• Percival Puggina
  • 18/11/2012
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NOTAS DO CÁRCERE

 

Raramente leio páginas policiais. Evito fazê-lo para não acrescentar doses extras de horror a meus próprios calafrios. Vivemos com medo, aferrolhados. Em nossas conversas habituais não faltam relatos de pavor e sangue. São apontamentos nos diários do cárcere, do cárcere em que nos recolhemos, inseguros e acossados. Há um pânico instalado no país e ele não distingue classe social nem cor da pele, campo e cidade. Como consequência, quem de nós, quando um bandido é morto no exercício de suas atividades, não exclama intimamente - "Um a menos!"?

É sobre essa síndrome que escrevo. Ela tem agentes causadores bem determinados. Não encontro pessoas com medo de serem vítimas de grandes crimes novelescos, por vingança, ciúme, herança ou dívida. O que encontro são pessoas com medo da criminalidade hoje considerada trivial, corriqueira, cotidiana. As pessoas temem ser espancadas ou mortas nas calçadas por motivo fútil. Percebêmo-nos sujeitos a isso. Volta e meia alguém, ao nosso redor, foi parar na mala do carro ou experimentou o metal frio do revólver encostado na cabeça. Quem sai vivo de tais enrascadas ajoelha-se gratificado e lava o passeio com lágrimas de ira e júbilo. Um ano depois, os mais extremados rememoram a data, reúnem a família e sopram velinha. Festejam aniversário. São sobreviventes da criminalidade cotidiana.

O que descrevo tem tudo a ver com luta de classes, com pobres e ricos, com oprimidos e opressores. Mas não pelo motivo que lhe indicam certos analistas. É a bolorenta leitura marxista, conflituosa, da realidade social, sem a qual não conseguem pensar, que produz essa inoperância do Estado e suas consequências. É ela que responde pelo abandono do sistema carcerário e pelo desapreço às instituições policiais. É ela que redige a generosa benignidade dos códigos e os favores concedidos por leis penais que desarmam os juízes bons e compõem o arsenal dos maus. É uma leitura da realidade que minimiza aquilo que apavora o cidadão e aterroriza a sociedade. É uma leitura da realidade que legisla e atua na contramão do que todos temos o direito de exigir. Criminaliza a vítima e absolve o réu.

O bandido que nos sobressalta certamente já foi preso. O desmanche para onde vai nosso automóvel roubado durante o assalto já foi fechado várias vezes. Mas alguém no aparelho estatal não fez e não faz o que lhe corresponde. O legislador brasileiro dispõe sobre matéria penal como se vivesse numa realidade suíça. Inúmeros magistrados desvelam-se em zelos para com os bandidos. Elevam desnecessariamente os riscos a que está exposta a sociedade sob sua jurisdição. E não faltam formadores de opinião para pedir penas brandas exatamente para esse tipo de crime cotidiano, covarde e violento, de consequências sempre imprevisíveis. Em tal contexto, conceder indultos generalizados e soltar presos a rodo é uma bofetada oficial nas vítimas.

Progressão automática de regime, na realidade brasileira? Quanta irresponsabilidade! Existe coisa mais escancarada do que o tal semiaberto? Prisão domiciliar? Estão brincando. "Mas faltam presídios!", alegam os protetores dos apenados. A situação dos presídios brasileiros extrai hipérboles do ministro da Justiça. Mas há dez anos o grupo do ministro governa, dá as cartas e joga de mão no país. Quem sabe Sua Excelência espera que os contribuintes, à conta própria, saiam por aí a construir presídios? Lidam irresponsavelmente com coisa seriíssima, senhores! Da rendição do Estado ante a criminalidade sobrevirão a anomia e o caos.

Este meu artigo, infelizmente profético, foi publicado no jornal Zero Hora em 18/11/2012.


 


Rossini -   17/01/2017 15:02:44

Puggina tem razão! Palavra por palavra.

Dalton C. Rocha -   16/01/2017 13:58:49

Há quase cem anos atrás, o marxista Trotsky (1879 – 1940) escreveu isto: Para dominar uma sociedade, basta que a esquerda faça duas coisas: 1- Colocar os pobres, contra os ricos. 2- Colocar os bandidos, contra os pobres.

sanseverina -   16/01/2017 13:41:58

Acontece no Brasil e nas republiquetas mundo afora: a contenção de gastos estatais se faz à custa da saúde, da educação e da segurança. Na saúde, os governantes e toda a casta dirigente brasileira não se pejam de tratar de unha encravada a câncer nos sírios-libaneses ou einsteins, enquanto a população pena nas filas do SUS ineficiente; na educação é essa vergonha nacional de analfabetos-funcionais-militantes-de-esquerda, há mais de 50 anos, babando ideologia de manual marxista para a criançada e os jovens e, na segurança o que mais se faz é economizar na construção de presídios e na aplicação da lei penal. Os presídios e as febens deveriam ser escolas profissionalizantes com segurança máxima, sem essa de progressão e pena máxima de 30 anos, que os “coitadinhos” nunca cumprem. Aqui, como nos países escória da humanidade, o crime sempre compensa e a liberdade de ir e vir é tão lassa que as cadeias se tornaram núcleos governamentais paralelos com executivo, legislativo e judiciário que a imprensa, do lado do bandido sempre, ajuda a propagandear citando os líderes, descrevendo as suas façanhas e até, como ontem, informando a quem interessar possa que a cúpula marginal liberou aos comparsas R$200.000,00 para a compra de armas! E o que faz o governo oficial? Do presidente da República ao ministro da área, dão entrevistas canhestras e protocolares. Eles vão se preocupar prá quê? Eles e seus familiares estão sempre nos ares ou nos próprios públicos, nos carros blindados ou nas suas residências, sempre cercados de seguranças. A população que se afumente, se vire.

Genaro Faria -   16/01/2017 12:03:25

Epidemias de um passado já remoto, doenças que deveriam ter sido extintas pela vacinação, queda livre dos índices de qualidade do ensino, escalada incontrolável do crime são resultantes de políticas deliberadas, convergentes à meta da devastação da civilização em nosso país. Foram mais de vinte anos de governos do PSDB e PT, filiados à Internacional Socialista, que atolaram a nossa carroça chamada Brasil até o eixo. Será que nós vamos conseguir sair dessa lama?

Odilon Rocha -   16/01/2017 01:11:09

Caro Professor Puggina Lembro bem desse artigo. O estado lastimável por que vem passando o país nesses treze anos permite fazer vaticínios como esse, mas não sabia do seu dom mediúnico presciente. A propósito, o senhor tem algum palpite se o maior salafrário da nossa História vai ser preso?

Leonardo Melanino -   15/01/2017 21:33:30

Dois mil e dezessete criminalmente iniciou com um familicídio em Campinas, à 1h50 universal deste seu Basílio. Ele também iniciou com um massacre de 56 presos no Anísio Jobim, em Manaus (AM), também neste seu Basílio. Em Boa Vista (RR), neste seu Dia de Reis, outro massacre de presos, contabilizando 33 mortos. E em Nísia Floresta (RN), ontem, outro massacre de presos, contabilizando dez mortos. Como diz um bordão de Boris Casoy sobre a situação do Penalismo brasileiro: "ISSO É UMA VERGONHA!". Nosso Penalismo é um dos mais frouxos do Mundo. Então, está mais do que na hora de haver uma intervenção militar à moda sessentista, restaurando a ordem pública.