• Percival Puggina
  • 16/04/2011
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NOVOS TEMPOS. NOVAS PRÁTICAS?

Eu sei, eu sei. A maior parte das pessoas tem adoração pelo nosso ex. Mas os primeiros dias do mês de janeiro, a mim, forneceram uma agradabilíssima sensação de alívio. Recuperei o hábito de assistir noticiários de televisão graças à certeza de não ser golpeado pelos pavoneios e jactâncias presidenciais. Livrei os tímpanos dos discursos messiânicos que me davam a impressão de viver ao lado de um megafone, desses de porta de fábrica, assumido pela mesma voz rouquenha. Mil vezes o silêncio da nova presidente, metida em seu gabinete, tratando dos assuntos do país e, ao que se percebe, procurando corrigir as demasias que acenderam incontáveis lâmpadas de advertência nos painéis de controle dos analistas da economia nacional. Quis entrar no tema das perspectivas que vislumbro ao novo governo falando de comunicação porque ela, a comunicação, certamente marca a mais visível diferença entre as personalidades de Lula e Dilma. E não hesito em afirmar: subimos alguns degraus na escada da seriedade com que devem ser tratados os assuntos de Estado. A nova presidente, menos destra no manejo dos auditórios, com muito menor carisma e sem vocação para as parlapatices de palanque, já deixou bem claro que está dedicada às exigências e atribulações inerentes ao posto. Não a imagino como frequentadora assídua de estrados de madeira, desfilando de um lado para outro, arrancando risos e aplausos da patuleia. Já escrevi muito sobre a importância do realismo na política. Ser realista não significa submissão absoluta à realidade como quer que ela se apresente, nem equivale a conceder alforria aos piores intuitos. Ser realista é operar no mundo dos fatos muito mais do que no mundo das ideias, é lidar com relações de causa e efeito, é atuar sobre os problemas com os pés no chão, com os números na ponta da língua e do lápis, tendo na cabeça ideias aplicáveis à realidade. Esse realismo se opõe ao idealismo daqueles que, instalados no mundo da lua de suas reflexões, mandam os fatos às favas e tratam de impor o que pensam independentemente das vítimas que tombem pelo caminho. Enquanto todos os totalitarismos nasceram desta última vertente, não se conhece na história, pelo viés oposto, um único estadista de fato que não tenha sido, de fato, um realista. Lula vinha de uma militância esquerdista que exigia milagres de quem estivesse no exercício do poder. Combatia quaisquer proposições que eles apresentassem e cobrava-lhes soluções arrancadas da mera vontade política. Parecia um idealista, no sentido filosófico da palavra. No entanto, quando chegou ao poder - surprise! -, Lula se revelou, essencialmente, um realista. Mas o realismo do ex-presidente foi um realismo que não se ensina aos próprios filhos, que ultrapassa irremovíveis barreiras morais e que se abraça a Mephisto se isso for estrategicamente proveitoso. O pacto Ribbentrop-Molotov e o governo do marechal Pétain na República de Vichy talvez sejam os melhores exemplos históricos de um tipo de abraço que a chamada Era Lula reproduziu com desconfortável frequência, tanto na política interna quanto na política externa. Há números que escancaram isso. De um lado, o realismo do presidente ao manter políticas que combateu duramente quando na oposição (tempo em que era dado a bravatas, como ele mesmo as definiu), somado a um consistente conjunto de talentos e a um cenário externo favorável, lhe conferiu consagradora aprovação por 87% da opinião pública. De outro, a cotação dos políticos nacionais bateu a oito centímetros do fundo do poço: 92% de rejeição! Na mesma escala, na mesma batida, na mesma medida em que subia o prestígio do ator principal, decrescia o do resto do elenco! Ora, como entender que não haja relação de causa e efeito entre uma coisa e outra na mesma peça? Ou seja, entre a cotação do grande líder da política nacional ao longo da última década e a dos políticos ao cabo de seu período? Será que aquilo nada tem a ver com isto? Perceber relações expostas a um palmo do nariz parece-me essencial ao realismo e à sabedoria que lhe é inerente. Lula foi o comandante da política nacional. Foi o cara, o polo de uma convergência de partidos e de um conjunto de práticas que operou, manteve e não agiu para mudar. Enquanto tocava seu mandato, o prestígio do Congresso Nacional se liquefazia numa sopa de interesses cujos ingredientes eram cozinhados naquele centro de poder e decisão sobre a administração, o governo e o Estado instalado no Palácio do Planalto. E a indispensável reforma das instituições, mais uma vez, não avançou uma polegada. Dilma é tão diferente de Lula que dela só se pode esperar uma gestão em outro tom. Lula teve Dilma, mas Dilma não terá Lula. Depois de oito anos sob a batuta de um self-promoter estamos sob a presidência de uma pessoa sem qualquer vocação para os arroubos publicitários. Ele subiu como um foguete na plataforma de Alcântara, malgrado os péssimos níveis dos três fundamentos de qualquer índice de desenvolvimento humano: educação, saúde e segurança. Ninguém neste país aplaude qualquer dos três. Mas todos aplaudem quem os comandou por quase uma década! Cabe à nova presidente, nesta largada de governo, adotar medidas duras, destinadas a corrigir as consequências e pagar as contas do ufanismo lulista. A ordem, sensata e coerente com a realidade, já foi energicamente emitida na primeira reunião ministerial: cortar gastos! Mas cortar gastos custa caro. É um paradoxo: cortar gastos causa desgastes. Dá prejuízo. Desgastes políticos geram furos no casco, determinam abandonos do barco. É tarefa complicada recuperar os trânsfugas quando sobem as águas, aumentam os ônus e rareiam os bônus. E convenhamos, a base do governo está muito mal acostumada. Não antevejo Dilma disputando essas partidas com os mesmos truques usados por Lula. Era muito fácil a vida com tais malabarismos e sob o manto da popularidade do ex-presidente. Teremos políticos adequados aos novos tempos e às novas realidades? ______________ * Texto publicado na edição de abril da revista da Fundação Milton Campos