No regime monárquico, a sucessão da chefia de estado é hereditária e o chefe de governo, eleito pela maioria parlamentar. As muitas monarquias constitucionais existentes são politicamente estáveis e proporcionam democracias mais qualificadas do que a nossa. Outros regimes que separam a chefia de Estado da chefia de governo igualmente se beneficiam de estabilidade como mostram os exemplos, entre outros, da França, Itália, Alemanha e Portugal. Nestes, o chefe de Estado, que não governa, é eleito pelo voto majoritário da sociedade, mas o chefe de governo é eleito pela maioria parlamentar. Nós, não obstante as evidências proporcionadas pelos bons modelos, continuamos cruzando os séculos na boleia da mesma carreta vivendo a crise nossa de cada dia, junto com Argentina, Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia e tutti quanti. Se não for assim, não é democracia cremos, contra os fatos e contra a história.
Quem nos vendeu semelhante disparate? Sim, porque é um disparate caber ao governo, depois de eleito, a tarefa de buscar (melhor dizendo: comprar) maioria parlamentar sem a qual não governa. E não basta montá-la no dia 1º de janeiro, tem que mantê-la no dia 2, no dia 3, no dia 4, no dia 5 de janeiro e a cada votação significativa do Congresso Nacional. A que preço?
O preço inclui ministros e dezenas de milhares de cargos de livre nomeação providos por pessoas que nada entendem das tarefas que lhes são atribuídas e nas quais servem aos interesses de seus partidos. O preço inclui, também, o enorme equívoco da partidarização e a ideologização da administração e do Estado. O eleito dessa forma, segundo essas regras, é, ao mesmo tempo, o chefe de Estado, o chefe de Governo e da Administração, coisa que nenhum país sensato adota. Parece que manda muito, mas, como vemos, se não comprar uma base de apoio, só faz o que o Congresso e o STF permitem. E se não se dão bem, não permitem coisa alguma.
Além disso, nosso sistema eleitoral estabelece um abismo entre as qualidades que se exigem para ter o voto e as qualidades que se requerem para governar. É caso raro encontrar tudo isso na mesma pessoa. Depois, nos queixamos por não termos estadistas. Por que isso acontece? Por que somos burros? Por que não há aqui quem conheça história? Ou quem tenha visão correta da política? Temos, sim, mas não é a visão correta da história, da política e da economia que elege um presidente.
Ficamos imaginando que as instituições da nossa República não funcionam, quando o que nos desagrada é exatamente o que decorre de seu funcionamento. Ministros do STF, congressistas de relevo, supostamente inteligentes, “tranquilizam” a população afirmando que as instituições estão funcionando. Sim, sim, é fato. E ao fazê-lo só produzem encrencas e geram crises desde 1889.
Como se resolve isso? Responsabilidade essencial das elites, tarefa de quantos tenham capacidade de análise, de estabelecer relações de causa e efeito, de entender a necessidade de haver um poder de Estado legitimado como moderador, com prerrogativas para dissolver o parlamento, etc.. As elites não têm o direito de querer solução se sequer conhecem o problema.
Qualquer cidadão brasileiro faz minuciosa análise de uma partida de futebol. Tem visão estratégica de um jogo, de um campeonato e de vários campeonatos simultâneos. Conhece a história de seu clube, seus melhores atletas, seus bons presidentes, comenta a escalação das equipes. Mas não sabe coisa alguma da história de seu País, não conhece seus estadistas, e é incapaz de fazer uma análise política com relações de causa e efeito. Por quê? Porque, com as exceções de praxe, a imprensa esportiva brasileira é bem mais competente e menos millitante do que a imprensa política.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Luiz R. Vilela - 17/06/2020 13:06:10
Mestre Puggina, certamente o senhor esta coberto de razão. Meu comentário, foi sobre as mudanças que seriam feitas no "topo", sem mudar a "base". Para a modernização do sistema, teríamos que partir para a reestruturação total. A começar pelo voto distrital puro, com toda eleição sendo majoritária e abandonando de vez qualquer coisa que se assemelhe a proporcionalidade, que é uma maneira de corromper o processo. Estão ai os exemplos de Tiririca, Enéas e tantos outros. O pais deveria ser divido em distritos, não só eleitoralmente, mas também administrativamente. Acabaríamos com esta mania de chamar "províncias" de "estados" os quais verdadeiramente não são, porque não dispõe de autonomia política e administrativa. O distrito obriga o candidato a procurar pelo eleitor e também depois de eleito, a residir no local da eleição. Existe na Suíça e em algumas partes dos EUA anualmente, uma nova eleição, chamada parece-me de "confirmação", onde o eleitor confirma ou não o voto dado ao candidato, e quem não conseguir a mesma votação, perde o mandato. Seria uma maravilha por aqui, só que mudanças assim, não sei como poderiam ser implementadas no Brasil, porque até para que as coisas possam ser diferentes, os atuais beneficiários do atual sistema podre, devem concordar, e ai é que mora o perigo. Pela idade que temos, imagino que não veremos muito mais do que ora estamos vendo, que da um sentimento de ter vivido sob sistemas que não funcionaram, mas esperamos que os sucessores, sejam mais felizes. Um grande abraço.PERCIVAL PUGGINA - 17/06/2020 11:17:01
Prezado Luiz R. Vilela Tamanha contestação exige a exceção de um comentário para que não fique a impressão de que teus argumentos são suficientes e convincentes. A implantação de um sistema que confie as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo a pessoas diferentes exige uma importante reforma política. Não se pode, então, compor cenários sob esse regime considerando os elementos do modelo atual. Você precisa de voto distrital, o que por si só já vai alterar o recrutamento de lideranças e reduzir drasticamente o número de partidos, incluindo, se necessária, a adoção de cláusula de barreira. Os pequenos partidos, que vivem batendo às portas do STF, judicializando a política para conseguir o que querem porque não têm voto no parlamento, são contra o voto distrital porque sabem que eles saem do cenário eleitoral. Irracional é esse presidencialismo com quase três dezenas de partidos que devem ser “comprados” por quem queira formar maioria numa feira que abarca o que é da política (governo, lugar próprio dos partidos), e envenena o que é da burocracia (a administração pública que serve a todos e onde partidos não têm bem algum a fazer exceto povoar de afilhados e comandar ideologicamente o país) e o que é do Estado (idem, idem, incluindo empresas estatais). Não se pode esquecer que o presidencialismo fornece aqui, na nossa volta, onde se concentra o maior contingente de chefes de Estado que chefiam governos, a principal evidência dos males que ele causa. Também é péssima a nossa experiência e só não somos chamados republiquetas porque o diminutivo não combina com o tamanho do país e com sua população. Mas nossa história republicana é uma sucessão de eventos caóticos: Seis constituições, nove moedas, seis vezes o Congresso fechado (e o povo já está na rua pedindo novo fechamento...), seis rupturas institucionais, 13 presidentes que não concluíram o mandato e 31 revoltas e guerrilhas. Sabes por que esse relatório típico das verdadeiras “republiquetas bananeiras”? Pela falta de um Poder moderador, pelo qual alguns constitucionalistas estão clamando com 130 anos de atraso. Como podem os poderes entrar em conflito como o atual e não haver ninguém para resolver? Paga-se o preço caríssimo da permanente instabilidade política. Por outro lado a afirmação de que o PT estaria até hoje no poder não convence porque desconhece que numa democracia o eleitor fez e faz mudanças; ele interfere no processo, principalmente se dispuser de meios (recall, que só é possível com voto distrital), que flutuações significativas das tendências de apoios e rejeições podem dissolver o parlamento e levar a novas eleições, o que determina algo que hoje não temos: responsabilidade dos congressistas e ônus em caso de insucesso. Teria muito mais a acrescentar, mas o relógio anda e a vida segue. Bem sabes que não posso dar continuidade a esta interlocução. Ela é incompatível com a proposta do blog, há 17 anos. Neste espaço falam os leitores, onde és, sempre, muito bem-vindo.Luiz R. Vilela - 15/06/2020 20:59:30
Ah! O parlamentarismo. Deixar a escolha do chefe de governo exclusivamente com os "parlamentares"? Não seria uma temeridade? Se para governar o presidente necessita de "negociar" com os partidos, imaginamos o que teria que ser feito para se conseguir uma coalizão para formar um governo. No regime parlamentar, é extremamente difícil que algum partido faça a maioria absoluta para formar um governo. Tem sempre se juntar a outros minoritários para conseguir maioria, é a famosa coalizão. Sem isto, a oposição junta todos os minoritários e forma o governo, ultrapassa o número de parlamentares do partido vencedor das eleições, e toma o poder. Se houvesse parlamentarismo no Brasil, certamente o PT estaria até hoje no governo, por ser o maior partido da câmara e a facilidade de aglutinação com o loteamento da administração. Outra coisa, parlamentarismo só funciona com congresso unicameral, bicameral como o nosso, praticamente impossível, teríamos que extinguir o senado e partir para uma "Assembleia Nacional", acho que isto seria extremamente difícil, os "nababos" da república, costumam se abrigar no senado, o qual chamam de "paraíso terrestre". Já até tivemos por cá, um parlamentarismo, quando Jânio Quadros renunciou e não quiseram naquele momento entregar o poder ao vice,João Goulart. A confusão foi tanta, que fizeram até um plebiscito, onde o povo optou pelo presidencialismo. Na maioria dos países onde existe o parlamentarismo, o presidente chefe de estado, não é completamente desprovido de poder, estão sob o seu controle, as forças armadas, a polícia judiciária e ministério público, sendo inclusive o próprio presidente que nomeia o primeiro ministro, que é indicado pelo parlamento, funcionando assim, como o verdadeiro poder moderador. Em Portugal, quando os americanos invadiram o Iraque, quem governava era a direita, o PSD, que fez parte da coalizão militar, só que não puderam usar as forças armadas,pois o presidente da república, na época Jorge Sampaio, que era do PS, da esquerda, barrou. Então tiveram que usar uma força policial chamada GNR, uma espécie de Polícia militar portuguesa. Acho que no Brasil a discussão mais imediata e eficaz, é sobre o poder dos poderes, pois parece que que o judiciário esta se sobrepondo aos outros e de forma extravagante, e pondo em risco o equilíbrio entre eles.Vicente Lino - 15/06/2020 14:03:40
É lamentável o que a grande imprensa faz contra o governo e contra o povo brasileiro. Mais desinforma e escolheu ser parcial, não se sabe porque. Parabéns, Mestre. Contamos com poucos iguais a você.