• Percival Puggina
  • 30/12/2017
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NÃO MINTAM SOBRE A MINHA GERAÇÃO

 

 Há poucos dias fiz aniversário. Embora costume brincar sobre o tema da minha idade dizendo que tenho 73 anos, mas "de banho tomado fico como novo", o fato é que algumas coisas mudaram na percepção que tenho da minha realidade existencial. Assim: quando eu era jovem, contemplava o futuro como um horizonte móvel. Ele se ampliava e se distanciava a cada passo dado. Agora, eu o percebo fixo. A distância entre mim e ele encurta a cada velinha soprada.

Um dos fascínios da vida, aqui de onde eu a vejo, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar volta e meia me deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. Milhões de brasileiros teriam sido ideologicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo.

Bem ao contrário. Nós, os jovens daquelas duas décadas, éramos politizados dos sapatos às abundantes melenas. Ou se lutava pelo comunismo ou se era contra o comunismo. Os muitos centros de representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A alienação sequer era tolerada na minha geração! Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e por nada. Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia - a greve de apoio, a greve a favor. É sim senhor. Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de trabalhadores. Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as disputas pelo comando da representação estudantil. O Colégio Júlio de Castilhos foi uma usina onde se forjaram importantes lideranças do Rio Grande do Sul. As assembléias estudantis e os concursos de declamação e de retórica preparavam a moçada para as artes e manhas do debate político. Na universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. O que hoje seria impensável - uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal -, era o que acontecia a cada edição semanal de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que passava de mão em mão até ficar imprestável.

Agora, leitor, compare o que descrevi acima com o que observa na atenção dos jovens de hoje às muitas pautas da política. Hum? E olhe que não estou falando de participação. Estou falando apenas de atenção, tentativa de compreensão. Nada! As disputas pelo comando dos diretórios e centros acadêmicos, numa demonstração de absoluto desinteresse, mobilizam parcela ínfima dos alunos. Claro que há exceções nesse cenário de robotização. Mas o contraste que proporcionam permite ver o quanto é extensa a alienação política da nossa juventude num período em que as franquias democráticas estão disponíveis à vitalidade da dimensão cívica dos indivíduos.

Em meio às intoleráveis dificuldades impostas à liberdade de expressão nos anos 60 e 70, a juventude daquela época viveu um engajamento que hoje não se observa em quaisquer faixas etárias. Nada representa melhor a apatia política da juventude brasileira na Era Lula do que os fones de ouvido.


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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

 


edilson -   02/01/2018 05:36:22

nao senhores e senhoras e' o fim do patriotismo somos gado empurrados ao abate uma especie de farra .CLARO sempre pior .

Rafael -   31/12/2017 03:27:15

O engajamento fanático também é uma forma de alienação. Talvez a pior delas. Muito da desgraça atual é produto daquelas mentes dominadas por ideologias fracassadas, que contaminaram toda a sociedade brasileira, mesmo a quem conscientemente não se alinhou àquelas sandices. O trabalho de saneamento será longo e difícil, mas indispensável se quisermos colocar o país no rumo do desenvolvimento.

Ismael de Oliveiira Façanha -   31/12/2017 01:31:36

Lá nos anos 1950, quando as noivas casavam virgens e sapatão eu não conhecia, quando havia delegacia na polícia civil para manter a "moral e os bons costumes", e pau era pau, pedra era pedra, os contornos da realidade eram nítidos, cidadão era cidadão, bandido era bandido. Desconhecíamos cocaína e maconha, e a única droga conhecida era filme nacional. Hoje gasto mais nas velas que no bolo de aniversário, tenho um largo passado e um estreito futuro, mas não invejo os que chegam agora. Coitados...

Nara Cäsar -   30/12/2017 22:50:21

A juventude daquela época encarava problemas reais, a de hoje, além dos problemas "virtuais", os quais acabam antes de esgotar a bateria do celular, existe a questão de que a realidade não existe para eles. Esta é filtrada por ideólogos e intelectuais que lhes dizem como as coisas são e como reagir, quem vai contra isso é reacionário e não merece ser ouvido. Quanto aos fones de ouvido, dependendo do que estão ouvindo é um alívio que eles o utilizem, de preferência aqueles grandes e caros que não deixam o som vazar.

Edson Nogueira de Sá -   30/12/2017 18:43:02

Puggina,,,,,,,os meus parabéns,,,,,e o ano q se aproxima,,,,vc continue a nos brindar,,,,,com seus textos,,,,,,, Feliz Ano Novo

Dalton Catunda Rocha -   30/12/2017 14:45:28

O Regime Militar prestou grandes serviços ao Brasil. Dois deles foram: tranquilidade política e, imensos investimentos em infraestrutura. A produção brasileira de petróleo cresceu mais de 8 vezes, a capacidade de refino de petróleo multiplicou-se mais de 12 vezes, a produção de soja aumentou mais de 60 vezes, extinguiu-se a varíola, decuplicou-se o número de vagas em escolas públicas, universalizou-se a previdência social, multiplicou-se a produção de eletricidade mais de dez vezes, etc. Tudo correu bem, até o final do governo Médici, em março de 1974. Só que sob Geisel, os árabes aumentaram os preços do petróleo de US$3 o barril, em 1972, para mais de US$12 o barril, em 1974. E passou de US$34 o barril, de 1979 em diante. O Brasil que tinha dívida externa líquida de US$6 bilhões, em janeiro de 1974, passou a dever mais de US$90 bilhões, em janeiro de 1983. A inflação estava em cerca de 10% ao mês, de 1982 em diante e o desemprego era alto. A partir daí a queda do Regime Militar tornou-se inevitável. A isto se deve acrescentar, o caráter incompetente do mulherengo e último general-presidente, João Figueiredo, que semanas antes de sair do governo, deu uma entrevista à televisão, pedindo que o povo o esquecesse. Como disse o filho de Médici, Roberto Nogueira Médici: “Figueiredo devia ter comandado uma retirada ordenada, mas ele comandou uma rendição incondicional. ” Veja o que capa da revista Veja falava sobre o Lula, em outubro de 2002: http://1.bp.blogspot.com/-F1Uts6QtrVE/VFTozphh_8I/AAAAAAAAUNQ/Eh20xg0oCZs/s1600/revista-veja-edico-historica-lula-5710-MLB4989929171_092013-F.jpg Agora, eu lhe peço que veja uma capa da revista Veja, em 2017, mas desta vez, sobre Jair Bolsonaro: https://pbs.twimg.com/media/DLiM4XiUIAAvY-k.jpg "Porém o suprassumo da cretinice é contestar a fidelidade de Lula ao comunismo mediante a alegação de que é um larápio, um corrupto. Qual grande líder comunista não o foi? Qual não viver como um nababo enquanto seu povo comia ratos? Qual partido comunista subiu ao poder sem propinas, sem desvio de dinheiro público, sem negócios escusos, sem roubo e chantagem?" > http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/el_mayor

Luira -   30/12/2017 14:07:46

Com o devido respeito, devo destacar que foi a geração de "engajados" que gerou a presente, de alienados. .. Eis um tema para um nova coluna.

Luiz Antonio -   30/12/2017 12:26:02

Também com 73, concordo em gênero, número e grau. Ocorre q as dificuldades impostas excitavam nossas mentes jovens. As discussões sobre regimes e ideologias era sistemático. E sem internet, celulares e fones de ouvido ( imagem perfeita) para atrapalhar. Alienados existiam, claro, mas hj a apatia é muito grande. Acordem jovens!! Vcs é q vão mandar e num breve futuro!!

Leandro -   30/12/2017 07:40:44

E entre a sua geração e essa de hoje, está a minha, que do alto de seus postos só tenta entender porque não consegue nem se engajar e nem se alienar, ficamos tentando agir, quando na verdade o que conseguimos é rir (ou chorar, depende da posição social)

Menelau Santos -   30/12/2017 03:31:59

Realmente professor, muito bem observado. Os fones de ouvidos são o símbolo dos nossos jovens de hoje. E o aparelho nos dentes a busca pela padronização. É um mundo engraçado, onde todos buscam algo diferente falando e fazendo exatamente a mesma coisa.