• Percival Puggina
  • 04/07/2022
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Jogos de cena!

 

Percival Puggina

No último dia 2, vivi um ato penitencial assistindo a sequência de infortúnios do jogo entre Ceará e Internacional. Sim, sim, leitor: gosto de assistir bons jogos de futebol e sou torcedor do Internacional.

Enquanto as atropeladas e as infrações coletivas se sucediam com vigorosas reciprocidades e degeneravam em trombadas e empurrões, ficou nítida, para mim, a analogia entre o visto em campo e o observado dentro e fora das “quatro linhas” de nossa institucionalidade.  

No gramado do Castelão, minutos antes do final do jogo, o comentarista já contabilizava 40 infrações (após, houve várias outras e uma expulsão), perfazendo média de uma a cada 2 minutos. Basicamente, é o que acontece no Brasil, onde membros do Congresso Nacional e do STF jogam contra a sociedade, chutam-lhe as canelas e atropelam a ordem jurídica em casuísmos de fazer inveja ao general Golbery.

No gramado, atletas encenavam, frequentemente, aquela coreografia costumeira destinada a impressionar a arbitragem e a torcida. Cobriam os rostos aos berros, como se tivessem os olhos vazados, ou, se o choque era contra o corpo, rolavam sobre si mesmos várias vezes. Se isso não chamasse toda a atenção pretendida, voltavam a acrescentar mais duas ou três voltas sem que qualquer força externa os movesse da posição anterior. Jogos de cena.

Na cena política, notórios ladrões proclamam sua honestidade. Maus julgadores explicam o insustentável dizendo agir contra riscos inerentes a uma sociedade de bárbaros. Atacam liberdades alegando defender a democracia, logo ela, que nasce da liberdade e definha em sua ausência. Jogos de cena.

Como os inquéritos no STF sobre atos antidemocráticos tramitam em sigilo, a gente não sabe por que, há três anos, rolam em campo, queixosos, alguns senhores ministros. Jogos de cena.

Durante a votação da PEC que estabeleceu estado de emergência para auxílios a caminhoneiros, motoristas, famílias carentes, etc. vários senadores oposicionistas também rolaram em campo. Diziam-se agredidos em suas mais nobres e rígidas convicções sobre uso do dinheiro público... Apelidaram a PEC de “Kamikaze”. Acusaram o governo de populismo eleitoreiro. No final, de modo hipócrita, aprovaram-na em dois turnos com apenas o voto em contrário do senador José Serra. Pelos mesmos motivos do governo, apoiaram a PEC que coreograficamente rejeitavam. Jogos de cena!

É o futebol que imita a política ou é a política que imita o futebol muito mal jogado?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 


Dorival -   11/07/2022 09:36:24

Hipocrisia existe em todo lugar, mas no Brasil ela é: "patrimônio nacional inalienável".

Menelau Santos -   08/07/2022 00:11:00

Meu genro diz que certas coisas vc nunca erra. Carro alemão, pasta italiana, perfume frances, vinho português, uísque escocês. Pra mim, ler um artigo do Prof. Puggina é uma dessas coisas.

Manoel Antonio de Oliveira Palmeiro -   06/07/2022 15:30:57

Finalmente consegui encontrar um defeito no Sr. É colorado. Pena. Abraços

carlos edison domingues -   06/07/2022 12:04:30

PUGGINA. Mais conforto se recolhe dos acontecimentos dentro das "quatro linhas" de um campo de futebol. Dia 5 deste mês foi vivido, por mim, com releitura e expectativa. Para releitura fui buscar, num baú de pedaços de jornal uma folha inteira, com 60 centímetros por 45, do Correio do Povo, com data de 5 de julho de 1.972 com o título "Cinquentenário da Revolução de 1922 " trazendo aquela fotografia memorável de um civil acompanhando 18 militares, que carregavam no peito pedaços, recortados e distribuídos entre eles, da Bandeira do Brasil. Comuniquei ao Flávio Pereira e vivi, ao longo do dia a emoção que o passado me ensinou. A expectativa, que realimenta meu entusiasmo, é ter assistido, na tv senado, o libelo, a dois Ministros do S.T.F. manifestado pela intelectualidade jurídica, que provoca o Senado Federal a decidir, imediatamente, seu comportamento frente à descortesia pela ausência e pela falta de justificativa, daqueles dois, que um dia, não tão distante, foram sabatinados e aprovados pela Câmara Alta. Num mesmo dia, comemorei um passado distante, lembrando os Homens que tombaram nas areias de Copacabana e projetei dias de esperança na recuperação da credibilidade do Senado Federal.. Carlos Edison Domingues O.A.B. RS nº 3.626

José Carlos -   05/07/2022 09:23:16

Meu amigo como discordar? é a pura realidade.

Saulo Santos -   04/07/2022 18:41:52

Puggina invejo essa capacidade de ver coisas muito diferentes serem exatamente iguais! Perspicácia é o nome disso! Parabéns!

Cloe -   04/07/2022 17:24:41

Bela comparação. Eu diria mais dança das cadeiras como na nossa inf?ncia.Mas naquela ?poca sem maldades .

Luiz R. Vilela -   04/07/2022 15:58:40

A vida é um circo e todos nós vivemos sobre o picadeiro. A coisa mais falsa que existe no mundo e principalmente neste Brasil de casos e ocasos raros, é a tal chamada política. A maioria esmagadora de quem entra para a "atividade", só pensa naquilo, ou seja, enriquecer em cima do dinheiro público, que dizem ser de quem chegar primeiro. Quando se houve discursos e promessas, já se tem a dimensão do caráter do proponente, que promete o que não pode e também não tem a vontade de cumprir. É uma tragédia o sistema político em que vivemos, o povo não conta, só o que esta em jogo é o prestígio e a voracidade do indivíduo metido na política. Como no futebol, o que vale é o jogo de cena, quem representar melhor, leva. Homens desmascarados pela trajetória que tiveram no passado, voltam com a maior cara de pau, se declarando ilibados e sintonizados com as necessidades dos mais pobres. O acinte é total, nem sequer ficam com a face rubra, quando confrontados com a montanha de provas contra si. Se dizem perseguidos políticos. Mas o pior é que o povo reelege estas figuras que em alguns países seriam obrigados a praticar haraquiri, mas aqui, voltam nos braços do povo. O grande Rui Barbosa, na Oração os moços, já descrevia com exatidão este pais chamado Brasil, isso que naqueles tempos, ainda valia o fio de bigode. A alguns anos, barba virou sinônimo de revolução, matança e ditadura, mas agora serve para cobrir a cara de certos indivíduos indignos que não tem a coragem de sequer mostrar a cara limpa. Acho que as nossas esperanças por dias melhores, estão como a esperança de pobre, inalcançável.

Marcos Garrido -   04/07/2022 15:52:39

Excelente analogia, mestre Puggina! Infelizmente esta prática se encontra arraigada na nossa cultura, evidenciando-se em diversos campos, mesmo naqueles onde deveria prevalecer apenas o espírito esportivo e a disputa limpa e saudável.

José Paulo Moletta -   04/07/2022 15:08:21

Boa tarde, mestre, sei juntar as letras, mas tenho dificuldade em combinar palavras, mas escreveria algo semelhante.