• Percival Puggina
  • 06/05/2023
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Como sobrevivem os totalitarismos?


 

Percival Puggina       

         Há vinte e dois anos, embarquei num trepidante Tupolev da Cubana de Aviación e fui a Havana conhecer de perto a realidade do país mais declaradamente comunista da América. Naqueles dias, quase tudo que se ouvia a respeito era propaganda feita por dedicados camaradas tagarelas da esquerda patropi. O longo período de relações diplomáticas cortadas fizera de Cuba um destino de difícil acesso para brasileiros entre 1964 e 1986 e, mesmo depois, pouco atraente em meio às muitas alternativas caribenhas. No desconhecimento, a propaganda prosperava.

As experiências dessa viagem e minhas observações deram origem a outras visitas e às duas edições do livro A Tragédia da Utopia (2004 e 2019). Os relatos que fiz foram contundentes e refletem sentimentos que experimentei e testemunhei sendo vigiado e abertamente filmado pelo Estado após contato com dissidentes. Devo reconhecer, porém, que os fatos em nosso país, nos últimos cinco anos, me abrem novos ângulos para compreender a passividade conformista do povo cubano e os caminhos pelos quais andamos aqui no Brasil.

Nunca pensei que isso fosse acontecer! Ao contrário, sempre que embarquei num avião em Cuba para retornar ao Brasil, eu o fiz com alívio e comiseração por aquele povo. Era motivo de alegria voltar à minha terra, onde havia apreço à liberdade dos cidadãos.

Desgraçadamente, observando a realidade nacional, percebo hoje tanta semelhança com aquilo que vi e vivi em Cuba! Aos que temos apreço pela liberdade não nos falta qualquer daquelas sensações que tinha como tipicamente cubanas: medo do Estado e autocensura, descrédito e repulsa às instituições, insegurança em relação aos próprios direitos e garantias, ausência de alternativas. Aqui no Brasil, o Estado deixou de servir a sociedade para estabelecer sobre ela um senhorio que intoxicou a democracia. Bem ou mal tínhamos algo parecido com isso, mas ela foi destruída por hábitos que a corromperam moralmente.

Como em Cuba, nenhum crime real recebe tratamento tão brutal quanto os subjetivos “crimes” políticos. Muito mais do que em Cuba, aqui “o amor venceu” e a vingança está no ar. O parlamento cubano, como se sabe, só tem um partido, o do governo. Já em nosso Congresso há muitos partidos, mas, para desgraça da sociedade, está encaixado num quadrilátero. De um lado, opera o balcão onde o governo faz bilionárias ofertas públicas para obter votos; de outro, as exclusivas e legítimas competências legislativas do parlamento  são ameaçadas pelo STF e pelo governo; de outro, ainda, é marionete dos presidentes das duas casas, que usam e abusam de suas atribuições regimentais para prestígio próprio junto ao governo e ao STF; de outro, por fim, na comunicação com a sociedade, o Congresso convive com uma imprensa que, mediante silêncios e palavras, por vassalagem ou ideologia, serve aos outros dois poderes.  

Nunca imaginei que o jornalismo brasileiro, com seus poderosos veículos, fosse ficar, em sua essência, tão parecido com o Granma, o miserável pasquim do governo cubano! Ele e seu filho único, o folheto Juventud Rebelde (que Deus os perdoe pelo cinismo), cumprem a tarefa de dizer à sociedade o que Comitê Central do Partido Comunista quer que ela saiba e pense. Aqui temos muitos veículos de grande porte, mas é como se tivéssemos apenas um. Por isso, as redes sociais são tão importantes e há tal afã em silenciá-las.

Eis, pois, a essência permanente dos totalitarismos: estado impondo medo, punindo com intenção política e transpirando vingança; parlamento corrompido ou assustado (os bons e valentes em franca minoria); comunicação social controlada, comprada ou censurada. Nos totalitarismos, é desnecessário dizer, mas aí vai: sempre há um poder que nunca perde para que a sociedade jamais se imponha.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


julio cesar da silva -   09/05/2023 22:29:33

pena que a população (maioria) não consegue ler este artigo, pobre Brasil...

Tânia Drumond -   09/05/2023 21:20:56

Professor, o que fazer num país onde as massas são mantidas ignorantes para poderem ser usadas, e onde a classe média em sua maioria ê omissa? Acrescentando-se o fato de jamais termos tido uma verdadeira oposição (somente de esquerda), para defender uma população que não sabe fazê-lo? Se considerarmos ainda que nossas FA se negam a cumprir sua missão de manter a lei e a ordem, e traíram a nós e ao único presidente que ousou enfrentar o sistema e nos dar esperança, pergunto-lhe novamente, o que fazer?

Aristides Paulo Bezerra leite -   09/05/2023 17:59:58

E tudo foi desenhado conforme acertos falsos,o poste fez xixi no cachorro e o caminho é rumo ao cativeiro.

Gisele Rodrigues -   09/05/2023 16:06:55

O que me assusta é: o povo é cúmplice do que está aí ? Elegendo um corrupto e mentiroso contumaz. Ou as urnas foram fraudadas?

Rubilar J.Bernardes -   09/05/2023 15:50:57

Professor, os comentários a esse texto, despertou em mim um sentimento de aniquilação total de nossa pátria. Quem ouviu o tal ministro da justiça (em minúsculo mesmo) deste desgoverno, fica completamente plasmado com o que aquele individuo disse. Será que não temos ninguém que possa salvar este País e seu povo?

Carlos Eduardo Medeiros -   09/05/2023 12:34:19

e triste mas a realidade está aí bem descrita por quem tem o dom da caneta

Ivani Lima -   09/05/2023 11:46:30

continuo aprendendo com seus artigos e testando meu estado de espírito que também trabalho em fortalecer.

RENATO DINIZ BRANDÃO -   08/05/2023 19:56:41

Quem sou eu para dizer alguma coisa. Digo apenas que está perfeita! Como sempre. Parabéns!

Marilia Coleta -   08/05/2023 16:11:57

Estive em Cuba para participar de um congresso há mais de 30 anos atrás e as minhas impressões dariam páginas e páginas de comentários negativos, desde a falta de comida, de roupas com a mínima qualidade, de liberdade para o cidadão entrar onde quisesse e o assédio ao turista para comprar dólar, comprar nosso tênis ou nossa caneta Bic. Como turistas fomos vigiados, pegaram nosso passaporte a pretexto de confirmar os vôos, só podíamos tomar o "táxi do turista", ônibus nem pensar, a carne do hotel all inclusive era racionada (solamente uno), a cerveja Heineken era só para turista e "solamente dos", na TV só havia o canal do governo com propaganda deles e o canal do turista . Como psicólogos não nos deixaram folhear livros na livraria, onde havia um segurança armado. Enfim, de positivo tinha a praia de Varadero, sem cerveja nem nada .

Carlos Martinez Bachiller -   08/05/2023 10:37:45

Parabéns ótima explanação

Menelau Santos -   08/05/2023 10:31:09

Professor, seu artigo é arrepiante, mas é a verdade. Arrisco dizer (Tom Jobim dizia, bem humoradamente, que uma coisa prazerosa é falar sobre aquilo que não entendemos) que não temos mais lideranças conservadoras. 08 de janeiro, pra mim, é um exemplo disso. Acompanhei o Professor Olavo de Carvalho desde 2009. Como ele e outros que ele apresentou (inclusive o Sr.) descobri como a esquerda opera na teoria. Durante o governo Bolsonaro vi como eles operam na prática.

Ricardo Sierban -   08/05/2023 10:27:54

Percival, agradecimentos ao senhor, por entregar gratuitamente este conteúdo que é um primor. Hoje só quero que este pesadelo (PT) acabe e que Deus abençoe o Brasil, entendo que foi necessário para que as máscaras caíssem por completo.

Edgard Mondadori Filho -   08/05/2023 10:25:01

Caro Puggina, vc coberto de razão, como sempre. Até onde irá essa escalada da insensatez? Onde estão os homens públicos do Brasil, assistindo impávidos um estado que se abastarda e apequena a olhos vistos? Quem será nosso Cícero a bradar contra Catilina nos degraus do Capitólio? Até quando vão testar nossa paciencia? Falai, mestre. Abr.

Cleuza dos Reis, Este -   08/05/2023 09:47:29

Sei disso mas há milhões de trabalhadores que são analfabetos funcionais que mesmo enxergando a verdade não conseguem entendê-la. Creio que morrerei antes e não tenho esperança de ver meus filhos e neto convencidos disso!

Vitoria Silveira Leonardi -   08/05/2023 08:13:41

Realidade assustadora.

JUD ROMELLO -   08/05/2023 07:52:47

Eis aqui estampada a força do amor ao país e ao seu povo. Parabéns, professor!

DIMAS NASCIMENTO -   08/05/2023 07:39:11

Nossa realidade é triste, e reversível, porém o tempo torna-la-á mais custosa.