A Política Nacional de Participação Social – PNPS, tal como descrita no
Decreto 8243/14, tende a substituir o Congresso Nacional na representação
popular, para “fortalecer e articular mecanismos e instâncias democráticas
de diálogo” e em “atuação conjunta com a administração pública federal” da
“sociedade civil” (art. 1º), criar Conselhos e Comissões de políticas públicas
e sociais (artigos 10 e 11) eleitos pelo povo, objetivando auxiliar a
Secretaria Geral da Presidência da República (artigo 9º) a “monitorar e
implementar as políticas sociais” por eles definidas, com atuação junto às
diversas instâncias governamentais.
Num curto artigo, é impossível descrever e analisar o nível de força que se
pretende atribuir a instrumentos “populares”, na promoção com o governo,
das políticas que desejarem, sem a participação dos legítimos
representantes do povo, que são os senadores e deputados.
Como os Conselhos e as Comissões serão eleitos pelo “povo”, mas a eleição
não é obrigatória e o “povo” dificilmente terá condições de dedicar-se em
tempo integral, deixando trabalho ou ocupações diversas, para estar
presente nestas “eleições”, serão os “amigos do rei” os beneficiados pelas
indicações, que lá estarão presentes, num verdadeiro aparelhamento do
Executivo e redução do Congresso Nacional à sua expressão nenhuma.
Por pior que seja, o Legislativo é eleito pelo povo. Nele está contida 100%
da representação popular (situação e oposição). No atual Executivo, nem
50% do povo brasileiro está representado, pois a atual presidente teve que
ir ao 2º turno para ganhar as eleições.
Em outras palavras, pretende o decreto que a autêntica representação
popular de 130 milhões de brasileiros seja substituída por um punhado de
pessoas, que passará a DEFINIR A POLÍTICA SOCIAL DE TODOS OS
MINISTÉRIOS, INDICANDO AO EXECUTIVO COMO DEVE AGIR! 2
A linha da proposta é tornar o Congresso Nacional uma Casa de tertúlias
acadêmicas, pois os Conselhos e Comissões eleitos pelo “povo” serão
aqueles que dirigirão o país. Por exemplo, a Comissão encarregada da
Comunicação Social poderá determinar que o Ministério correspondente
imponha restrição de conteúdo à imprensa, a pretexto de que é esta a
“vontade do povo”, que será “obrigado” a atender aos apelos populares.
As políticas públicas e sociais não mais serão definidas pelo Poder
Legislativo, mas, por este grupo limitado de cidadãos enquistados nestes
organismos.
Estamos perante uma autêntica ressurreição, da forma mais insidiosa e
sorrateira, do PNH-3, que recebeu o repúdio nacional e, por isto, nunca foi
aplicado.
Às vezes, tenho a impressão, com todo o respeito que tenho pela figura da
presidente da República, que ela tem recaídas “guerrilheiras”. Talvez, a
“devoção cívica” que demonstrou nutrir pelo sangrento ditador Fidel Castro
– tão nítida no retrato exibido por todos os jornais, de sua recente visita a
Cuba – a tenha levado a conceber e editar esta larga estrada para um
regime antidemocrático. É que o decreto suprime as funções constitucionais
do Parlamento e pretende introduzir entre nós o estilo bolivariano das
Constituições da Venezuela, Bolívia ou Equador. Nelas, o Executivo e o
“povo” são os verdadeiros poderes, sendo – é o que está naquelas leis
maiores— o Legislativo, Judiciário e Ministério Público, poderes acólitos,
vicários, secundários e sem maior expressão.
Por ter densidade normativa própria, o referido decreto é diretamente
inconstitucional, ferindo cláusula pétrea da Constituição, que é a autonomia
e independência dos Poderes (artigos 2 e 60 § 4º, inciso III).
Espero que o Congresso Nacional repila o espúrio diploma, com base no
artigo 49, inciso XI, da Carta Maior, zelando, como deve, por sua
competência legislativa.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 79, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra