• Nivaldo Cordeiro
  • 24/12/2008
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IDEOLOGIAS APARENTES E LATENTES - www.nivaldocordeiro.net

“Mal visto mal dito”. Samuel Beckett O segundo n?o da revista DICTA&CONTRADICTA chegou ?livrarias e conseguiu a proeza de n?ficar inferior ao primeiro. N?cabe aqui um coment?o gen?co sobre o conte?amplo que carrega. Quero sublinhar apenas a transcri? da palestra dada pelo fil?o italiano Massimo Borghesi, proferida no Instituto Internacional de Ci?ias Sociais no ?mo dia 02 de outubro. A data permitiu ao fil?o ligar seu tema – o mundo ap? crise das utopias – ?rise econ?a que ent?emergia e que foi o fator determinante para a elei? hist?a de Barack Obama nos EUA. Borghesi ?rofessor titular de Filosofia Moral na Universidade de Perugia, de ?ica e Filosofia na Universidade S?Boaventura e de Hermen?ica e Filosofia na Universidade Urbaniana de Roma. Apesar de suas credenciais sua obra n?foi ainda traduzida para o portugu? A entrevista se reveste assim da maior import?ia, pois mostra a erudi? do fil?o no despojamento de uma aloca?, apresentando-se ao p?co brasileiro. V?-lo passear pelo confronto das ideologias em seus momentos de apogeu. Sua conclus?impressiona: “Em resumo, o que aconteceu de 1968 a 1989 e at?008? Passamos da utopia coletivista a um individualismo exasperado, e depois ?onsci?ia de que tanto um quanto o outro s?ideologias. ?ideologia o marxismo, ?deologia a id? de que a globaliza? traz o para? ?erra. Tudo n?passa de ideologia. Na realidade pr?ca, s?necess?os tanto o Estado como o mercado; s?necess?as tanto a na? como a abertura como a realidade supranacional, tanto a laicidade como a abertura para a dimens?religiosa, tanto a f?omo a raz? Esta ? compreens?realista, que considera as diferen? e ao mesmo tempo trabalha para traz?as a uma poss?l harmonia... Um modelo ?deol?o precisamente quando pretende simplificar a realidade, reduzindo-a ?nidade. A realidade n??ma: vive de tens?que t?de ser contidas para que n?se tornem conflitivas, para que explodam. Isso vale para as suas diversas formas, desde classes sociais e religi?at?s na?s e os estados... Por isso, pede sempre uma ‘pol?ca’ em sentido amplo, pol?ca que ? arte, n?apenas do poss?l, mas a arte de criar rela?s tranq?s entre diversas entidades contrapostas”. N?se pode discordar desse sensato ponto de vista. A palestra foi seguida por um debate em que perguntas importantes foram colocadas ao palestrante, tornando seu conte?ainda mais rico. A pergunta que eu lhe faria ? mesma que eu teria feito a Voegelin se vivo fosse: o que pensa sobre os Estado Unidos e seu papel no mundo. Borghesi, como o fil?o alem? parece enxergar a realidade mundial pelo prisma europeu, como se ainda a Europa fosse o centro gerador do poder e da economia. E, junto com essa pergunta emendaria outra, para saber a sua opini?sobre a ideologia mais s?a, consistente e persistente no meio universit?o ocidental, o materialismo ateu diverso do marxista, de vertente darwinista e positivista. Esta ?ma tem moldado a alma da intelectualidade, a ponto de, se algu?se disser crist? passar a ser encarado como um exc?rico. Borghesi relata o confronto entre anarquistas e marxistas em 1968, o fim do comunismo (algo discut?l) em 1989 e a derrocada da solu? dada pelo mercado globalizado desde ent?e aparentemente esgotada com a crise atual. O fil?o se perguntou: “E quando o marxismo morre, o que fica? Permanece, como vimos, a parte negativa, que ?quela que chegou at?s nossos dias a atingiu milh?de jovens nestes ?mos anos. Se n?h?ais nada a que valha realmente a pena dedicar a vida, a ?a coisa que resta ?nriquecer e progredir sem escr?os. Isso significa, no final das contas, que s?rmanece a id? do ‘burgu?em estado puro’, um burgu?que n?tem mais nenhum interesse ideal com exce? do que enriquecer sem nenhum freio ?co ou moral”. Eu tenho a impress?que o marxismo n?morreu. Persiste, est?ais vivo do que nunca. Na boca dos governantes, da imprensa e dos professores universit?os est?empre a palavra m?ca “igualdade”, sempre seguida de “direitos”, ecos sonoros na filosofia de Rousseau. Este fil?o triunfou nos dois lados, na ribalta onde as massas propagam seus slogans marxistas igualitaristas e no sil?io murmurante das c?dras, onde as ?cas materialistas n?marxistas dominam, a come? no ?ito da rainha das ci?ias sociais, a Economia. Onde poderemos encontrar o “burgu?em estado puro” de forma mais acabada? Precisamente nas obras cient?cas dos economistas e suas fun?s maximizadoras, que carregam em si uma antropologia completamente diversa da greco-crist?supondo uma caricatura de homem que remonta a Epicuro. E tamb?no ?ito do Direito e da Ci?ia Pol?ca, em que a vis?de Locke e Kant (vale dizer, dos est?s) tomou conta. Burgu?em estado puro. Borghesi tamb?afirmou: “O ?mo elo das ideologias de 89 a cair ? id? do mercado global, que constitui o problema dos dias atuais. A atual crise do sistema financeiro americano, de 2008, p?os novamente cara a cara com o primado do pol?co, aquele fator que tinha sido esquecido. Acabou-se a era do mercantilismo: agora, todos gritam que o mercado deve ser submetido a regras e todos almejam a ‘economia real’ contra a tal ‘economia financeira’ que reinou inconteste durante todos esses anos”. Aqui temos que recuperar a cita? acima, sobre o primado da pol?ca: “Por isso, pede sempre uma ‘pol?ca’ em sentido amplo, pol?ca que ? arte, n?apenas do poss?l, mas a arte de criar rela?s tranq?s entre diversas entidades contrapostas”. Ora, a guerra tamb??ol?ca por outros meios e mesmo em tempos de paz as rela?s entre os atores sociais est?longe de serem “tranq?s”. Essa afirma? do fil?o talvez expresse menos uma an?se do que um desejo sincero. Se Borghesi estiver certo ao dizer que a ideologia cega leva ?onclus?de que, “se n?h?ais nada a que valha realmente a pena dedicar a vida, a ?a coisa que resta ?nriquecer e progredir sem escr?os”, o que fazer ent?se a crise que chegou impuser um empobrecimento generalizado e incontrolado, nos moldes de 1929? Vou lhe dizer, caro leitor: esses seguidores de ideologias, que j??v? nenhum sentido no viver, cair?na desesperan?mais radical. Um mundo assim vai se tornar demasiado perigoso, n?apenas no plano individual, mas sobretudo no plano pol?co. Um mundo assim far?ente como Hitler renascer.