Nas sociedades modernas, há um tipo de democracia que se convencionou chamar de democracia direta, da qual se diz que, nela, "o povo toma as decisões políticas". A História está cheia de exemplos comprovando que esse é um ingrediente no caldeirão dos totalitarismos. Aqui no Rio Grande do Sul, sempre que o eleitorado caiu nessa conversa, os companheiros se reuniam como se “o povo” fossem, para referendar o que já fora decidido nos estofados de couro do andar de cima.
A ideia de que o comando dos corpos sociais seja escolhido pelo voto de seus membros é um derivativo disso, nascido na mesma maternidade. Trata-se, no entanto, de ditadura indireta, comandada externamente, condição que não muda mesmo quando, por analogia, é transplantada para um ambiente de trabalho. Aplicada extensivamente no serviço público brasileiro, tal prática determina um acúmulo de dificuldades de gestão, fragilizando a cadeia de comando e transformando a escolha do dirigente num confronto entre afinidades e simpatias. Nas Forças Armadas, os comandantes não são escolhidos pela tropa. Numa delegacia de polícia, o delegado não é eleito pelos outros policiais. Numa empresa, o diretor não é eleito pelos funcionários. Democracia e voto universal não são poção mágica para solucionar conflitos ocorrentes nos corpos sociais. Numa democracia, os esquemas de poder paralelo não têm aquela estabilidade com que muitos se habituaram. Onde se clama por eficiência, oxigenação e renovação o caminho é outro.
Houve longo tempo, entre nós, em que a administração, os órgãos do Estado e seus poderes foram sendo aparelhados pela criação de conselhos de toda ordem (cerca de 700 deles só no governo federal), funcionando como verdadeiros sovietes. Bolsonaro quis dar um jeito nisso e a exótica composição de STF que aí está não permitiu.
Da mesma sala de parto onde nascem os sovietes esquerdistas vem a pressão para que os preferidos em listas tríplices sejam necessariamente nomeados para a função que disputaram. Listas tríplices e outras composições análogas são imposições legais cujo efeito é restringir o arbítrio da autoridade que vai formalizar a nomeação, sem, contudo, anular o discernimento daquele a quem esse poder foi legal ou constitucionalmente atribuído. Listas tríplices são apenas isso: listas com três nomes. Tornar obrigatória a escolha do mais votado é transformar o processo em eleição e extinguir o poder da autoridade que nomeia.
A regra estabelecida na Constituição para escolhas dessa natureza – como a de novos desembargadores, procuradores gerais, reitores de universidades, entre outros – visa ao alinhamento entre estes e a autoridade que procede a nomeação. Simples como isso. A legitimidade da escolha é dada pela origem do poder de quem tem a caneta, a mesma caneta que vai nomear, também, ministros de Estado, dirigentes de estatais, embaixadores e reitores de universidades.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.