Quando leio a Lei de Abuso de Autoridade, recheada de subjetividade e desapreço à persecução penal, tenho, sempre, a impressão de “ouvir” o texto na voz de Renan Calheiros. É uma lei feita para inibir o trabalho de quem combate o crime. Aliás, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal dão a impressão de não terem aprendido a lição das urnas e das ruas que clamam por um basta à impunidade.
A impunidade é um mal histórico entre nós. Notadamente quando os crimes são praticados pela elite, pelos de alta linhagem, pela nobreza. Era assim nas Ordenações Filipinas, que vigoraram de 1603 a 1831, mas provieram de uma cultura que influenciou negativamente durante quatro séculos a persecução penal no Brasil. Creio que em nenhum outro lugar do mundo se aplicou com tamanha largueza e se repete com tanta frequência a frase de Orwell em A Revolução dos Bichos: “Os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais do que os outros”.
Por isso a Operação Lava Jato recebeu grande destaque e admiração da opinião pública nacional e internacional. De repente, o Brasil passou a punir os bandidos da elite, os de colarinho branco! Crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha haviam feito sumir bilhões de reais em recursos públicos. Os autores desses crimes passaram a responder por eles e, mesmo defendidos pelos mais dispendiosos escritórios de advocacia do país, foram sendo condenados e presos.
Fora do âmbito da Lava Jato, porém, a cultura da impunidade persiste firme sobre suas raízes históricas. Vem daí a reação do STF e do Congresso Nacional. Aliás, já há algum tempo, essa cultura transbordou as elites e se estendeu sobre as mais variadas classes sociais. Por assim dizer, “democratizou-se”.
Nos cursos de Direito, propagou-se um arrazoado ideológico que, removido o entulho meramente retórico, fica assim: 1) o rico não é preso, então, o preso é preso porque é pobre; 2) o pobre é vítima do rico opressor; 3) construir penitenciárias, manter alguém preso, é atender desejos de vingança da sociedade opressora. Nesse lero-lero, quem está preso deveria estar solto e quem está solto deveria estar preso. Você e eu, leitor, estamos apenas aguardando em liberdade a citação para nosso julgamento político-ideológico...
As urnas de 2018 deram um recado forte às instituições nacionais. É visível o fato de que elas estão desprezando esse recado que precisa ser reativado com a pressão das ruas e das redes sociais sobre congressistas e ministros do STF. É preciso expô-los e deixá-los ao desabrigo com suas convicções de conveniência.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
João Cleucio Nogueira Lima - 25/12/2019 09:33:30
Bom dia, Percival ! Muito verdadeiro, como sempre, em seus artigos, expondo, como ninguém, um pragmatismo fácil de ser entendido. Penso que já é passado a hora de "alguém" ter uma iniciativa para mudar esse estado de coisas. Não sei aonde vai parar a Impunidade dos Fidalgos. Penso que a única solução é a substituição de membros do STF; agora como fazê-la é complicado, talvez uma medida de força sem comprometer a "tal" democracia tupiniquim praticada no Brasil.PARANAÍSO MADEIRAS LTDA - LEOCIR LUIZ ROSA. - 12/12/2019 19:52:16
Pressão das ruas ajuda, mais não vai resolver. Resgatar a Alta Cultura é urgente. Começar uma mudança, leva tempo e preparo de pessoas que possam se sacrificar para o bem comum. Quem fará isso? Sinto uma certa angústia quando vejo meios de comunicação influentes aparelhados e dominados pela falta de compromisso com a verdade. Justamente de onde poderíamos esperar melhora. Nossa ferramenta de grito e denúncia, são as redes sociais, até quando? Por isso, quando posso, divulgo e contribuo com causas que possam ajudar. Parabéns Puggina por nos presentear com belos textos reflexivos e refletivos.Armando Ferreira Cabral - 12/12/2019 17:10:24
Cirúrgico.Paulo Bento - 10/12/2019 00:40:46
Mais que desprezando o recado dado nas urnas, o estamento burocrático está reagindo ao que considerou um ataque a sua posição de “donos do poder”. A cumplicidade da grande mídia tirou-lhe os resquícios de pudor que ainda tinha e o contra-ataque tem sido violento e cruel. Nesta batalha só pode haver um resultado, o fim do estamento burocrático nos moldes atuais ou a submissão do povo à condição de escravo.Décio Antônio Damin - 09/12/2019 12:52:35
Disse Tancredo Neves (ele que foi nossa esperança!): "Há um discurso para se eleger e outro para governar"! Por mais que nos prometam, sempre devemos "ficar com um pé atrás". Há 138 deputados envolvidos em processos e isso faz uma pressão muito forte! Essa imagem que tens do Renan Calheiros lendo esse projeto é ilustrativa do nosso ceticismo... Aguardemos "chiando" o desenrolar dos fatos!Luiz R. Vilela - 09/12/2019 09:41:49
Numa noite um cidadão acorda pela madrugada, e encontra dentro da sua casa, um ladrão. Numa atitude de defesa sua e da família, e também do seu patrimônio, ele se engalfinha com o invasor. O bandido consegue se desvencilhar da vítima e chama a polícia, com a acusação de o proprietário não ter colaborado e ainda posto a sua vida em risco. A do ladrão. A polícia vem e leva preso o dono da casa. Bizarrice? Surreal? Certamente é, porém o que aconteceu no congresso nacional, resguardada as devidas proporções, foi algo semelhante. Os acusados de crimes contra o erário público, chamaram a sua "polícia", ou seja, criaram uma lei que praticamente proíbe que sejam investigados, e muito menos ainda, condenados. Aprovaram um projeto de lei, do prontuário mais notório do senado, alguém que atende pelo nome de Renan Calheiros, que a bem da verdade, já deveria estar era preso. Mas esta solto, e legislando em causa sua e de outros também com sua características. Como desgraça pouca é bobagem, deu parceria no seu projeto, a um outro, que se houvesse exame psicotécnico para candidaturas políticas, jamais poderia ter sido candidato, o impagável Roberto Requião. Criaram com a cumplicidade do congresso nacional, a abominável LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE. Não deveriam ser eles os primeiros enquadrados na própria lei? Criar uma abominação destas, já não é um abuso de autoridade? Mas no faroeste brasileiro é o bandido que prende o xerife, ou então o ameaça com uma lei feita pela própria bandidagem, para se manterem soltos. Julgo que no Brasil, a política não melhor ou pior que o povo que representa, é a carteira de identidade do eleitorado, pois quando se vota em candidatos novos, para que sejam mudados os hábitos, em três meses, os novos já se "bacharelaram" nas artes da enganação, esqueceram correndo o que juraram que fariam depois de eleitos, e foram "sentar praça" no centrão. A tragédia continua e a "história" da confecção da PIPA, fica mais evidente. O supremo da o papel, o congresso da a linha, e o povo da o rabo. E assim coisas como ética, vergonha, honestidade e outras virtudes, são deixadas de lado, em nome do enriquecimento rápido e rasteiro e a qualquer preço. Haja cara de pau para estes senhores, e "saco" para aturar-lhes.Manoel Martins - 08/12/2019 18:24:00
A pressão das ruas e nas redes sociais não surte o menor efeito sobre ministros (sinistros) e congressistas. Eles não estão em nada preocupados com tais movimentos, notadamente os ministros, que não dependem do voto do povo para estarem onde se encontram e de onde só vão sair por decurso de prazo e com a polpuda aposentadoria de fazer inveja a qualquer mortal na face da Terra. Enquanto não houver um movimento físico pra valer, nada muda.Jorge Luiz - 08/12/2019 16:54:28
Tenho certo receio em pensar que com a substituição dos integrantes tanto do congresso quanto do STF tenhamos alguma mudança na situação, olhando para o povo com raríssimas exceções não vejo futuro melhor do que temos e tivemos nos últimos quinhentos anos, lamentável e triste mas é um fato !Odilon Rocha - 08/12/2019 14:21:34
Caro Professor Certeiro como um exímio arqueiro. Robin Hood coraria de inveja. Creio que o país vá se arrastar nesse tenebroso mister por longos anos, ainda, até que os que batem palmas - na realidade, os agentes propulsores dessa tresloucada situação - se aposentem do péssimo serviço que prestam à Nação, ou aquela senhora de preto, com a foice na mão, venha chamá-los.Renata Cruz - 08/12/2019 13:57:08
Percival , perfeito!Obrigada pelas sábias palavras