• Percival Puggina
  • 05/11/2020
  • Compartilhe:

GERAÇÃO DOS FONES DE OUVIDO

 

 Um dos fascínios da vida, aqui de onde a vejo aos 75 anos, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar, volta e meia me deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. Milhões de brasileiros teriam sido politicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo.

 Bem ao contrário. Nós, os jovens daquelas décadas, éramos politizados dos sapatos às cabeleiras. Ou se era comunista ou se lutava contra o comunismo. Os muitos centros de representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A alienação sequer era tolerada na minha geração! Todo santo ano, o DCE da UFRGS comemorava como data nacional o aniversário da Revolução de Outubro (revolução bolchevique de 1917). Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e por nada, e o desfile dos bixos da universidade era uma passeata com alegorias. Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia - a greve “de apoio”, a greve “a favor”. É sim senhor. Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de trabalhadores. Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as disputas pelo comando da representação estudantil.

O Colégio Júlio de Castilhos, público, onde tive a ventura de estudar durante os três anos finais do ensino médio, foi uma usina onde se forjaram importantes lideranças do Estado. As assembleias estudantis e os concursos de declamação e de retórica preparavam a rapaziada para as artes do debate político. Na universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. O que hoje seria impensável – uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal – era o que acontecia a cada edição de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que passava de mão em mão até ficar imprestável.

Agora, leitor, compare o que descrevi acima com o que observa na atenção dos jovens de hoje às muitas pautas da política. Hum? E olhe que não estou falando de participação. Estou falando apenas de atenção, de tentativa de compreensão. Quase nada! As disputas pelo comando dos diretórios e centros acadêmicos, numa demonstração de absoluto desinteresse, mobilizam parcela ínfima dos alunos. Claro que há exceções nesse cenário de robotização. Mas o contraste que proporcionam permite ver o quanto é extensa a alienação política da nossa juventude num período em que as franquias democráticas estão disponíveis à vitalidade da dimensão cívica dos indivíduos.

Em meio às intoleráveis dificuldades impostas à liberdade de expressão nos anos 60 e 70, a juventude daquela época viveu um engajamento que hoje não se observa em quaisquer faixas etárias. Nada representa melhor a apatia política dominante entre a juventude brasileira do que os fones de ouvido.

______________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

 


Gustavo Antonio Monteiro de Vasconcellos -   09/11/2020 02:32:00

Excelente texto, professor Puggina. Peca por um detalhe: os embates políticos migraram das ruas e das assembleias para as redes sociais. Os jovens de hoje são tão alienados ou politizados quanto os do passado. Estrelas políticas da esquerda ou da direita possuem milhões de seguidores e milhões de comentários (politicamente corretos ou não) são lançados nas redes sociais todos os dias, especialmente nos casos mais polêmicos como o abordo da menina K de 11 anos. Precisa ver como fui xingado quando me manifestei contrário ao aborto. Obtuso e obscurantista foram os mais leves.

GUSTAVO BARCELLOS PUGGINA -   09/11/2020 00:56:47

Caro Puggina, vivi minha juventude nas décodas de 80 e 90. nenhum colega meu queria saber de política. Em 92, impeachment do Collor, fui crucificado quando disse que não iria ser massa de manobra. Me lembro de ter perguntado para vários colegas o que o Collor tinha feito e ninguém sabia me responder com precisão. Até pouco tempo, percebia a alienação continuava aumentando. porém nestes dois últimos anos vi um sopro de pessoas que começaram a discutir política. Pergunto: Sinais de evolução? Ou sinais de que alguém fora do "establishment" assumiu o poder então política voltou a ser discutida?

Adão Silva Oliveira -   06/11/2020 11:18:21

A mais pura verdade. Também vivi esta época. Isso me fez pensar uma simples coisa. A direita foi "feita" para administrar, gerir... A esquerda foi "feita" para protestar, criticar. Ou seja, a direita deve estar na situação. A esquerda na oposição. Acredito que toda essa alienação atual se deve as coisas terem acontecido às avessas no período de 2013 a 2016. Quem deveria estar no poder, estava na oposição. Quem deveria estar na oposição, estava no poder. significa quem quem estava no exercício do poder, não sabia exercê-lo. E, quem estava no papel de protestar, não sabia fazê-lo. Trazendo para a linguagem futebolística, colocaram o centroavante na zaga e o zagueiro no ataque.

Carlos Edison Fernandes Domingues -   06/11/2020 10:44:12

PUGGINA . Assoprei a cinza do tempo e me veio na lembrança um acontecimento , que ocorreu em 1962. Estávamos contrários à visita do Prestes a Santa Maria. Resolvemos fazer um comício na esquina da, então, chamada 1ª Quadra. Naquele ponto tinha uma farmácia que ocupava um prédio, de dois pisos, muito velho. Numa noite de sábado, com bom movimento naquele ponto , chegamos com uma cadeira que serviria de palanque. Eu agasalhado com um casacão gabardine de meu pai. A dificuldade para reunir pessoas, para iniciar o primeiro discurso, despertou uma ideia. Recém tinha chagado, na cidade, dois carros de bombeiro. Usamos o telefone da própria farmácia para comunicar que ali estava iniciando um incêndio. De imediato chegou o "Corpo de Bombeiros " Uma correria para a esquina juntou muita gente e o primeiro a subir na tribuna (cadeira) fui eu. O saudoso jornal A RAZÃO registrou o fato, cuja edição guardo até hoje. Carlos Edison Domingues

ODILON ROCHA -   06/11/2020 01:22:00

Caro Professor Texto irretocável, como sempre, o fenômeno é mundial. Resumidamente falando, trata-se do efeito de uma engenharia social muito bem conduzida, claro, não excluindo a responsabilidade pessoal e dos pais.