A NOVA MORAL DO MUNDO - Olavo de Carvalho
Menos de duas d?das atr? o mundo horrorizava-se ao saber que o governo chin?punia severamente os m?cos e outros agentes de sa?que, por motivos morais ou religiosos, se recusassem a praticar um aborto. Agora, um projeto de lei do governo Bush que visa a proteger esses profissionais contra discrimina?s nos EUA ?ecebido com express?de horror e protestos carregados de ?, mostrando que, para a opini?dominante da grande m?a americana, n?pensar como um comunista chin?tornou-se um defeito moral insuport?l, uma virtual modalidade de crime hediondo.
Houve ?cas e situa?s quase paradis?as, nas quais os termos direita e esquerda podiam designar t?somente diferen? de ?ase – ou de estilo – dentro de um cen?o pol?co normal e est?l fundado na devo? comum ?iberdade e ?rdem p?ca. ?uma ilus?perigos?ima acreditar que essa direita e essa esquerda possam existir hoje em qualquer pa?do mundo. Tal como previu Anatolyi Golitsyn, ?ueda da URSS seguiu-se, n?a extin? do movimento comunista, mas a sua expans?irrefre?l em escala mundial, com um perfil mais difuso encobrindo uma viol?ia e uma intoler?ia redobradas. Hoje em dia, s?que h? a esquerda revolucion?a, cada vez mais arrogante e prepotente, cada vez mais extremada nas suas exig?ias de transforma? radical, cada vez mais impaciente com qualquer relut?ia do advers?o em ceder-lhe sem discuss?a totalidade do terreno pol?co, social, moral e cultural. A distin? entre esquerda moderada e esquerda radical ?oje, em toda parte, nada mais que um instrumento cir?co com que se extirpa da sociedade o que possa restar de direita, colocando-se em lugar dela os esquerdistas “moderados” e concedendo, mesmo a esses leais companheiros, cada vez menos espa?para o que quer que ultrapasse os limites do fingimento ?.
A muta? afetou profundamente os pr?os direitistas remanescentes, obrigando-os a ajustes e acomoda?s imposs?is, dos quais emergem cada vez mais desfigurados, acovardados e debilitados, for?os a pedir desculpas pelos princ?os e valores que ainda ontem lhes pareciam sagrados e inegoci?is. Se diss?emos, quinze anos atr? que o direito ?bje? de consci?ia seria varrido da face da Terra e que nem mesmo o governo da na? supostamente mais livre teria o poder de defend?o no seu pr?o territ?, ser?os considerados loucos furiosos com mania de persegui?. Hoje, quando essa transforma? macabra se desenrola diante dos nossos olhos, aqueles mesmos que ontem nos chamavam por esses nomes s?os primeiros a acomodar-se covardemente, j??nos rotulando de paran?s, mas de rebeldes, desajustados e at?esmo terroristas.
Na medida mesma em que o r?do e esquem?co perfil ideol?o do comunismo sovi?co se descaracterizou at?iluir-se por completo, o radicalismo mais violento e intolerante p?se apossar livremente de toda a esquerda mundial, aproveitando-se da sonsa estupidez de um advers?o que j??consegue reconhecer a presen?comunista nem mesmo quando ela se apresenta explicitamente com esse nome, agitando bandeiras vermelhas e exigindo a supress?imediata do livre mercado, da liberdade de consci?ia, da religi?e de tudo quanto pode tornar a exist?ia terrestre suport?l.
O espa?para a defesa desses valores e princ?os diminui a olhos vistos e as tentativas mais honestas de descri? objetiva desse estado de coisas s?cada vez mais estigmatizadas como express?de fanatismo ideol?o, ao passo que o aut?ico fanatismo, com todo o seu policialismo cego e intolerante, ?ada vez mais aceito, mesmo entre os que o odeiam, como fatalidade natural e irrevers?l, contra a qual s?ucos ousariam continuar lutando.
Desde que compreendi que a l?a revolucion?a ?ma invers?psic?a dos dados da experi?ia, venho sendo cada vez mais for?o a admitir que a expans?do seu dom?o sobre as mentes humanas n??m fen?o s? ordem pol?ca, j?ue afeta todas as dimens?da vida, e n??em mesmo uma crise da civiliza?, pois n?h?iviliza?, cultura ou sociedade que hoje escape ?ua infec? galopante. ?um fen?o de propor?s planet?as, uma crise antropol?a que se manifesta sobretudo pela perda coletiva, em velocidade alucinante, das capacidades intelectivas mais elementares, substitu?s pela dupla e complementar embriaguez passional do ? camuflado em belos ideais e do terror p?co travestido em prud?ia, sabedoria e at?st? maquiav?ca.
A pressa sol?ta e obscena com que os mais amea?os pela situa? arrumam pretextos para fingir que tudo est?ormal, que a modera? e o direito imperam, que n?h?enhuma transmuta? revolucion?a em marcha e que os dem?s do fanatismo s?apenas recorda?s de um passado extinto, ?la mesma a prova de que sabem que est?mentindo para si pr?os, t?paralisados de terror que j??ousam erguer os olhos para ver a imensid?do perigo que os cerca.
Neste momento em que, sob o pretexto c?co de “mudan?, os mastodontes da era Clinton v?voltando todos alegremente ?asa Branca, n??espropositado comparar os dois fins de governo, o de George W. Bush e o de seu antecessor. Enquanto Bush devota os seus ?mos dias na presid?ia ?efesa da liberdade de consci?ia religiosa contra o dogmatismo feroz dos abortistas ortodoxos, Clinton aproveitou seu fim de festa para retribuir velhos favores de campanha, libertando da pris?o estelionat?o Marc Rich e os agentes da espionagem at?a chinesa que ele n?tinha, malgrado todos os seus esfor?, conseguido proteger contra os olhares intrometidos do FBI. Alguns jornalistas reclamaram um pouco de Clinton, na ocasi? mas n?despejaram sobre ele um cent?mo da f? que agora se volta contra o projeto de Bush. A diferen??ais que simb?a, ?id?ca.