• Percival Puggina
  • 20/02/2025
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A esperteza se fantasia de burrice

 

Percival Puggina

           Todos os males destes dias têm uma causa esquecida.

Ao longo de décadas, por centenas de vezes, observei certas decisões políticas serem criticadas como “burrice”. Tal juízo sempre me pareceu precipitado. Mandatos eletivos podem ser obtidos por pessoas despreparadas, de fala tosca e inadequada, desonestas, oportunistas, mas burras, raramente serão.

O que mais tenho observado é a esperteza se fantasiar de burrice e passar a trote, zurrando. Pense, por exemplo, na Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Estava concebida para ser exclusiva, ou seja, os eleitos fariam a nova constituição e iriam para casa. Não disputariam um mandato parlamentar na Câmara ou no Senado. Era uma condição importantíssima, pois faria com que os eleitos para escrever a Constituição tivessem em foco apenas a elaboração de uma Carta para o melhor futuro da nação brasileira. A opção por uma constituinte congressual fez seus membros priorizarem um melhor futuro político para eles mesmos.

Foi assim que a esperteza preservou a cabeça de burro enterrada no centro do ordenamento político nacional desde a proclamação da República. Por isso, temos uma Constituição com tantos direitos e tão poucos deveres. Por isso, estamos submetidos ao pior sistema eleitoral do mundo. Por isso, pagamos os custos populistas do presidencialismo. Por isso, o voto distrital (um modelo mais sábio) sequer entra em discussão, posto que com ele extinguiria a confortável distância entre o representante e o representado. Por isso, as dinastias se sucedem carregando pelo tempo costumes da Casa Grande. Por isso, as emendas parlamentares se formalizam como “instrumento da governabilidade”. Por isso, custeamos muitos partidos de poucas ideias. Por isso, nossa permanente instabilidade econômica, política e jurídica.

Por isso, também, a PEC que acaba com o foro especial por prerrogativa de função – “o foro privilegiado” – teve aprovação unânime pelo Senado há sete anos, mas jaz em total abandono na porta do plenário da Câmara dos Deputados. Nenhum presidente a põe em votação. Aquela unanimidade no Senado de 2017 não foi um mérito, mas uma vergonha! Os senadores sabiam que a Câmara jamais acolheria a batata quente que lhe repassaram e ninguém mais lembra que a crescente impopularidade do STF tem origem nessa esperteza. Os senadores continuam aprovando, em inúteis “sabatinas” para inglês ver, as mais absurdas indicações feitas pelos governos para a corte.

Agora, os supremos olham com preocupação para a eleição do Senado em 2026. Tudo indica que uma provável nova maioria possa dar um basta à “vertiginosa ascensão política” do STF, fazendo que ele volte a ser o que lhe corresponde como poder judiciário: poder inerte e imparcial, agindo apenas quando provocado.

O vigor da democracia vem da qualidade das escolhas e da proximidade entre o representante e o representado. Os verdadeiros disparates que hoje desativam freios e contrapesos constitucionais se devem à ruptura da comunicação entre representantes (eleitos) e os representados (eleitores). Para quem não lembra, estes últimos, não por acaso, são a fonte de onde emana todo poder.

Boa parte do mundo civilizado faz eleições distritais. São menos burros? Não! Eram melhores as intenções de quem fez as regras.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


Rodrigo De Moraes Filho -   21/02/2025 14:06:21

O número de Emendas, que ja recebeu nossa Constituição, já é um indicativo de que ela , há muito tempo, deixou de ser um guia incontestável, de nossos costumes. O certo seria substituí-la por Outra, menos prólixa, elaborada por juristas , isentos de partidarismos e, preocupados , de fato, com os destinos desse País. Um bom modelo a seguir, é o americano, onde está disposto tudo o que NAO PODE, para eliminar delongas e, interpretações espertas.

Carlos Eduardo Medeiros -   21/02/2025 09:58:11

Acertastes na veia. Isso me deixa mais triste ainda porque a solução é cada vez mais distante. Abraço

Franco Mammarella -   20/02/2025 21:03:15

Professor, durante algum tempo eu acreditei na burrice da maioria dos políticos. Mas há muito tempo me convenci que são mesmo é mal intencionados.

Waldo Adalberto da Silveira Jr -   20/02/2025 20:28:20

Nosso voto em dois senadores altamente qualificados é de suma importância para uma limpeza em regra no STF. Mas não basta votarmo9s corretamente, temos ainda que divulgar o nome daqueles que são ótimos, porque se deixarmos ao Deus dará, a esquerda e os corruptos indicarão nomes que continuarão a infelicitar o Brasil

DAGOBERTO LIMA GODOY -   20/02/2025 18:43:47

Peço licença para subscrever essa bela peça de ci~encia política aplicada.

Carlos Alberto Jungblut -   20/02/2025 15:31:49

Perfeito Puggina.