Percival Puggina
Indo outro dia ao centro de Porto Alegre, passei por uma avenida cujo nome, em respeito aos moradores, não vou enunciar. Apenas o sol de verão e os pedestres suprimiam do cenário o aspecto de abrigo de zumbis. Restolhos da economia que a gente iria ver depois, as portas do comércio fechado pareciam mordaças e gritavam em silêncio. Deprimente sequência de prédios recobertos por esse destilado da miséria cultural do país que são os pichadores tornava o cenário ainda mais desolador.
Poderia ir a outras partes da cidade e veria são serem muitas as que escapam à sanha destrutiva desses habitantes da noite, tratados de modo condescendente pela legislação e pelas autoridades. Tudo se passa e se repete como se o que fazem não constituísse grave lesão ao patrimônio privado e público e não agredisse a população inteira da cidade.
Enquanto percorria aqueles sucessivos quarteirões até chegar ao centro, lembrava-me da Serra Gaúcha, de seu charme e do diálogo que travei, há muitos anos, com uma senhora moradora de Nova Petrópolis. Perguntei a ela como se explicava o fato de todos os jardins das casas estarem primorosamente cuidados, conferindo às ruas e à cidade aquele visual florido e atraente. Ela me respondeu: “Quando a xente passa por um chardin mal cuidado, diz pra dona: ‘A senhora é pem relaxada, non?’”.
Lembrei-me, também, de Garmisch-Partenkirchen, na Baviera, destacada atração turística por seus prédios cuidadosamente decorados com elaboradas pinturas que refletem a cultura regional.
Em março, Porto Alegre completará 250 anos de fundação. A cidade tem uma história, mas quantos a conhecem? Ninguém ama nem zela por aquilo que não conhece! O zelo e a preservação resultam da valorização da História e do patrimônio natural, de uma Educação que leve ao amor e não ao ódio, à construção e não à destruição. Ambos são beneficiados, também, pelo amor próprio, desenvolvido como elemento indispensável à promoção humana.
Nada disso, contudo, é incompatível com a punição dos maníacos da latinha de tinta spray. A prefeitura se esforça por embelezar a cidade, mas pouco pode contra estes inimigos da beleza, que talvez não saibam quase nada de coisa alguma, mas sabem que não devem fazer o que fazem com ela.
Em escala reduzida, a beleza que salvará o mundo, segundo nos ensina Dostoiewsky, também salvará a cidade. Quem a enfeia a condena.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Kleber Pinto de Oliveira - 01/03/2022 10:24:59
Caro professor, a trilogia elaborada pela Brasil Paralelo, denominada O Fim da Beleza, ajuda a compreender esse processo que estamos vivenciando da destruição dos valores estéticos.Zergui Pfleger - 24/02/2022 07:38:15
Quando a palavra "não" é ignorada em uma Família, o caráter da prole dificilmente deixará de sofrer percalços. Ainda que os bons exemplos nos atos e gestos dos progenitores sejam de boa índole, há retrocessos, disseminados pela TV, em escolas que contratam doutrinadores ao invés de professores e, em consequência, por meio das más companhias, além de, principalmente, por resultado de legislação inócua e/ou interpretação jurídica condescendente. A sociedade perdeu essa batalha, causada pela omissão, devido à acomodação e até pelo medo de impor-se ao status quo pernicioso; tornou-se submissa e impotente para reagir. E qual seria essa "reação"? TOLERÂNCIA ZERO, a todos os provocadores dessa situação.Roelof Rabbers Junior - 23/02/2022 18:18:24
Pode-se colocar um sapo num trono de ouro, que ele sempre pulará no lodo! Educação, do berço, que já é culturalmente de pouco entusiasmo, escolas etc, Tudo o Sr já publicou, meu apoio e melhoras p o Brasil!Menelau Santos - 23/02/2022 16:52:23
Professor, quem defende a Beleza, na minha modesta opinião, defende Deus. E a beleza está também em seus textos. Se me permite Professor, há um video muito interessante sobre este tema que é o "Por que a beleza importa" ou "Why beuaty matters" do Professor Roger Scruton. obrigadoSuellen - 23/02/2022 12:47:25
Obrigada, professor. Seus textos e vídeos me fazem muito bem.Jota Guedes - 23/02/2022 11:19:47
Caro Puggina, Creio que ainda não tenha visto a mensagem que te enviei recentemente e espero que possa ler alguns dos meus artigos sobre esse tema tão caro as nossas vidas: a beleza das nossas cidades. Espero que goste: https://urbanstudies.com.br/home/estetica/origens-antiesteticas-arquitetura-moderna https://urbanstudies.com.br/home/estetica/linguagem-das-transicoes-na-arquitetura https://urbanstudies.com.br/home/estetica/vernaculo-classico Abraços.Luiz Eduardo Paes Leme - 23/02/2022 10:47:07
Caro mestre, essa reclamação muito justa e oportuna é também a nossa e de todos os moradores e em todas as cidades do Brasil e reflete o descaso dos prefeitos para com a a urbe que prometeram governar. Tudo começa nas cidades pois é lá que os cidadãos vivem.Adriano Alves-Marreiros - 23/02/2022 09:22:57
Espetacular, Puggina! Sensacional! Adorei! Isso aí: firmitas, utilitas, venustas. VENUSTAS SEMPRE porque ela prosseguimento quando as outras duas acabam