Percival Puggina
Dois dias depois de concluída a apuração do pleito, o presidente emergiu, enfim, de prolongado retiro para um discurso de dois minutos que deixou boquiaberto o jornalismo brasileiro. Quando achavam que ele estava nas preliminares, a missão foi concluída. Precoce, muito precoce.
Humor à parte, dois minutos foi tudo que o jornalismo brasileiro teve para transmitir. Havia uma razão para a frustração: passados dois dias da eleição, os profissionais da comunicação continuavam convencidos ou querendo convencer a sociedade que tivemos uma eleição absolutamente normal. No entanto, a única coisa normal foi o cumprimento do cronograma. Quase tudo mais compôs um catálogo de absurdos.
Entre esses absurdos está a total incapacidade de perceber, ou a deliberada intenção de não revelar, a anormalidade do ambiente político em que se travou a campanha eleitoral, desde muito antes da abertura de sua abertura oficial. Aliás desde antes, até mesmo, da sequência de atos judiciais que produziram o grande disparate: Lula em condições de disputar a presidência.
Mesmo em presença dessa imensa anomalia seria perfeitamente possível uma disputa isonômica, se travada num contexto de equidade. Mas não. Lula foi beneficiado com a invulgar condição de ser um candidato cujo passado não podia ser mencionado (a não ser de modo elogioso, imagino) e cujas más companhias, relações políticas e empresariais foram aspiradas do mundo dos fatos.
Por outro lado, esse mesmo jornalismo que esperava e cobrava do presidente uma reação protocolar, integrou-se de modo notório à oposição desde 2019. Por anos a fio, cada jornal, um manifesto; cada rádio emissora, um discurso; cada TV, um comício. Sem chances ao contraditório. E onde esse contraditório surgiu no pequeno nicho das possibilidades, ergueu-se contra ele o braço inominável da censura.
Enquanto grandes grupos de comunicação se dedicaram intensamente à construção de narrativas, aos sofismas e à análise ilógica, as redes sociais, responsáveis diretas pelos resultados eleitorais de 2018 e 2020, foram levadas a uma espécie de campo de concentração onde a vastidão do ciberespaço virou um galpão patrulhado por cães farejadores.
Se tudo isso é muito normal, se tudo isso é “protocolar” ou constitucional, se escrevo sobre sapos de bom paladar facilmente digeríveis, então o discurso do presidente deveria ser bem outro. Só que não. Obviamente, não. Durante quatro anos, sempre acusado de autoritário, ditatorial, golpista e outras coisas mais, o presidente lecionou respeito às quatro linhas da Constituição àqueles que a transformaram em tempero para uso ao gosto.
Em seu discurso, reprovou a paralização das estradas e disse bem-vindas as pacíficas manifestações populares (as pessoas já experimentaram perdas expressivas de sua liberdade de opinião, expressão, locomoção e temem pelo futuro). Entendam isto os responsáveis: as pessoas sentiram suas liberdades sufocadas, se sentem ameaçadas e fazem inevitáveis analogias com nações vizinhas!
Quem não sabe o tamanho do problema que ajudou a criar, não entendeu a festa nos presídios e nos bastiões do crime organizado, não assistiu ao comício do vencedor, não viu algo muito errado no “feirão” dos saques a estabelecimentos comerciais, é inepto para as funções que exerce.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Ary Alcantara - 04/11/2022 02:27:54
Grande. É isto é muito mais. Liberdade tem custo Vamos pagar.Gisele Rodrigues - 03/11/2022 16:38:34
A maior tristeza de ter um bandido descondenado concorrendo à eleição, foi o fato dele ter tido eleitores. O que ocorre? São desinformados? Desvio de caráter? Analfabetismo funcional? Doeu, quando meu neto me perguntou, sem entender nada, vovó porque o Lula ganhou se ele é ladrão? Não soube responder. Deus nos proteja. E quanto ao amigo Lulu, funcionário público federal, você é egoísta, só pensa no seu umbigo. Eu penso com empatia, eu quero o bem a todos os brasileiros, independente de cor, sexo, religião, classe social. Que todos tenham a possibilidade de conquistar o pão de cada dia, sem o Estado no "cangote", ditando tudo que devem ou podem fazer. Liberdade para empreender. Estatal nas mãos da esquerda nunca deram lucro, agora todas estão dando lucro. Os bandidos voltarão à cena do crime, será que vai sobrar alguma coisa?Ariel - 02/11/2022 15:58:24
Obrigado PUGGINA! bem isso...um conforto estar de comum acordo com suas palavrasCILON DA ROSA RUBIM - 02/11/2022 15:02:56
Tudo muito triste isso. Não devia ser assim. Mas o que fazer, se a constituição não vale nada mais, ou, só vale pela conveniência?Armando Andrade - 02/11/2022 13:29:45
Serei eu um apátrida? Como me sento lendo, e vendo tvs, navegando nas redes e o noticiário virou mambembe, Lembrei do artista da MPB que quebrou seu violão ante o buzinaço dos contrários. Eu, ali, joio no trigo, indagando à alma,Marlise Bittencourt - 02/11/2022 13:24:56
Perfeito como sempre, dói na alma ver tamanha disparidade e tantas narrativas. Que Deus não esqueça dos brasileirosLulu - 02/11/2022 12:55:53
Eu que sou concursado de uma estatal federal estou muito feliz com o fim desse governo. Não vão mais privatizar nada, e nosso emprego está garantido. Acabaram as vendas do patrimônio do povo. Vamos reconquistar todos os direitos que perdemos. Espero que tenhamos mais concursos daqui pra frente. E a turma do Guedes não vai mais comandar a economia. As urnas deram vários recados, um deles foi "não privatize". AbraçoGraça Degrazia Campedelli - 02/11/2022 12:23:26
Amigo querido ,que dom precioso ,que escrita estupenda!! Não paro de me emocionar com seus textos excepcionais!Ary de Almeida Coelho - 02/11/2022 11:30:27
Concordo plenamente com seu comentário, mas gostaria de lembrar que nosso presidente aceitou muitas coisas que não deveria, deixou o tumor crescer! Nossa unica arma agora são as FA! Terão apetite para se impor?