar; confiar pouco na fidelidade da esposa é não confiar; confiar pouco em determinada empresa é caminho para o encerramento de suas atividades; confiar pouco num senador é certeza de voto em seu adversário; confiar pouco na urna eletrônica é sinal de pouca confiança.

Então, eu redigiria assim o título da matéria sobre a referida pesquisa (Datafolha, note-se bem): “Apenas 41% dos eleitores brasileiros confiam na urna eletrônica tanto quanto os ministros do STF”. Ainda que desconhecêssemos o significado real do termo médio, é importante observar que os 24% que confiam nadinha nos aparelhos atuais, representam 36 milhões de eleitores que irão às urnas.  

Devido a esse sentimento, diferente do que o STF expressa, sucessivas legislaturas têm aprovado projetos de urnas com impressoras que o STF derruba, direta ou indiretamente (como Roberto Barroso fez no ano passado).

         2. Voto é coisa que se conta.

Nelson Rodrigues diria que a frase acima é o “óbvio ululante”. Ela foi reiterada ontem pelo presidente ao afirmar a uma repórter que o contestara dizendo não haver prova de fraude nas eleições nacionais: “Não se pode provar o que não se pode auditar”, ou seja, não se pode contar. A auditoria em determinado percentual de urnas aleatoriamente escolhidas seria suficiente para mudar por inteiro a confiabilidade do processo de apuração e apaziguar o ambiente institucional do país.

         3. O que não falta nesse tema são agravantes.

Ao contrário do que o bom senso recomenda na voz das ruas e das praças, a insegurança em relação aos processos de nossa democracia se agrava com a imposição de silêncio sobre o tema. Se agrava com a ativa instrumentalização do inquérito das fake news. Se agrava com a conduta antagônica de pelo menos nove ministros do STF que não ocultam seu desejo de ver pelas costas o presidente da República. Se agrava, por fim, quando a condução do processo eleitoral é confiada ao mais iracundo ministro, indisfarçável inimigo pessoal do presidente.  

         4. Tudo que começa errado desencadeia erros em cascata.

É o caso. Todas as tentativas de estabilizar o que foi sendo teimosamente desestabilizado não fizeram mais do que ampliar a incerteza, a insegurança e a instabilidade.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


MARIA INÊS DE SOUZA MEDEIROS -   17/06/2022 23:42:32

O problema, querido Puggina é que NÂO podemos falar! Não podemos falar que as urnas são inconfiáveis, inauditáveis, que não asseguram nosso voto, que não garantem transparência. Tudo isso com a anuência de nossos parlamentares.

carlos edison domingues -   17/06/2022 09:41:22

PUGGINA . Este artigo, assopra a brasa do espírito beligerante de um cidadão, com 85 anos de idade. Carlos Edison Domingues O.A.B., RS nº 3;626

Heitor De Paola -   13/06/2022 19:34:07

Caro Puggina, assim começou a se constituir o Ministério da Verdade. Os Americanos e Europeus estão no mesmo barco, só que lá são os poderes Executivos e contam ainda com a Justiça, enquanto nós estamos sob o guante da "justiça". Mas se calarmos, MdaV será inexoráveç.

PERCIVAL PUGGINA -   13/06/2022 09:42:48

Décio Antônio Damin. Sempre saindo pela tangente de tua desinformação! Visto o pouco que demonstras saber daquilo em que opinas, certamente bebes nas fontes da Globo e da Folha. Até os índios txucarramãe sabem que sem possibilidade de contagem de votos não há como comprovar fraude ou ausência de fraude. E é isso que torna o sistema inconfiável. Em tua desinformação deves depositar inteira confiança nos ministros do STF e do TSE, especialmente naquele ameaçador que escolheram para presidir pleito onde um dos candidatos é seu maior inimigo. E o outro só é candidato por deferência especial da própria Corte.

Décio Antônio Damin -   13/06/2022 09:05:45

A pergunta formulada tem a resposta esperada para os que, como eu, acreditam que haja uma disputa inconciliável entre o "nós" e o "eles"...! Acreditar, sem demonstrações objetivas, é dogmático e sem valor científico! Somos todos a favor de um sistema eleitoral honesto e confiável... Quem poderia ser contra? A quem beneficiaria tal desonestidade? Não temos estas respostas, mas o contínuo martelar sobre ela nos conduz à insegurança, e a situações que poderão, eventualmente, até fugir do controle...! Se sabem das fragilidades, por favor, demonstrem...! É para o bem de todos...!

Jose Augusto Kliemann -   13/06/2022 09:01:22

Amigo Puggina Tivéssemos o poder legislativo atuante no tema das urnas, talvez o quadro mudaria. Perderam para o STF o ativismo político, o posicionamento de lideranças. Estão mudos !

João Jesuino Demilio -   11/06/2022 08:13:00

A pergunta é: Vamos mudar os integrantes do STF antes ou depois que o mesmo jogar o pais numa guerra civil?

José Rui Sandim Benites -   10/06/2022 13:25:48

Sem mais delongas, ratifico o texto acima, como sempre, com a coerência e a verdade dos fatos analisados do brilhante professor Puggina.