Percival Puggina
Há quase 20 anos, em minha segunda viagem a Cuba, empreendida com o objetivo de escrever A Tragédia da Utopia, tomei conhecimento da existência, na Ilha, de um jornalismo independente. A surpresa foi proporcionada pela amiga Graça Salgueiro. Ao saber que eu ia, ela me enviou uma lista com duas dezenas de nomes daqueles destemidos que atuavam à margem do sistema e não serviam aos interesses políticos do Estado. Nem toda atividade jornalística local era porta-voz do oficialismo.
Produzido nas trevas, clandestino, o trabalho desses “periodistas independientes” consistia em enviar notícias ao exterior contando com ajuda de correspondentes estrangeiros, usando a incipiente internet por valores exorbitantes. Seus textos eram sintéticos, econômicos, porque cada minuto pesava no bolso do próprio profissional. No livro que posteriormente escrevi, conto a conversa que tive com uma guia de turismo. Era uma das muitas que assediam os hóspedes nas portas dos melhores hotéis. Quando olhou a relação de nomes que lhe apresentei, oferecendo cinco dólares por contato que me proporcionasse, causei-lhe um susto que a fez levantar-se e sair célere, sem olhar para trás, da cafeteria onde havíamos sentado para conversar. Note-se que cinco dólares, à época, correspondiam ao salário de mais de 10 dias de um cubano. A tarefa envolvia riscos que o dinheiro não compensava.
Aqueles heróis da comunicação se opunham às mistificações da TV estatal Cubavisión e às mentiras do oficialismo representado pelos jornais Granma e Juventud Rebelde, do Partido Comunista Cubano, os únicos que, com um jornalismo indigente, circulam em todo o país.
O que eu nunca pensei, até recentemente, é que, um dia, nós brasileiros também precisaríamos – e muito – de um jornalismo independente, de informações e análises proporcionadas por cidadãos dispostos a confrontar o ativismo disponibilizado pela maior parte dos grandes grupos de comunicação. Menos ainda poderia supor, naquela imersão num regime totalitário, que, também aqui, exercer com independência o direito de opinião, se tornaria atividade de risco, patrulhada por poderes de Estado.
Quem poderia imaginar, naquela alvorada do século XXI, poderes do Estado brasileiro assumindo como sua a prerrogativa de reprimir opiniões? Que o simples carimbo “fake news”, atividade não tipificada em nosso Código Penal, filtrada como tal pelo arbítrio, viria a determinar a supressão dos pagamentos devidos a quem enfrentar a verdade estatizada? Se o jornalista pode seguir publicando, tomar-lhe o rendimento do trabalho não é destapado abuso de autoridade?
Tais acontecimentos transcorrem à luz do dia, com o silêncio conivente, ou com o explícito louvor da “grande mídia”, cujos conteúdos parecem cozidos no mesmo forno totalitário do Granma e do Juventud Rebelde, para os quais informar é convencer o público de que a grama não é verde e que dizer o contrário é coisa de extremista. Essa mídia considera o jornalismo independente brasileiro como “off label”, espécie de “tratamento precoce” das mistificações, sustentando verdades inconvenientes.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Luiz Alberto Hoff - 30/08/2021 10:36:10
Parece que estão esquecendo da Lei de abuso de autoridade ( Lei 13.869/19). Veja o art. 27: Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a: I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; II - membros do Poder Legislativo; III - membros do Poder Executivo; E o art. 27: Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: (Vide ADIN 6234) (Vide ADIN 6240) Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Não seria o caso?José Rui Sandim Benites - 26/08/2021 12:37:10
O que é o Estado? É o território e seu povo. E administrado com o trabalho de seu povo através do pagamento de tributos. E quem administra o Estado são os entes políticos. É óbvio, mas o óbvio tem que ser dito. Os entes políticos tem que administrar na busca do bem comum do seu povo. Todavia, estes entes políticos, muitos vezes, fazem o desvio da finalidade, para foram foram eleitos. E buscam administrar a verba pública em benefício próprio e de seus apadrinhados políticos. Então enriquecem com dinheiro público, que deveria, ser da educação, saúde, segurança e infraestrutura. Endividam o Estado, para mostrar que tem boa administração, e para se manter no poder. Escravizando a população, com mais aumento de tributos. E, não mais das vezes, criam uma revolução, através da força para se manter no poder, ditando regras, tendo privilégios e enriquecimento ilícito, pois feito de trabalho alheio, e pior de tudo disto, que conseguem iludir os incautos, que é para o bem do povo. Esta situação, que vejo, na ilha de Cuba.Lori Weiss - 26/08/2021 07:37:37
Atualmente no Brasil, em razão do aparelhamento da esquerda nos poderes, principalmente no último a recorrer, há a inversão de valores, isto é, os bagunceiros da esquerda são considerados democráticos e os conservadores de direita são considerados antidemocráticos independentes das atitudes! E assim também são julgados, perseguidos os que defendem a verdadeira liberdade de expressão, que outrora era livre, dentro das prerrogativas da constituição federal, hoje são atos "antidemocráticos"! Incutem o medo, prendem, perseguem os que ousem a se fazer ouvir ou que lutam para impedir que sejamos escravizados!Constatação - 25/08/2021 11:36:42
Graça Salgueiro e abnegação são sinônimos. Mulher valente.José Maria Rosa Tesheiner - 25/08/2021 10:42:24
Temos uma imprensa livre, que muitas vezes mente, e uma imprensa perseguida, porque ousa negar a verdade oficial.Menelau Santos - 25/08/2021 09:56:52
...continuação. Vladmir Herzog? Tá ai nosso Osvaldo Eustáquio com um pouco mais de sorte. Perseguição de artistas (Caetano, Gil, Chico)? Agora temos Sérgio Reis e Eduardo Araujo. Nada de novo. Fazem as mesmas coisas que condenaram no passado.Menelau Santos - 25/08/2021 09:53:07
As verdades bíblicas são indestrutíveis. Umas das minhas favoritas é "não há nada de novo debaixo do sol". A sua comparação, caro Professor, da nossa atual mídia engajada com os jornais cubanos é perfeita. Isso que está sendo feito no Brasil já existe na história. Alterar o sentido da linguagem (novilingua), perseguir quem informa a verdade, usar regras diferentes para os amigos e inimigos -- uns só podem ser presos depois da enésima instância e outros são presos sem nenhuma formalidade ---, asfixiar financeiramente os contrários, e por ai vai...Jorge - 24/08/2021 13:15:20
Penso ser pior que isso. Ao meu ver não se trata só de uma perseguição aos “inimigos” da verdade oficial. Trata-se de uma criminosa e nefasta organização atuando para retomar o poder que o voto popular lhes negou. Ou nos revoltamos contra essa ditadura de togas e os apeamos de seus pedestais ou estamos condenados a repetir Cuba.