• Percival Puggina
  • 08/06/2019
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PEQUENA CRÔNICA DO FUTEBOL E DA POLÍTICA

 

A conversa corria solta na mesa ao lado. Falavam de futebol e esse é um assunto que exige tanta eloquência quanto tempo. Não se fala de futebol em voz baixa, nem só um pouquinho. Se bem contado o tempo em certas emissoras de rádio que fazem jornalismo 24 horas, o futebol ocupa a maior parte da programação. Por vezes, chego a pensar que o brasileiro goste mais de falar sobre futebol do que do jogo propriamente dito.

Voltemos, porém, à conversa da mesa ao lado. Recordavam antigos atletas, treinadores, vitórias de seus clubes. De repente, alguém sacou de uma memória que me fez lacrimejar de inveja a escalação do Fluminense campeão carioca de sei lá qual ano. Coisa de décadas passadas. Estimulados por isso, outros abriram a gaveta dos papeis velhos e puxaram registros de feitos e vitórias de seus clubes. As principais interjeições eram reservadas a grandes goleadores e goleiros. Os assuntos mais densos envolviam esquemas de jogo, escalações, receitas para o sucesso e para o fracasso.

Continuavam discutindo quando fui embora pensando sobre o que ouvira e se tornou inevitável comparar todo aquele conhecimento, destreza analítica, capacidade de ver e compreender a realidade dos respectivos clubes nos vários momentos de sua história, com o pequeno interesse e o quase total desconhecimento que a imensa maioria da população brasileira tem e mantém sobre a realidade nacional. Sim, sim, só ela explica o longo período de hegemonia esquerdista pelo qual passamos.

O sujeito recita a escalação inteira de um time de futebol num ano remoto, mas é incapaz de dizer o nome dos candidatos em quem votou no ano passado. Conhece, passo a passo, a trajetória de seu clube e os protagonistas de seus feitos, mas nada sabe sobre as principais figuras da história do Brasil. É incapaz de identificar, pela imagem, José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Machado de Assis, Castro Alves, simplesmente porque suas estátuas não existem e suas obras nunca lhes foram valorizadas.

Sei o quanto é comum isso que descrevo, mas sei, também, o quanto nosso país seria melhor, mais desenvolvido, mais humano, mas justo, respeitado e amado se atribuíssemos à sua história, sua política e suas grandes questões, o mesmo esforço de atenção e inteligência que dedicamos ao futebol. Cada brasileiro, com certa razão, se considera um técnico em futebol; no entanto, em relação ao país, não aprende coisas fundamentais como prestar atenção ao que já fez e não deu certo.

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


ALCIDES POLIDORO PERSIGO -   15/06/2019 13:35:18

Concordo plenamente com vossos comentários,caro amigo Percival. Aos fanáticos e cegos da esquerda, perguntaria: -Por que será que muitos Cubanos tentam fugir, usando tonéis como bóias, para o México? -Sem falar dos Venezuelanos que fogem para cá, neste caso, aqueles que conseguem fugir, pois outros morrem na tentativa de fugir. Para tais ceguinhos sugiro se mudarem para lá. Abs. Pérsigo.

Marcelo Moser -   11/06/2019 22:10:56

O futebol também é essencial para a noção quantitativa brasileiro: medidas de área são equivalentes a tantos campos de futebol; uma multidão corresponde a tanso maracanãs lotados; e por aí vai...

Menelau Santos -   10/06/2019 20:59:28

Seu texto me fez lembrar uma antiga e muito engraçada propaganda protagonizada pelo nosso querido Silvio Matos, em que o motorista vai relembrando os carros que teve e as respectivas placas de cor, mas em dado momento, ao se referir à mulher que está ao seu lado, esquece o nome dela.

Carlitus -   10/06/2019 19:06:27

O Brasil tornou-se um pais de especialistas em superficialidades.

Luís -   09/06/2019 18:47:32

Sugiro aos leitores que façam a seguinte experiência: ouça as principais emissoras de "radiojornalismo" da capital gaúcha, no horário do almoço e no fim da tarde, de segunda a sexta-feira. Com quase 100% de certeza, é possível dizer que o leitor só encontrará programas "esportivos". Se ainda restar alguma dose de paciência e curiosidade, repita o experimento no sábado ( a partir do meio-dia ) e no domingo ( a partir das 9h30 da manhã ). Antecipo: o resultado será exatamente o mesmo, e o ouvinte só terá o "privilégio" de ouvir programas dirigidos aos "esportes". Nestas emissoras ( e nos horários sugeridos ), o ouvinte certamente não corre o menor risco de ouvir uma entrevista com algum advogado acerca, por exemplo, dos direitos do consumidor; muito menos um médico falando a respeito da saúde bucal ou da importância das atividades físicas em nossa rotina diária; tampouco alguém do mercado financeiro explicando, didaticamente, as opções de investimentos; assim como, não lhe será oferecida nenhuma entrevista com alguém que tivesse visitado a Croácia ( por exemplo ) e fizesse um relato da viagem. Mas se ouve, nestas emissoras, "especialistas" e comentaristas articulando raciocínios mirabolantes, em discussões estéreis e prolixas. Como se isso não bastasse, e para o "deleite" dos ouvintes, ainda tem aqueles momentos "mágicos" em que discutem estatísticas as mais irrelevantes possíveis, como se o passado fosse capaz de determinar o futuro. Ouve-se, com frequência, nestes veículos, âncoras e comentaristas dizendo que a população precisa participar - de forma mais efetiva e vigilante - do debate dos grandes problemas do país, como, por exemplo, educação, saúde e segurança pública. Mas como os cidadãos podem fazer isso, se só se fala em política e economia quando a imensa maioria dos eleitores está trabalhando e, por conta disso, não pode ouvir rádio ?

Décio Antônio Damin -   09/06/2019 18:22:36

Dá para entender a idolatria do futebol e de seus jogadores (secundariamente) porque "sem pai nem mãe" o povo inculto, analfabeto funcional, mal-educado em grande percentual sente a necessidade humana e imperiosa de pertencer a algum grupo, de ter com quem dividir as suas angústias! O futebol é democrático em sua essência e admite qualquer um que simpatize com algum time. Eu sou gremista, ou colorado, ou vascaíno, ou qualquer outro...É bom e me torna participante de um grupo indefinido, heterogêneo, mas...um grupo! Se houver uma discussão entre um gremista e um colorado, se eu sou gremista logo tomo posição favorável a quem? Ao gremista, é claro! Na política, mais do que nunca estamos nos dividindo entre "nós" e "eles". A incultura, a deseducação de que falo, atinge todas as áreas. Infelizmente...!!

Afonso Pires Faria -   09/06/2019 15:33:50

Pode parecer estranho o povo se interessar mais por futebol do que por politica. Mas é justificável devido ao grau de putrefação de um e de outro. O futebol é podre, já o outro, é muitas vezes maior. Por isso o povo ignorante se dedica mais a um do que ao outro.

Haremhab -   09/06/2019 15:09:41

Zé povinho, sem cultura alguma, analfabetos funcionais, esperar o que? Conhecimentos gerais zero, os snow flakes e a geração atual, sem comentários, por exemplo:minha mãe, idosa, assistindo uma porcaria de programa dominical no SBT, prestei atenção a gincana de perguntas entre dois times, 4 integrantes cada, ninguém soube responder em qual cidade foi fundado o jornal La Nacion, vergonhoso!

FERNANDO A O PRIETO -   09/06/2019 10:17:21

Mais um ensaio bem enfocado e oportuno. Há assuntos, como o esporte, que, em si, são bons e poderiam contribuir para uma vida saudável e bem vivida, mas que são super valorizados, além de qualquer medida racional, porque isso convém a certos interesses... Qual seria a razão de considerar "heróis" e "modelos" jogadores que se limitam a cumprir (quando o fazem!) um contrato de trabalho para o qual são muito bem pagos? Mesmo que fossem exemplos de vida pessoal correta (a imensa maioria deles está muito longe disso) ainda não seria motivo. Mas o exemplo negativo que (quase todos) dão, especialmente na degradação em relação ao sexo e bebidas, desaconselha fortemente qualquer "admiração " por eles... Enfim, isso é (mais um) sintoma da decadência de nossos tempos, decorrente de vários fatores, especialmente da desvalorização dos valores da moral judaico-cristã...

José Nei de Lima -   09/06/2019 05:16:02

Concordo plenamente meu amigo, isto que move o país, e são os primeiros à reclamar dos governantes, acorda povo, o Brasil precisando de uma grande mudança em todos sentidos, estamos preocupados com futebol, é muito triste que o povo vê desta forma a mudança necessária, ótima matéria meu amigo que Deus vos abençoe e nos ilumine contra o negativos colocado na cabeça de alguns, Acorda Brasil.

Luis Gonzaga de Paulo -   08/06/2019 22:27:22

Prezado Puggina, Em minha infância e adolescência eu debrucei-me por diversas vezes sobre livros de história e enciclopédias pesquisando vultos de nossa história, quer fossem da cidade, do estado ou do país, nas disciplinas de Educação Moral e Cívica e também Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Finda a década de 70, e lá pelos meados da década de 80 isso começou a ser feio, resquício da "ditadura"... Ainda na Faculdade cheguei a resvalar em algo parecido, mas já despontavam os anos 90 e isso era feio. Era melhor falar sobre a gulodice de D. João VI e das farras de D. Pedro I. Deu no que deu...

Odilon Rocha -   08/06/2019 21:30:35

Pois é, caro Professor. Também lá, na Argentina. E estão próximos a escolher o seu futuro. Aqui, há muito, o meu diapasão passou a vibrar mais pelo destino do país do que pelo do futebol. Tudo bem! Respeitemos os interesses e gostos. Lei inevitável, um país, seja onde for, que é esquecido pelos seus, é um país de futuro incerto. Paciência..., gosto é gosto.