• Percival Puggina
  • 12/08/2019
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OS FORA DA LEI

 

 De minha infância em Santana do Livramento resultaram inesquecíveis as longas matinês dominicais do Cine Rex, em Rivera. Quatro filmes eram exibidos em sequência e os mais ruidosamente saudados eram os de faroeste, de “bandido e mocinho”, rodados no Far West dos Estados Unidos, preferivelmente em meio às Montanhas Rochosas. As disputas se davam entre os homens da lei, os xerifes, que sempre venciam, e os fora da lei, os out law, que sempre perdiam. Saía-se do cinema com a gratificante sensação de que o Bem vencera e a Justiça fora feita. Talvez por isso me acompanhe a ideia de que Justiça e Bem devem fusionar-se de modo indissociável.

Modernamente, ideologias malsãs rompem esse lacre, em favor de suas próprias pautas. Cidadãos de quem não se esperaria algo assim aplaudem corruptos, torcem pelo bandido e condenam o xerife. Muitos protegem ovos de tartaruga, ninhos de passarinho e exigem o aborto como direito da mulher. Outros, ainda, desdenham a inocência das crianças. Magistrados devolvem às ruas bandidos perigosos, presos em flagrante. A vida honesta se faz perigosa e dispendiosa, e o crime, compensador. A ordem é destruída e a autoridade fenece em todas as esferas da vida social. Há muito sangue nas ruas e nas páginas dos jornais. É um filme sem sentido: mataram o xerife e foram ao cinema.

Estragaram a matinê! Isso não é coisa que se projete nem se proteja. O sucesso dos fora da lei empurrou a candidatura de Bolsonaro e, agora, os defensores de bandidos querem a cabeça do juiz. Filme desgraçado!

Percebo três tipos de fora da lei. O primeiro corresponde ao numeroso contingente dos bandidos da criminalidade rasteira. Estando ao alcance do braço da lei esquivam-se de seus efeitos graças a uma legislação leniente, às curvas e dobras processuais, às penas que não se cumprem, às franquias do semiaberto e a uma parceria ideológica entre setores do Estado e a criminalidade. No segundo grupo estão aqueles cuja conduta produz crescente indignação e repulsa social. Refiro-me aos criminosos beneficiados pelo aconchego da prerrogativa de foro junto ao Supremo Tribunal Federal. Esses têm a garantia da inconsequência de seus crimes; o braço da lei os alcança, mas não os toca. A frase de Fidel Castro, repetindo Hitler, lhes serve às avessas: o presente os absolve, só a história, na posteridade, os condenará.

Há por fim, o terceiro grupo dos fora da lei. A expressão lhes corresponde por outra razão. Eles são a última instância, a última voz, a última caneta do mundo onde a Justiça e o Bem deveriam firmar compromisso. No entanto, o que temos visto é abuso desse poder, condutas muito estranhas, intervenção de ministros em processos de seu próprio interesse, blindagem contra rotineira e impessoal averiguação. Todas as denúncias formalizadas contra membros da Corte perante o Senado Federal – dezenas! - foram sepultadas nos últimos quatro anos por decisão pessoal dos presidentes Renan Calheiros, Eunício Oliveira e Davi Alcolumbre. Acho que não preciso explicar. A condição não é meritória.

Alega-se, em favor dessa omissão, que o processo de impeachment contra um ministro do STF causaria grave problema institucional. Penso o oposto: problema é a situação atual. O devido trâmite de alguns desses processos causaria imenso bem ao Senado, ao STF e à nação neste novo momento de sua história. Veríamos a Justiça procurando o Bem. E vice-versa.

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.





 


Rivo Fischer -   19/08/2019 03:25:02

O desejável é que o malfeito seja reprimido, o malfeitor punido e o cidadão garantido. A realidade está se encaminhando para que o malfeito seja relevado, o malfeitor desonerado e o cidadão ainda mais acuado.

Rodrigo Souza -   14/08/2019 16:06:13

Perfeito

Antonio Tunai -   14/08/2019 10:17:27

Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce! Isaías 5:20

Odilon Rocha -   12/08/2019 22:18:42

Caro Professor O momento é esdrúxulo e surreal. De um lado, os fora da lei , EM MINORIA (!), ainda se segurando em investiduras, cargos e comissões, ditando regras, passando por cima da Constituição e regimentos, nitidamente fazendo o serviço sujo, e do outro, uma maioria querendo a Lei, o que é correto, o cumprimento do que é constitucional. Não sei se isso tudo dá filme de ficção ou de terror. De western não é!

Luiz R. Vilela -   12/08/2019 18:19:03

Já dizia o falecido deputado e costureiro Clodovil Hernandez: "Boi preto, conhece boi preto, isto em alusão ao fato que "lobo não come lobo", e que político corrupto, não nomeia juiz probo e ilibado. O fato de que alguém pode nomear uma pessoa, que um dia irá julga-lo, ou a um semelhante seu, da atividade política, faz com o "escolhido" seja examinado com lupa. Das extravagâncias feitas por lula nas nomeações de ministros das cortes superiores de justiça, apenas um, destoou do padrão. Joaquim Barbosa, que foi justamente escolhido por critérios raciais, não reconheceu os laços de gratidão que deveria prover sua união eterna, com seu nomeante. Rasgou a escrita. Os outros seguem, como se observa, gratos aos seus padrinhos e por extensão, aos seus amigos. Após a tal redemocratização, uma palavra esdrúxula, até porque o Brasil nunca foi ou é totalmente democrático, apareceu uma infinidade de partidos políticos, sem qualquer conotação ideológica, no sentido literal da palavra, mas apenas siglas obrigatórias para abrigar candidaturas, que não podem ser independentes, e promover a eleição de "espertalhões", verdadeiros camelôs de si próprio, que se vendem ao eleitor como paladinos da justiça, mas que realmente são vigaristas que visam apenas a enriquecer e ter boa vida, com o dinheiro público. Nada mais condizente com a alma sebosa de grande parte da população, como estes ataques aos magistrados que ainda tentam fazer algum tipo de justiça, inclusive com comprometimento de sua segurança. Os que dizem, "os crimes do Moro e lula livre", realmente não possuem qualquer tipo de discernimento entre uma coisa e outra, pois um luta contra um tsuname de calúnia e difamação, enquanto o outro, criminoso comprovado já em três instâncias da justiça, é defendido por uma horda de cegos fanatizados e saudosos dos tempos de criminalidade ampla, geral e irrestrita, principalmente dum certo jornalismo a soldo. Mas enquanto os cães ladram, a caravana passa, como dizia o saudoso Ibrahim Sued, e chegará ao seu destino,mesmo contra a vontade daqueles que doravante, terão que trabalhar. O tempo de maná e cordonizes, já acabou para hebreus e petistas.

Jose luiz -   12/08/2019 17:39:38

Gostaria de ganhar um livro

Ivan -   12/08/2019 17:37:11

Caro Dr. Puggina ! Seus artigos são observações verdadeiras de que ocorre neste país, infelizmente tínhamos no novo Presidente confiança de que às coisas iriam mudar, mas o que esta ocorrendo é uma desagrável confirmação do despreparo para Governar, sempre foi minha preocupação. Desta maneira, principalmente o STF toma conta indevidamente em situações que nada tem a ver com a demanda, e o Judiciário calado não se manifesta aí que corre o perigo. Por oportuno, pediria que se manifestasse sobre o assunto agora esteirado por mim. Grande abraço.

antonio carlos santiago -   12/08/2019 16:18:00

Perfeitamente.

Roberto Ferreira -   12/08/2019 14:21:45

Parabéns pelo texto, professor! Viva o xerife! Abaixo os bandidos das ruas e dos palácios! Fora, Foro Privilegiado!