• Percival Puggina
  • 09/07/2023
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O realismo do absurdo

 

Percival Puggina

         Na nossa história recente, o criminoso que aflige a sociedade é amplamente protegido por um certo garantismo penal que se generalizou no Judiciário. Estranhamente, porém, o mesmo garantismo não se aplica ao cidadão que se manifesta, pacificamente, de um modo que desagrada o Estado.      

No Brasil, nada é mais realista do que o completo absurdo, caro leitor. Nesta terra de bandido solto, com mandato, decidindo sobre nossas vidas e acesso aos recursos públicos, disparate é a sensatez! Mais dia, menos dia, vamos colocar tornozeleira na Polícia, algemar os promotores e estabelecer quota máxima de sentenças condenatórias por magistrado. Excedo-me na ironia?

Toda vez que passo na rua por um desses pobres catadores de papel que, como se fossem animais de tração, puxam as próprias cargas para os locais de reciclagem, me vem à mente a questão da criminalidade. A mesa do catador é escassa, o agasalho pouco, a habitação precária, a vila não é salubre e o trabalho duríssimo. Ao lado, bem perto, operam traficantes e suas redes. Têm do bom e do melhor. Mas ele segue puxando seus fardos e contando centavos porque prefere ganhar a vida trabalhando. Combater a criminalidade, agilizar os processos, eliminar a impunidade e endurecer as penas é sinal de respeito a essa referência moral emergente no país! É por ele, pelo catador de papel, que escrevo este artigo. E também porque sou portador de uma anomalia que me faz ser a favor da sociedade, desconfiar do Estado e me opor à bandidagem.

No entanto, a cada dia, aumenta o número daqueles que estendem o dedo duro para nós, o povo, indigitando-nos como principais culpados pelos males que a insegurança nos impõe. Nós, você e eu, leitor, seríamos vítimas da nossa própria perversidade e os grandes responsáveis, tanto pela situação do papeleiro quanto pela opção do traficante, do ladrão, do assaltante, do homicida e até dos corruptos porque muitos de nós os elegem, sabendo ou não sabendo.. Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas no meu próprio, gostaria de conhecer a natureza do delito que nos imputam, dado que estamos sendo novamente desarmados pelas exigências que cercam a posse de qualquer arma, encarcerados por grades de proteção e temos as mãos contidas pelas algemas da impotência cívica. Nós só queremos que nos permitam progressão para o semiaberto, puxa vida!

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


Jacqueline -   11/07/2023 14:23:09

Perfeito! Tenho receios do que nos espera.

NEY DARIO KAMINSKI -   10/07/2023 23:22:00

Totalmente de acordo, pois penso exatamente como está escrito por ti.

Ademar Pazzini -   10/07/2023 19:47:10

Concordo em gênero, número e grau. Afinal, somos governados por um chefe de quadrilha, que para a imprensa mainstream é a coisa mais natural do mundo! Conclusão, tem algo de muito podre no país da maconha, bunda e carnaval.

julio cesar da silva -   10/07/2023 17:49:41

que país é este??????

Danubio Edon Franco -   10/07/2023 17:33:45

Plenamente de acordo. Sempre que posso digo que o Brasil é um país de bandidos e por isso adora-os. A prova, como bem disseste, é cabal: temos um presidente condenado por corrupção por um juiz que acreditava estar fazendo um bem ao país, mas que viu o "Sistema" descondenar o corrupto e colocar em risco a eleição e liberdade do ex-juiz., hoje Senador da República. Esse é o Brasil que precisamos salvar; não sei quando, mas não podemos desistir.

Roberto Neves -   10/07/2023 16:53:23

Sem duvida um texto perfeito. O arremedo de justiça que ora vivenciamos é por conta de um judiciário ora preguiçoso ora omisso. As demandas levam anos para serem dirimidas e outras quando evidentes são tratadas com exceções e escandalosas interpretações.

Ivani Lima -   10/07/2023 15:50:07

Cada vez mais vejo que a história do homem se repete. Maior exemplo foi Jesus, que com toda sua luz e condição de ser ascensionado, também foi perseguido, mas manteve-se em seus princípios de resistência. Vamos resistir e não perder nossa fé.

Paulo Antônio Tïetê da Silva -   10/07/2023 15:31:33

O Brasil é o pais das inversões absurdas. Uma delas é a proibição de animais tracionarem os carrinhos dos catadores. Os cavalos não devem trabalhar fazendo força, mas os subalimentados catadores podem. Outra: Gastam-se milhões para mudar uma rede de alta tenção que passava a mais de 50 metros acima de uma reserva ecológica, porque a indução da corrente elétrica causaria danos para a flora e fauna. Para não causar mal à algum desses seres vivos, foi mudada praticamente sobre o jardim e residências de humanos. Mais uma, quem retira um pedaço da casca de uma árvore para fazer um chá para um filho doente, é multado e preso. O pior, é ter que ouvir o ruido do jato particular de um madereiro, quando este sobrevoa a penitenciária.

Rogerio -   10/07/2023 11:28:47

Sensacional. E durissimo. Att

IVONE DOSSIN ZANROSSO -   10/07/2023 10:24:52

Texto perfeito.

Marcelo Alaggio -   10/07/2023 09:02:05

Prezado Professor Puggina, Como de costume, excelente texto apresentando a triste realidade que vivemos. Não duvido que, em breve, as empreiteiras condenadas a devolver bilhões de reais aos cofres públicos na Lava-jato, ingressarão com ações na justiça(!!) exigindo ressarcimento. Revoltante!!! Cordial abraço.

Eloy Severo -   10/07/2023 08:40:51

Tb sou um incorformado, com a deterioração de nosso Ex-País.

Delgado -   10/07/2023 08:31:58

Excelente texto.👏

Antônio Ferreira -   10/07/2023 08:17:27

De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir- se da honra e a ter vergonha de ser honesto. "Rui Barbosa"

LAURO SILVEIRA -   10/07/2023 08:12:38

Excelente reflexão...

GERSON CARVALHO NOVAES -   10/07/2023 07:55:59

RETRATO DE UMA NAÇÃO "Estamos em meio de uma nação trazida à beira de uma verdadeira ruína moral, política e material. A corrupção domina as urnas, a legislatura, o Congresso e atinge até a beca judicial. O comércio em estado de prostração; nossas casas cobertas de hipotecas; empobrecido o operariado; concentrada as posses de terras nas mãos de capitalistas. Os fundos de labor de milhões são audaciosamente roubados indo avolumar as fortunas de poucos... Há mais de um quarto de século que vimos assistindo à luta dos dois grandes partidos, visando o poder e o esbulho. Nem mesmo agora prometem eles qualquer reforma substancial... propõem sacrificar no altar de Mamon nossos lares, nossas vidas e nossos filhos... Discurso proferido por William Jennings Bryan, um dos mais brilhantes oradores americanos e candidato dos partidos democrata e populista nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América em 1896. Campos, Roberto de Oliveira. A Lanterna Na Popa. 2ª edição, 1994, p. 460.

Edison França -   10/07/2023 07:45:19

Pura verdade, mas o pior, que não dissestes, é que não tem luz nenhuma no fim do túnel.

Menelau Santos -   09/07/2023 21:47:44

Perfeito, professor! Quer mais um absurdo? O mesmo judiciário que imputa ao ex-presidente os maus tratos aos indigenas, mantém um cacique encarcerado por meses sem nenhum amparo legal.

Eustáquio Ferreira -   09/07/2023 17:46:32

Ótimo.....você é muito inteligente e perspicaz....DISSE TUDO.....com fina ironia.