• Percival Puggina
  • 03/11/2017
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O ENEM, PARA OS NÃO INGÊNUOS

 


 A maioria dos brasileiros não sabe como funciona o Enem, o tal Exame Nacional do Ensino Médio. Nem imagina como um aluno possa prestar exame no Amazonas e ser qualificado para cursar Arte Dramática no Rio Grande do Sul. Menos ainda haverá de entender a lógica dessa perambulação acadêmica em meio à miscelânea das cotas, das linhas de corte e múltiplas escolhas (como se a opção por uma graduação universitária fosse questão de nota, da cor da pele e de onde se estudou antes, e não de vocação).

Pois eu também não consigo penetrar nesse emaranhado. Mas sei, a esse respeito, algo que todos deveriam saber. O Enem é um dos mais importantes instrumentos de concentração do poder político nas mãos de quem já o detém e nele se incrustou de modo quase irreversível. É parte de um projeto de hegemonia que já conta quase quatro décadas de planejamento e execução. Tudo se faz de modo solerte e gradual, para que a sociedade não perceba estar transferindo soberania e sendo politicamente manipulada. De fato, se não somos agentes desse projeto, se não compomos quaisquer dos grupos ideológicos e de interesse que se articulam para esse fim, tornamo-nos inocentes inúteis, cidadãos descartados de uma democracia a caminho da extinção por perda de poder popular e inanição do poder local.

É possível que o leitor destas linhas considere que estou delirando. Ou que não seja bem assim. Talvez diga que mudei de assunto e que o primeiro parágrafo acima nada tem a ver com o segundo, ou seja, que Enem nada tem a ver com poder. Pois saiba que tem, sim. Peço-lhe que observe a realidade do município onde vive. Qual o poder do seu prefeito, ou de sua Câmara Municipal? O que eles, efetivamente, podem realizar pela comunidade? Da ambulância ao asfaltamento da avenida, quais os sinais de progresso que acontecem aí sem que algo caia da mão dadivosa da União? Quais são as leis locais que você considera importante conhecer? E no Estado? Tanto o Legislativo quanto o Executivo constituem poderes cada vez mais vazios, que vivem de promessas e criação de expectativas, empurrando a letargia com a barriga e empanturrando a sociedade de palavras.

Observe que todas as políticas de Estado que podem fazer algum sentido na vida das pessoas são anunciadas no plano federal (que venham a acontecer é outra conversa). Por quê? Porque é lá que estão concentrados os recursos. O poder político que comanda o país conta muito com seu elenco de prerrogativas exclusivas. Mas o poder que tudo pode, como temos testemunhado à exaustão, pode até o que não deve poder. Esse monstrengo chamado Enem não é apenas uma fonte de colossais trapalhadas. É um instrumento de poder. Impõe a homogeneização de currículos. Regula visão de mundo, de história e de sociedade. Controla posições sobre pautas políticas e violenta a liberdade de opinião dos estudantes. Age contra as diversidades regionais ideologizando as múltiplas escolhas e transmitindo a sensação de que a Educação, o exame e o ingresso no ensino de terceiro grau são dádivas de um onisciente guru brasiliense que tem o gabarito de todas as provas. Estou descrevendo a ação abusiva de um gigante das sombras: o poder dos burocratas instalados no Ministério da Educação.

As cartilhas, os livros distribuídos às escolas, os muitos programas nacionais voltados ao famigerado "politicamente correto", a imposição da ideologia de gênero, tudo flui para o Enem e dele necessita. Ele serve aos oráculos de um projeto de poder, do único que de fato mobiliza energias políticas no país, de modo permanente, há quase quatro décadas.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

  


Wadson Faria -   08/11/2017 13:30:20

Não creio que a municipalização na atual situação seja a saída para os graves e complexos problemas desse país, inclusive os da educação. Mesmo a União concentrando a arrecadação e distribuição das verbas o que vemos é que aproximadamente 85% da corrupção, desvios de verbas públicas, clientelismo, nepotismo, etc. no Brasil ocorre no âmbito dos municípios. O dinheiro até sai da União mas ao chegar no município desaparece em maracutaias... seu comentário seria perfeito se nos municípios houvesse uma fiscalização e acompanhamento efetivo da sociedade, mas como está hoje penso que só agravaria. Outro ponto interessante na municipalização é que para funcionar o município não pode receber verba da União, tem que prover seus próprios recursos, assim para os grandes seria uma dádiva mas para os pequenos o princípio do fim!

Pedro Coelho -   07/11/2017 09:20:39

Puggina, além dos demais pontos que você abordou em seu artigo, a mais certa é que a maior parte dos brasileiros se não sabe como funciona o ENEM, não faz ideia do que seja. E eu, idem.

Leandro Lima -   06/11/2017 13:32:42

Nas escolas públicas do Brasil existe um detalhe que passa despercebido por muitos brasileiros que luta por um futuro melhor: os programas do governo nada mais são que um tapa-buracos feito para encobrir a péssima qualidade de nosso ensino público. Nossas escolas viraram antros de doutrinação do marxismo cultural, que conta com o apoio pseudointelectual das teorias construtivistas. Não se ensina mais uma criança a ler e a escrever, ou mesmo a praticar atividades de raciocínio lógico. Tudo agora gira em torno da formação ideológica. A estupidez atingiu um nível jamais visto na história da sociedade desse país!

Luiz Felipe Gomes -   05/11/2017 01:46:08

Excelente artigo. Argumentação incontestável, à qual apenas ousaria acrescentar que, no Brasil, desde a “Revolução de 30”, a concentração de poder na União só tem aumentado, anulando a federação, que só existe no papel.

Ismael de Oliveiira Façanha -   05/11/2017 00:41:05

Exato! Mas o Percival não disse tudo. Não disse que se o candidato, na Redação, ofender os tais "direitos humanos", levaria zero; graças à decisão da ministra (STF) Cármen Lúcia, isso foi desfeito mas, o candidato ainda perde 200 pontos, pelo seu exercício de livre pensamento. Assim, o candidato tem de escrever que Che Guevara foi um santo, mas que Jesus Cristo foi um precursor da sociedade socialista e que Maria Madalena foi sua namorada, pois ele teria sido um simples mortal. Mais crédito ainda ganharia se dissesse que o Natal é o Papai Noel presenteador, invenção da Coca Cola na campanha de 1931, portanto nada tendo a ver com um Divino Advento do Deus Vivo. Isso se enquadra na "Onellização" da sociedade escravizada ao "politicamente correto" imposto pelas "forças ocultas" de sempre.

Francisco Moura -   04/11/2017 20:51:49

Como sempre, brilhantes os artigos do Percival, raro intelectual brasileiro, obrigado por nos apresentar a realidade.

Cesar Trevisan -   04/11/2017 18:34:47

Meu filho termina segundo grau esse ano. Fez vestibular na PUCPR e passou. Ontem ele me perguntou se deveria fazer fazer o ENEN. Disse que sim, pois é uma '' oportunidade '' de testar os conhecimentos e talvez passar numa outra universidade. Ele me falou claramente: '' Não estou interessado em testar conhecimentos, pois já passei no vestibular que eu queria. O ENEN é um inferno, já fiz isso ano passado e não estou interessado naquela porcaria '' Só me restou dizer: '' A decisão é tua''. Ele percebeu claramente qual o objetivo do ENEN e não está interessado em participar daquele circo.

Joma Bastos -   04/11/2017 16:29:38

A única saída verdadeira e segura para o Brasil é a Intervenção Constitucional que formulará as bases para a transformação e aprimoramento institucional. E não tenhamos dúvidas! Precisamos de uma nova Constituição liberal, enxuta e autoaplicável. As leis serão reajustadas a partir da nova Carta. É fundamental o controle direto do cidadão nos poderes republicanos. Temos de radicalizar na transparência total da coisa pública. É fundamental implantar um Federalismo de verdade é crucial. É imprescindível uma Reforma Política Real. O voto distrital é básico. O regime político ideal seria o semi-presidencialista, para que o poder político esteja desconcentrado, evitando o poder absoluto e sua potencial corrupção. É necessária liberdade para candidaturas, independentemente dos partidos. O voto deve ser não obrigatório. O voto pode ser eletrônico, porém com impressão do respetivo voto para uma possível recontagem. Uma recontagem não por amostra, mas sim uma total recontagem. A Venezuela faz recontagem por amostra, e deste modo, o TSE corrupto e comunista escolhe a amostra, trapaceando a recontagem. A corrupção é estrutural e cultural. Não acaba por decreto ou canetada de magistrado. Só um povo consciente pode acabar com ela. Este povo promoverá uma completa mudança estrutural e cultural neste Brasil, através de uma Intervenção Constitucional, com o pleno apoio das Forças Armadas.

Genaro Faria -   04/11/2017 14:12:27

Brutal concentração de poder combinada com a total imbecilização das massas é o requisito sem o qual não se faz uma revolução, que é a destruição e posterior substituição de uma estrutura política e cultural por meio da subversão dos valores civilizacionais de um país. O ENEM e a estreia espetacular da ministra dos Direitos Humanos no anedotário nacional são emblemáticos do estágio avançado da revolução cultural comunista em que se encontra o nosso país.

Jonah Hex -   03/11/2017 21:01:48

touché!

Dalton Catunda Rocha -   03/11/2017 20:03:27

Caso não saiba ou não lembre, o inventor deste monstrengo chamado de ENEM foi FHCannabis. Escola pública nunca prestou, nem prestará, no Brasil. Se algum governador ou prefeito deste país quiser mesmo, melhorar a educação, no seu estado ou município; então que faça isto: 1- Privatize todas as escolas públicas. 2- Dê o direito aos pais de escolherem em qual escola particular, eles querem matricular seus filhos, por meio de bolsas de estudo. O resto é só demagogia eleitoreira. Você acha que as escolas públicas funcionam gratuitamente? Enquanto nas escolas particulares, cerca de 70% dos funcionários são professores, nas escolas públicas esta percentagem não passa nem de 40%. O resto é burocracia; corrupta, incompetente e lenta. Sai mais barato e melhor, se usar dinheiro público, para pagar uma mensalidade numa escola particular, que jogar dinheiro fora em escolas ditas “públicas”, mas de fato da CUT, da corrupção e da incompetência. Em resumo. Com escolas sob o controle de marxistas, estaremos fadados a vivermos num país pobre, falido, corrupto e endividado. Tornar um país pobre, num país rico é raridade, mas a Coréia do Sul conseguiu tal feito, graças aos governos de dois generais de 1961 a 1988. Peço a você, que veja a palestra que começa aos seis minutos e vários segundos do site https://www.youtube.com/watch?v=axuxt2Dwe0A "Um estudante típico vai sair da escola com a cabeça cheia de minhocas, submetido a uma intensa pregação de anos e anos contra o lucro e o sistema capitalista. Aos 18 anos, vai cair na vida sem ter a menor noção de quanto deve poupar por mês para se aposentar, ou de quanto deve separar a partir dos 22 ou 23 anos para poder dar uma entrada para adquirir a casa própria aos 30 anos. Quando descobrir como o mundo funciona, já estará endividado e pendurado no cheque especial. Seria muito melhor se, em vez de ter aulas baseadas em um marxismo de quinta categoria, ele fosse preparado para a vida. " > Publicado na revista Veja (edição 2438), na página 65.

ELIZIO JUNIOR -   03/11/2017 17:03:08

Já o acompanho pelos os artigos que publica no midiasemmascara. Passou a acompanhá-lo ainda mais pelo seu blog, meus parabéns Puggina. Do sertão da Bahia, Elizio Júnior!

Pedro Gabriel Alves Sampaio -   03/11/2017 12:27:37

Excelente artigo como sempre, Prof° Puggina. Realizarei o referido exame pela primeira vez neste Domingo e estarei acompanhado do profundo sentimento de desgosto que me é despertado ao ver multidões de jovens sacrificando toda a autonomia intelectual - sacrifício este que substitui a antiga vocação - em prol do ingresso em um curso que, amiúde, não desperta nenhum interesse sincero. É uma situação deprimente.