Percival Puggina
Sou católico e respeitoso com todas as demais religiões e manifestações exteriores de fé. Tenho alguma dificuldade, porém, em relação à fé religiosa que vejo muitos dedicar ao Estado e a seus dignitários. Essa devoção tem teologia própria, muito severa e intolerante: o único Estado que merece reverência é aquele onde eles mesmos mandam e os outros se calam.
A tragédia do outono gaúcho abriu espaço para o proselitismo dos devotos do Estado, notadamente coletivistas e estatistas. É claro que sem o apoio da União será muito mais difícil enfrentar o conjunto de problemas que restarão quando as águas retornarem ao seu nível. Há, porém, um outro lado dessa moeda: a autofagia do Estado. Ao consumir em si mesmo parcela descomunal das receitas numa luxuosa Versailles federal, tão ciosa de seus privilégios quanto ociosa em seus deveres, ele empobrece investimentos como os que amenizariam os efeitos das águas.
Os devotos do Estado dão por esquecido que, ao longo de décadas, suas ideias, alinhamento político e perfil de quadros dirigentes respondem pelas permanentes agruras nacionais. Agora, sem maiores explicações ou justificativas, aproveitam-se da crise gaúcha para cantar vitória: “Viram como o Estado é bom e generoso?”. A resposta é não! O que tenho visto é a sociedade, com recursos mínimos, fazer muito mais do que o máximo, de modo virtuoso, com cada um dando de si e a si mesmo.
Isso Estado nenhum faz!
Estado nenhum faz o que o Instituto Ling fez com apoio do Instituto Floresta e da Federasul, lançando em Nova Iorque um fundo para levantar recursos destinados às reconstruções no Rio Grande do Sul.
Cuidarei sempre de alertar sobre algo facilmente intuído pelo cidadão comum: o Estado é um ente político desalmado, que precisa ser controlado. Não o será pelos que vivem em fervorosa contemplação aos pés do sacrário do Tesouro, benzendo-se penitentes cada vez que se referem à “extrema direita”, mas pelos conscientes de que é com o produto do trabalho da sociedade que o Estado se agiganta para submetê-la a seus excessos e à sua mão pesada.
Nos últimos dez anos, no sentido inverso ao que propagam esses devotos, a expressão “poder público” adquiriu um sentido cínico. Que raios de “poder” é esse? Socorra-me o leitor: em que sentido esse poder se diz “público”? Aqui, de onde eu o vejo, esse poder instituiu uma suposta democracia contramajoritária, jamais leva em conta a opinião pública. O povo, nas ruas e praças, fala aos ventos.
Se a vida civilizada nos obriga a custear o Estado e a conviver com ele, é de todo recomendável que seja útil ao público. Isso significa que o Estado deve gastar menos consigo mesmo e mais com a sociedade, para que obras, equipamentos e serviços tenham a qualidade necessária.
A autofagia dos recursos “públicos” na sua própria cadeia de consumo responde por vários aspectos da tragédia que a nação vive a cada solavanco da natureza.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
José Nedel - 17/05/2024 11:03:48
A presença do presidente do stf na comitiva do lule revela que o velho consórcio continua: foi o stf que tirou o cara da cadeia e o botou aí como presidente. Resultado: a balbúrdia administrativa, jurídica e moral que nos desgraça.Dagoberto L. GODOY - 16/05/2024 18:00:54
Excelente. Quem dera muitos dos devotos do Estado pudessem perceber a realidade do cotejo dos desempenhos do estado e da sociedade civil no enfrentamento da tragédia que se abateu sobre o RS. E assim abandonar sua perversa fé no leviana.Rute Abreu de Oliveira Silveira - 16/05/2024 16:39:26
Belo texto, Percival. Um poder que se diz público, mas que como você diz, deixa o povo falando aos ventos, é uma fraude. Que Deus nos livre de governantes assim.Danubio Edon Franco - 16/05/2024 12:06:16
A tragédia ao mesmo tempo que revela o lado bom do ser humano também revela seu lado perverso, quer no meio da massa, quer entre as "autoridades". Daqueles, a polícia cuida, mas destes quem o fará? O comício espetáculo que estes patrocinaram ontem em São Leopoldo, valendo-se da tragédia, revela seu lado perverso, buscando proveito eleitoral frente aos pleitos que se avizinham - municipal e federal - aquele bem próximo, este um pouco mais distante, mas não muito. Em complemento e a pretexto de ajudar, promoveram uma intervenção branca em nosso Estado; criaram uma secretaria extraordinária para esse fim e nomearam para comandá-la um pretendente ao governo do Rio Grande do Sul nas próximas eleições estaduais, ignorando que aqui ainda tem um governador. Agora, não se pode esquecer que quem brinca com serpente assume o risco de ser picado. Para complementar, prestemos a atenção no séquito que aqui veio; lá estava o Presidente do STF! Penso que isto revela que o Brasil, como já mencionei em intervenção anterior, é governado por uma "Junta Governamental", formada pelo STF e o Executivo com a benção do Congresso Nacional. A cada dia que passa, escancara-se o escândalo, revelado com desfaçatez plena.BEATRIZ CHERUBINI ALVES - 16/05/2024 10:58:59
Parabéns, sempre com um olhar significante a tudo que nos acontece neste pais. Profunda esta fala.Obrigada e abraços.HÉLIO DE SOUZA - 16/05/2024 09:00:28
O Estado é igual a Parábola do Filho Pródigo, com a diferença que jamais vai se arrepender de torrar nosso dinheiro de forma promíscua e bancando uma lua de mel interminável de seu dignitário.Jose Luiz - 16/05/2024 07:46:59
Em maio de 2020, o mandatário que colocaram no poder disse: “Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus porque esse monstro está permitindo que os cegos enxerguem e que os cegos comecem a enxergar que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises. Essa crise do coronavírus... somente o Estado pode resolver isso", afirmou o petista. Agora será que ele vai repetir a mesma coisa: agradecer natureza pela catástrofe que atingiu os brasileiros do Rio Grande Sul? O poder do Estado está nas mãos dele, porém ainda é pífio suas ações para resolver os problemas. Na República da Banana, não é o Estado que serve os brasileiros e sim o contrário. Graças a Ação de gente que tem o coração pulsando no peito é que o Socorro a Catástrofe do Sul está acontecendo, porque se fosse pelo Estado a coisa iria esperar as águas baixarem.