• Percival Puggina
  • 04/01/2009
  • Compartilhe:

FUI ROUBADO!

Preferiria que me tivessem tomado a carteira. No entanto, os perversos fizeram pior: levaram-me um prazer. Desses ?os, que n?s?pecado nem fazem mal ?a? Sequestraram-me (assim, sem trema), o gosto de escrever, como aprendi e me agrada, para impor-me regras que n?aprendi e das quais desgosto. Proclamo-o, portanto, aos meus leitores. Queixo-me ao Papa. Lamento-me diante do altar. Fui roubado, Senhor. O reveillon de 2009 fez sumir pelos ares, como borbulha de champanha, a satisfa? que me causava a tarefa cotidiana de colocar ideias (agora ?ssim mesmo, sem acento) no papel, usando, para isso, voc?los com a grafia convencionada em 1943, um ano antes de ser expedida minha certid?de nascimento. Levaram-me palavras de estima?, minhas h?eis d?das! Poder?os absorver os inc?os da nova ortografia se nos provassem que escrev?os de modo incorreto, mas n?foi isso que aconteceu. Ficou errado o que antes escrevemos certo. E doravante, se quisermos redigir com corre?, teremos que nos familiarizar com outros padr? Precisaremos nos debru? sobre as prefer?ias de uns poucos que, por puro deleite, decidiram que a elas deveriam submeter-nos. Quem os constituiu senhores do idioma? Certa feita, estando na praia de Iracema, em Fortaleza, um rapaz de bicicleta passou por mim e, num safan? arrancou-me o celular. Em rea?, esgotei contra ele, aos berros, os piores adjetivos que me ocorreram. Gritei tanto palavr? t?alto, que o sujeito quase trombou com a bicicleta numa ?ore tentando olhar para tr? Naquele momento eu fiquei indignado. ?o mesm?imo sentimento que me move agora, com outras palavras, mas com igual motiva?. Estou berrando este artigo e compare?aqui como quem vai ?elegacia declarar-se v?ma de uma pilhagem. Retorno ?em?ia das novidades que afetar?os h?tos ortogr?cos de 230 milh?de pessoas. Convenhamos! Seria perfeitamente aceit?l o inc?o se, por exemplo, varia?s fon?cas ocorridas ao longo dos anos tivessem posto a linguagem escrita em desacordo com a falada. Mas isso, onde aconteceu, n?est?ontemplado na reforma. Tamb?seria aceit?l se a grafia em vigor at? dia 31 estivesse eivada de irracionalidade, constituindo-se em embara?para a alfabetiza? e para o ensino do idioma. Mas n? Bem ao contr?o. Imagine, leitor, crian? que estejam cursando as primeiras s?es do fundamental. Ano passado aprenderam de um jeito, agora ter?que desaprender e voltar a aprender. “Mas vem c?‘psora’ – dir?elas – voc?n?se entendem?”. Pois quanto mais me empenho em entender, mais aumenta minha irrita?, compartilhada por in?as pessoas que me informam sua decis?de continuar escrevendo do mesmo jeito. Invejo-as, mas estou profissionalmente impedido de acompanh?as nessa opera?-padr? “Cui prodest?”, perguntariam os criminalistas se estimulados a investigar as motiva?s da “disgramada” (eis a?ma palavra que deveria entrar para o dicion?o) reforma ortogr?ca. “A quem aproveita” o acontecimento? Ontem, enquanto um programa de televis?mostrava editoras de livros did?cos rodando exemplares com a nova ortografia, discerni alguns benefici?os. Pois que se regurgitem nos ganhos. Ali? neste Natal, entre os presentes que recebi, estava um dicion?o com a nova ortografia. Tenho dezoito e preciso de um novo. Eu mere? N? ningu?merece. Especial para ZERO HORA 04/01/2009