HOMILIA DE NATAL - Bento XVI
Bas?ca Vaticana
«Quem se compara ao Senhor, nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas e Se inclina l?o alto a olhar os c? e a terra?» Assim canta Israel num dos seus Salmos (113/112, 5s.), onde exalta simultaneamente a grandeza de Deus e sua benigna proximidade dos homens. Deus habita nas alturas, mas inclina-Se para baixo… Deus ?mensamente grande e est?ncomparavelmente acima de n?Esta ? primeira experi?ia do homem. A dist?ia parece infinita. O Criador do universo, Aquele que tudo guia, est?uito longe de n?assim parece ao in?o. Mas depois vem a experi?ia surpreendente: Aquele que n??ompar?l a ningu? que «est?entado nas alturas», Ele olha para baixo. Inclina-se para baixo. Ele v?os a n?e v?e a mim. Este olhar de Deus para baixo ?ais do que um olhar l?as alturas. O olhar de Deus ?m agir. O facto de Ele me ver, me olhar, transforma-me a mim e o mundo ao meu redor. Por isso logo a seguir diz o Salmo: «Levanta o pobre da mis?a…» Com o seu olhar para baixo, Ele levanta-me, toma-me benignamente pela m?e ajuda-me, a mim pr?o, a subir de baixo para as alturas. «Deus inclina-Se». Esta ?ma palavra prof?ca; e, na noite de Bel? adquiriu um significado completamente novo. O inclinar-Se de Deus assumiu um realismo inaudito, antes inimagin?l. Ele inclina-Se: desce, Ele mesmo, como crian?na mis?a do curral, s?olo de toda a necessidade e estado de abandono dos homens. Deus desce realmente. Torna-Se crian? colocando-Se na condi? de depend?ia total, pr?a de um ser humano rec?nascido. O Criador que tudo sustenta nas suas m?, de Quem todos n?ependemos, faz-Se pequeno e necessitado do amor humano. Deus est?o curral. No Antigo Testamento, o templo era considerado quase como o estrado dos p?de Deus; a arca santa, como o lugar onde Ele estava misteriosamente presente no meio dos homens. Deste modo sabia-se que sobre o templo, escondida, estava a nuvem da gl? de Deus. Agora, est?obre o curral. Deus est?a nuvem da mis?a de uma crian?sem lugar na hospedaria: que nuvem impenetr?l e, no entanto, nuvem da gl?! De facto, de que modo poderia aparecer maior e mais pura a sua predilec? pelo homem, a sua solicitude por ele? A nuvem do encobrimento, da pobreza da crian?totalmente necessitada do amor, ?o mesmo tempo a nuvem da gl?. ?que nada pode ser mais sublime e maior do que o amor que assim se inclina, desce, se torna dependente. A gl? do verdadeiro Deus torna-se vis?l quando se abrem os nossos olhos do cora? diante do curral de Bel?
A narra? do Natal feita por S?Lucas, que acab?s de ouvir no texto evang?co, conta-nos que Deus levantou um pouco o v?do seu encobrimento primeiro diante de pessoas de condi? muito humilde, diante de pessoas que habitualmente eram desprezadas na grande sociedade: diante dos pastores que, nos campos ao redor de Bel? guardavam os animais. Lucas diz-nos que estas pessoas «velavam». Nisto podemos ouvir ressoar um motivo central da mensagem de Jesus, na qual volta, repetidamente e com crescente urg?ia at?o Jardim das Oliveiras, o convite ?igil?ia, a permanecer acordados para nos darmos conta da vinda do Senhor e estarmos preparados para ela. Por isso, tamb?aqui talvez a palavra signifique algo mais do que o simples estar externamente acordados durante as horas nocturnas. Eram pessoas verdadeiramente vigilantes, nas quais estava vivo o sentido de Deus e da sua proximidade; pessoas que estavam ?spera de Deus e n?se resignavam com o aparente afastamento d’Ele na vida de cada dia. A um cora? vigilante pode ser dirigida a mensagem da grande alegria: esta noite nasceu para v? Salvador. S?cora? vigilante ?apaz de crer na mensagem. S?cora? vigilante pode incutir a coragem de p?e a caminho para encontrar Deus nas condi?s de uma crian?no curral. Pe?os ao Senhor para que nos ajude, a n?amb? a tornarmo-nos pessoas vigilantes.
S?Lucas narra-nos ainda que os pr?os pastores ficaram «envolvidos» pela gl? de Deus, pela nuvem de luz, encontravam-se dentro do resplendor desta gl?. Envolvidos pela nuvem santa ouvem o c?ico de louvor dos anjos: «Gl? a Deus no mais alto dos c? e paz na terra aos homens por Ele amados». E quem s?estes homens por Ele amados sen?os pequenos, os vigilantes, aqueles que est??spera, esperam na bondade de Deus e procuram-No olhando para Ele de longe?
Nos Padres da Igreja, ?oss?l encontrar um coment?o surpreendente ao c?ico com que os anjos sa? o Redentor. At?quele momento – dizem os Padres – os anjos tinham conhecido Deus na grandeza do universo, na l?a e na beleza do cosmos que prov?d’Ele e O reflectem. Tinham acolhido por assim dizer o c?ico de louvor mudo da cria? e tinham-no transformado em m?a do c? Mas agora acontecera um facto novo, at?esmo assombroso para eles. Aquele de quem fala o universo, o pr?o Deus que tudo sustenta e traz na sua m? Ele mesmo entrara na hist? dos homens, tornara-Se um que age e sofre na hist?. Do jubiloso assombro suscitado por este facto inconceb?l, por esta segunda e nova maneira em que Deus Se manifestara – dizem os Padres – nasceu um c?ico novo, tendo o Evangelho de Natal conservado uma estrofe para n?«Gl? a Deus no mais alto dos c? e paz na terra aos homens». Talvez se possa dizer, segundo a estrutura da poesia hebraica, que este vers?lo nas suas duas frases diz fundamentalmente a mesma coisa, mas duma perspectiva diversa. A gl? de Deus est?o alto dos c?, mas esta sublimidade de Deus encontra-se agora no curral, aquilo que era humilde tornou-se sublime. A sua gl? est?obre a terra, ? gl? da humildade e do amor. Mais ainda: a gl? de Deus ? paz. Onde est?le, l?st? paz. Ele est??nde os homens n?querem fazer, de modo aut?o, da terra o para?, servindo-se para tal fim da viol?ia. Ele est?om as pessoas de cora? vigilante; com os humildes e com aqueles que correspondem ?ua eleva?, ?leva? da humildade e do amor. A estes d? sua paz, para que, por meio deles, entre a paz neste mundo.
O te?o medieval Guilherme de S. Thierry disse uma vez: Deus viu, a partir de Ad? que a sua grandeza suscitava no homem resist?ia; que o homem se sente limitado no ser ele pr?o e amea?o na sua liberdade. Portanto Deus escolheu um caminho novo. Tornou-Se um Menino. Tornou-Se dependente e fr?l, necessitado do nosso amor. Agora – diz-nos aquele Deus que Se fez Menino – j??podeis ter medo de Mim, agora podeis apenas amar-Me.
?com tais pensamentos que, esta noite, nos aproximamos do Menino de Bel? daquele Deus que por n?uis fazer-Se crian? Em cada crian? h? rev?ero do Menino de Bel? Cada crian?pede o nosso amor. Pensemos, pois, nesta noite de modo particular tamb?naquelas crian? ?quais ?ecusado o amor dos pais; nos meninos da rua que n?t?o dom de um lar dom?ico; nas crian? que s?brutalmente usadas como soldados e feitas instrumentos da viol?ia, em vez de poderem ser portadores da reconcilia? e da paz; nas crian? que, atrav?da ind?ia da pornografia e de todas as outras formas abomin?is de abuso, s?feridas at?o fundo da sua alma. O Menino de Bel??m renovado apelo que nos ?irigido para fazermos tudo o que for poss?l a fim de que acabe a tribula? destas crian?; para fazermos tudo o que for poss?l a fim de que a luz de Bel?toque os cora?s dos homens. Somente atrav?da convers?dos cora?s, somente atrav?de uma mudan?no ?imo do homem se pode superar a causa de todo este mal, pode ser vencido o poder do maligno. Somente se mudarem os homens ?ue muda o mundo e, para os homens mudarem, precisam da luz que vem de Deus, daquela luz que de modo t?inesperado entrou na nossa noite.
E falando do Menino de Bel? pensemos tamb?na localidade que responde ao nome de Bel? pensemos naquela terra onde Jesus viveu e que Ele amou profundamente. E pe?os para que l?e crie a paz. Que cessem o ? e a viol?ia. Que desperte a compreens?rec?oca, se realize uma abertura dos cora?s que abra as fronteiras. Que des?a paz que os anjos cantaram naquela noite.
No Salmo 96/95, Israel e, com ele, a Igreja louvam a grandeza de Deus que se manifesta na cria?. Todas as criatura s?chamadas a aderir a este c?ico de louvor, encontrando-se l?amb?este convite: «Alegrem-se as ?ores da floresta, diante do Senhor que vem» (12s.). A Igreja l?ste Salmo tamb?como um profecia e simultaneamente uma miss? A vinda de Deus a Bel?foi silenciosa. Somente os pastores que velavam foram por uns momentos envolvidos no esplendor luminoso da sua chegada e puderam ouvir uma parte daquele c?ico novo que brotara da maravilha e da alegria dos anjos pela vinda de Deus. Esta vinda silenciosa da gl? de Deus continua atrav?dos s?los. Onde h??onde a sua palavra ?nunciada e escutada, Deus re?os homens e d?e-lhes no seu Corpo, transforma-os no seu Corpo. Ele «vem». E assim desperta o cora? dos homens. O c?ico novo dos anjos torna-se c?ico dos homens que, ao longo de todos os s?los, de forma sempre nova cantam a vinda de Deus como Menino e, a partir do seu ?imo, tornam-se felizes. E as ?ores da floresta v?at?le e exultam. A ?ore na Pra?de S?Pedro fala d’Ele, quer transmitir o seu esplendor e dizer: Sim, Ele veio e as ?ores da floresta aclamam-No. As ?ores nas cidades e nas casas deveriam ser algo mais do que um costume natal?o: indicam Aquele que ? raz?da nossa alegria – o pr?o Deus que por n?e fez menino. O c?ico de louvor, no mais fundo, fala enfim d’Aquele que ? pr?a ?ore da vida reencontrada. Pela f?’Ele, recebemos a vida. No sacramento da Eucaristia, d?e a n?d?ma vida que chega at? eternidade. Nesta hora, juntamo-nos ao c?ico de louvor da cria? e o nosso louvor ?o mesmo tempo uma ora?: Sim, Senhor, fazei-nos ver algo do esplendor da vossa gl?. E dai a paz ?erra. Tornai-nos homens e mulheres da vossa paz. Amen.