• Percival Puggina
  • 06/03/2023
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O herói e mártir que abracei

 

Percival Puggina

         A notícia que li meio por acaso na página SWI (Swissinfo) do dia 1º de março me emocionou. Congressistas democratas e republicanos dos Estados Unidos apresentaram projeto de lei para homenagear o falecido opositor cubano Oswaldo Payá (1952-2012) dando seu nome à rua fronteira à Embaixada de Cuba em Washington. Diz a informação:

"Mudar o nome da rua em frente à embaixada de Cuba em D.C. vai homenagear os bravos mártires do movimento cubano pela liberdade. Também será um lembrete permanente de que, graças ao trabalho de bravos ativistas como Oswaldo Payá, os dias do regime estão contados e o povo cubano será livre", disse o congressista republicano Mario Díaz-Balart em um comunicado.

Além de Díaz-Balart, os defensores do projeto de lei "Oswaldo Payá Way" são os deputados republicanos Carlos A. Giménez, Nicole Malliotakis e María Elvira Salazar, além da democrata Debbie Wasserman Schultz.

A versão do Senado deste projeto de lei foi apresentada pelos senadores Ted Cruz, Marco Rubio e Rick Scott, republicanos, e Bob Menendez, Dick Durbin e Ben Cardin, democratas.

Quem leu meu livro A Tragédia da Utopia sabe que Oswaldo Payá foi, até sua morte, o principal, o mais lúcido, corajoso e moralmente inatacável líder oposicionista cubano. Minha experiência com a vida em um regime onde a liberdade é concessão do Estado a quem se comporta como o partido determina começou em 2001 quando, chegado em Havana, telefonei para ele e para a também dissidente Marta Beatriz Roque.

Falar com dissidentes não é um desses comportamentos tolerados. Menos ainda se quem os procura é estrangeiro. Então, passei a ser seguido e perdi imediatamente minha liberdade. Não via a hora de voltar para o Brasil, onde, à época, havia liberdade. Agora também aqui isso acabou.

Nosso encontro, marcado para um jantar que sucessivamente mudou de endereço até que ele se sentisse seguro, foi um desses momentos que ficam para a vida. Conheci um homem curtido por longos anos de sofrimento sob um regime ao qual se opôs desde jovem, ao ponto de ser levado para uma UMAP (campos de concentração que atendiam pelo nome de Unidades Militares de Ajuda à Produção). Ali padeceu por dois anos e, posteriormente, cumpriu outros dois na prisão da ilha de Pinos.

Católico e militante anticomunista nunca lhe permitiram cursar a universidade. Contudo, sua vocação política e seu anseio pela redemocratização fizeram dele um redator de manifestos, um publicista muito além dos estreitos limites impostos pelo regime. Criou o MCL (Movimento Cristiano de Liberación). Tentou  concorrer a deputado, mas os nada democráticos processos de formação das candidaturas em Cuba jamais lhe facultaram essa possibilidade nas assembleias de postulação. Em 1991 sua casa foi invadida, ofensas foram pintadas nas paredes e seu telefone, então grampeado, ainda permanecia assim quando telefonei para ele em 2001.

Durante um bom jantar, que afortunadamente tive a honra de lhe proporcionar e no qual pude desfrutar de sua companhia, Payá me forneceu anotações e documentos elaborados pelo MCL entre os quais seu Projecto Varella, para a restauração da democracia em Cuba. Ao despedir-nos, ele me agradeceu por transmitir ao Brasil o sofrimento do povo cubano. O abraço que nos demos foi fraterno e sólido. Fraterno na fé e sólido nas convicções comuns.

Quando voltei a Cuba em 2010, quis retomar contato. O caminho seguro passava por seu irmão que vive na Espanha e me deu um telefone para o qual eu poderia ligar quando chegasse em Cuba.  Payá seria avisado e marcaria local e hora para nosso encontro. Ligações para lá e para cá, ficou acertado que me buscaria no hotel. Em algum momento, porém, essa ligação foi interceptada porque a porta do hotel Mercure Sevilla amanheceu policiada e não conseguimos nos encontrar.

Menos de um ano depois ele foi morto num “acidente” de carro, a caminho de Santiago de Cuba, em companhia de Harold Cespero, outro líder do MCL, também morto. A bordo, ainda, um jovem do Partido Popular espanhol e um sueco. Na 2ª edição de A tragédia da Utopia conto essa história em detalhes.

Por todas essas razões, alegrou-me o espírito saber que o endereço da embaixada cubana talvez carregue, para o túmulo do maldito regime, o nome de Oswaldo Payá – herói e mártir que um dia abracei.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


Tito Livio Bereta -   08/03/2023 05:30:57

A propósito de regimes democráticos, o poderoso atual, pois cairá um e subirá outro, disse que os fatos passados se prestaram, e muito, ao seu fortalecimento. Só me restou baixar meus joelhos no milho e agradecer ao grande pai por nós permitir viver com tanta dem..."oca"...Cia. Oca...Cia até demais!

Marcos Garrido -   07/03/2023 15:22:08

Prezado Mestre Puggina. Tenho a honra de ter um exemplar desse seu livro autografado, o qual já li algumas vezes, sempre descobrindo aqui e ali algo novo. As passagens em que o senhor se refere a Payá e a tantos outros mártires e heróis anônimos emocionam e ensinam. Parabenizo-o, como sempre, pelo primor do seu texto e pelo muito de esperança que nos transmite. Grande abraço!

Eduardo Bertolucci -   07/03/2023 08:25:58

Entendo Dr. Puggina seu sentimento pelo amigo e pelo povo cubano também estive em Cuba em 2010/ 2012/ 2014 e tive a oportunidade de conversar com cubanos pessoas comuns e poucos se arriscaram a falar da tragédia cubana do pós revolução. Fostes um privilegiado em conhecer Payá .

Valdemar Munaro -   06/03/2023 19:47:41

Linda e emocionante mensagem. Não podemos esquecer esses mártires da liberdade

Elvio Rabenschlag -   06/03/2023 16:41:17

Li seu livro A Tragédia da Utopia que achei muito interessante porque confirma muita coisa que eu já sabia e, claro, me dá muitos conhecimentos a mais. Eu tinha 18 anos quando Fidel Castro, em janeiro de 1959, descendo de Sierra Maestra com suas tropas entrou em Havana. Vibrei por ele destronar Fulgência Batista. Finalmente Cuba estava livre de um ditador! Quando engano. Um ano depois eu já era contra Fidel por ter aderido ao comunismo. A partir daí li muito, mas muito, sobre comunismo e política internacional. Claro, não sou nenhum expert mas gosto do assunto. Quero ler seu segundo livro sem dúvida. Parabéns pelo seu legado.

Menelau Santos -   06/03/2023 15:02:39

Maravilhoso, Professor. Estava observando vídeos apresentando armadilhas para javalis (que são uma praga para a agricultura). Basta procurar como "hog trapping". Você coloca comida para eles dentro de um cercado de metal cujas entradas se fecham por acionamento remoto. E uma coisa curiosa dá pra notar: assim que as portinholas baixam os animais esquecem o alimento e buscam desesperadamente uma saída, mas em vão. Ou seja, até os porcos-do-mato sabem que a liberdade vem antes de qualquer coisa, até mesmo do estômago. Acho que foi suficiente para entender o meu ponto de vista.

Helena A. Almeida -   06/03/2023 14:12:16

História maravilhosa! Espero ver meu Brasil livre dessa nuvem negra que tomou o poder. Deus me ajude, já tenho 63 e me preocupo muito com o futuro do meu neto.

Maria Goes -   06/03/2023 13:16:47

Excelente ????????????

Rozario Ferreira -   06/03/2023 13:14:17

Depoimento interessante e comovente! Bom saber que existiram e ainda existem pessoas tão empenhadas em lutar pela nossa liberdade e nossos direitos. É uma pena que poucos resistem à pressão desses governos ditatorias. Aqui fica a minha gratidão ao nobre jornalista por nos manter informados sobre esse Sr. que é/foi um exemplo de liberdade. A minha gratidão se entende também ao nobre Percival.