• Percival Puggina
  • 12/12/2014
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DA CORRUPÇÃO FINANCEIRA À CORRUPÇÃO DA HISTÓRIA

 Quando a nação fica sabendo que os muitos escândalos da Petrobras são apenas alguns dentre muitos outros, nascidos no seio fértil do governo recém reeleito, a Comissão da Verdade chega, célere, em seu socorro. Veio a lume, ontem, o relatório final. Sai da pauta a corrupção financeira e entra na pauta a corrupção da história.

 Imagine, leitor, que durante o governo Sarney, fosse deliberada a criação de uma Comissão da Verdade com o objetivo de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura de Getúlio Vargas, "a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional". Foram muitas e graves as violações. E a nação, decorridos, então, 40 anos da ditadura de Getúlio, se agitava indormida e irreconciliada ante a tenebrosa lembrança dos abusos cometidos por Felinto Müller e seus asseclas.

Avancemos, com nossas suposições. Para compor a Comissão e desenvolver o histórico trabalho, o governo Sarney nomearia sete membros, escolhidos a dedo entre os remanescentes parceiros mais leais de Carlos Lacerda. Tudo gente da velha e combativa UDN.

Uma tal comissão, não fosse apenas fruto de imaginação, concebida para compor o raciocínio que exponho neste texto, seria um disparate, um destampatório, motivo de gargalhadas, porque existem bibliotecas inteiras, centenas de trabalhos acadêmicos a respeito da Era Vargas e da ditadura getulista. Ninguém precisaria então, e não precisa ainda agora, de uma comissão para descrever o período e, menos ainda, de uma versão oficial dos fatos de então, narrados por seguidores de seu maior adversário.

Acho que não preciso desenhar para ser entendido. A atual Comissão Nacional da Verdade era tão necessária quanto seria a CNV sobre Vargas ao tempo de Sarney. Não é assim que se faz historiografia. Versões oficiais são próprias de regime totalitários. Nas democracias, abrem-se os arquivos para que os pesquisadores pesquisem e para que os historiadores escrevam, emitindo suas opiniões em conformidade com o conhecimento adquirido e à luz dos respectivos critérios. E já há centenas de trabalhos feitos. A nação custeou uma comissão que não deveria ser criada, cujo objetivo foi o de transformar comunistas terroristas, sequestradores, guerrilheiros, assaltantes, homicidas em "heróis do povo brasileiro", lutadores por uma democracia que odiavam com o furor ideológico. Com o mesmo furor ideológico que motivou a luta armada dos comunistas, no mundo inteiro, naquele período da Guerra Fria, infelizmente muito quente por estas bandas. Passado meio século, muitos dos reverenciados pela CNV estão no poder e persistem nos mesmos afetos ideológicos e na mesma aversão à democracia representativa. Seu apego aos direitos humanos acabam quando visitam Cuba ou Caracas, ou quando elogiam a tirania comunista na Coreia do Norte. Quanto ao mais, tortura é crime odioso, terrorismo é crime odioso, comunismo e ditaduras são regimes odiosos e a anistia, ampla, geral e irrestrita, foi pedida pelos que hoje a querem revogar.

O trabalho dessa Comissão é leviano, violador da lei que a criou, mal intencionado, revanchista. E é o equivalente, em colarinho branco e bem remunerado, do popular linchamento.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 


Dênis Girotto de Brito -   14/12/2014 22:27:24

A Comissão da Meia-Verdade veio a calhar num momento em que o governo precisa reaver sua credibilidade abalada por tantos escândalos e instabilidade econômica do Brasil. Uma comissão que tenta elevar os guerrilheiros comunistas aos pedestais do heroísmo, incriminando o setor de direita e demonizando o papel militar no período de ditadura. Uma comissão que tenta reescrever a história à sua maneira.

André Carvalho -   14/12/2014 17:41:31

Discordo respeitosamente, sr. Puggina. O relatório pode até ter sido parcial - não, sei, não o li, e acho difícil digerir 4.000 páginas em poucos dias - por não dar ênfase às atividades subversivas no período, mas as reais responsabilidades daqueles que foram referidos no relatório como torturadores e assassinos devem ser mitigadas por isso? Se o documento mostrou como se torturou e matou durante a ditadura, então, acho que fez bem e cumpriu boa parte de sua missão. E oxalá surjam relatórios como esses sempre, assim como nos Estados Unidos, cujo Senado acabou de divulgar suas impressões sobre as torturas em Guantánamo.

Leonardo X -   14/12/2014 01:05:12

Irrefutável. Mas creio não será nenhuma ousadia prever que o próximo passo dos revanchistas será dado para uma expiação explícita das Forças Armadas pelos crimes hediondos que, na mente doentia dos comissários bolivarianos, vitimaram nossa gente patriótica, representada pelas congregações cristãs da ALN, VAR-Palmares, Polop, Colina e outros de menor expressão no teatro do confronto das forças do bem contra a encarnação do mal.

josé P Maciel -   14/12/2014 00:32:25

Vendo e ouvindo o sr.Marco Maia relatar as conclusões sobre a CPI da Petrobrás,com sua cara de mentiroso-embusteiro, de puxa-saco,em mim provocou repulsa -nauseante.As conclusões dessa espúria Comissão:-nada de maior,falta de provas concludentes,retomar talvez ano que vem... E assistir o espetáculo da presidenta e assessores apresentarem o chamado Documento da Verdade Histórica, uma cortina de fumaça se espalhou pelo ar,tentanto esconder as verdades que "ofendem o orgulho dos brasileiros",tal a gravidade da corrupção generalizada.A presidenta chorou muito,coitada... Chora a Nação! diante de fatos e relatos que crescem dia após dia .É priciso salvar a honra do Brasil!Confiamos em 2015.Que as ruas falem, se necessário!

armando fialho fagundes -   13/12/2014 19:08:50

Subscrevo integralmente

Sérgio Alcântara, Canguçu RS -   12/12/2014 20:26:57

Nada a comentar, só a compartilhar. Pena que no parlamento, nossos "digníssimos" representantes, provavelmente, não farão o mesmo e deixarão, como é de praxe, mais uma brilhante elucidação acerca da atual realidade do país, ficar restrita ao universo dos que procuram enxergar a política com amplitude e criticidade.

Mario -   12/12/2014 12:56:58

Nada a acrescentar. Brilhante!

Bruno Tonelli -   12/12/2014 12:26:50

Concordo integralmente com teu texto, e fico igualmente preocupado com as besteiras que temos que ouvir, diariamente, sendo o caso de ressuscitar Stanislaw Ponte Preta, e seu Febeapá - Festival de Besteira que Assola o País - tamanhas as bobagens a que somos submetidos.