Jorge Hernández Fonseca
Com a derrota do marxismo comunista, o atual campo político internacional passa a configurar duas áreas antagônicas: os nacionalistas e os globalistas. Os primeiros priorizam os valores nacionais sobre os laços externos, a exemplo do Reino Unido, que acaba de se separar da União Europeia, consciente de que seus valores nacionais não deveriam estar subordinados aos poderes centralizados por uma representação da "União", muitas vezes contrária aos seus interesses como Nação. Os globalistas (nada a ver com globalização) defendem a "unidade política" de vários países, buscando em última análise um "Governo Mundial".
Claro, existem nuances nesta classificação. A globalização comercial, por exemplo, é um fenômeno defendido e aceito por ambos os lados. A chave é a subordinação política implícita dos globalistas, que os nacionalistas rejeitam. Dito isto, vamos à guerra que Putin declarou contra a Ucrânia sob pretextos duvidosos, senão confusos.
Putin fez da Rússia um país nacionalista que preservou suas raízes históricas, culturais e religiosas e que proclama cultivar seus valores mais tradicionais, mas se posicionando como o centro político de toda a Eurásia, dentro de uma filosofia messiânica russa. Por esta razão, e apesar de ser reconhecido como um país nacionalista, acaba de declarar guerra a um vizinho por nenhum motivo maior do que a preservação de sua “segurança nacional” – entendida como garantia de que seu vizinho atacado não a colocasse em perigo – escondendo seu verdadeiro objetivo: conquistar para a Rússia o país vizinho. Nada a ver com o nacionalismo do século XXI e sim com uma perspectiva "imperialista" de despojar de seu território um país independente, por várias razões falaciosas.
Vejamos. A Rússia de Putin argumenta que grande parte do território da Ucrânia "sempre pertenceu" à Rússia czarista, mostrando sua pretensão imperialista hegemônica, que nada tem a ver com o nacionalismo do século 21 de que falamos antes. Se a Ucrânia existe como país independente, é porque a antiga União Soviética, num primeiro momento, exibiu ao mundo como novas “repúblicas”, partes da antiga União das Repúblicas Soviéticas; mais tarde, quando as diferentes repúblicas antes unidas na URSS se separaram, a Rússia teve participação ativa nas definições então feitas
Se a península da Crimeia era russa e não ucraniana, por que a própria Rússia a tornou parte da Ucrânia quando todas as repúblicas se separaram desde o início? O Mundo sabe de uma Ucrânia independente, com territórios que a Rússia nunca reivindicou: é a Ucrânia que foi membro da antiga URSS e a Ucrânia que se separou da URSS quando esta se desmantelou, que incluiu sempre a região de Donbas (agora reivindicada pela Rússia ) e a península da Criméia, anexada em uma guerra predatória há alguns anos. A Ucrânia é o que a Rússia decidiu que era quando a URSS foi desmantelada e agora, como país nacionalista, não pode reivindicar o que não é seu.
Putin, com esta guerra imperialista, coloca um obstáculo gigante para o nacionalismo como ideologia aceitável do século XXI. A única salvação para os nacionalistas do nosso século é acrescentar uma categorização adicional para impor à Rússia: "país imperialista", independentemente de ter ideias nacionalistas ou globalistas. Impõe guerra a seus vizinhos por objetivos territoriais ou de "segurança nacional" para esconder intenções hegemônicas. Se um Governo Mundial é questionável, pior é um Governo Mundial comandado pela Rússia, assim como proclamam os ideólogos russos que Putin segue.
* Os artigos deste autor podem ser consultados em http://www.cubalibredigital.com
** O autor é cubano, engenheiro mecânico, professor em várias instituições universitárias em Cuba e no Brasil, onde vive há 23 anos.