Best-seller nos EUA, Inglaterra e Alemanha, o livro “High Hitler” é mesmo ótimo. O título – um trocadilho genial – resume a pesquisa histórica do autor, o alemão Norman Ohler, ao longo de cinco anos. Na obra ele descreve como o uso de drogas por Hitler, pela cúpula nazista, por oficiais e soldados ajudou a levar às alturas o sinistro III Reich.
No início do século XX a Alemanha era líder do negócio mundial da heroína, vendida livremente como medicamento. Sua indústria farmacêutica também dominava o mercado de produtos à base de cocaína, tendo o Peru como fornecedor principal do insumo. Na época, a cocaína Merck medicinal era tão pura que concorrentes chineses falsificavam seus rótulos aspirando (opa!) conquistar uma fatia do mercado. O Tratado de Versalhes obrigou a Alemanha a assinar a rendição e o Acordo do Ópio da Liga das Nações. Mesmo assim, a produção alemã continuou firme e discreta.
A ascensão do Partido Nazista e as invasões dos países vizinhos via “blitzkrieg” – a guerra-relâmpago – assustaram o mundo. A fúria das tropas cruzando fronteiras velozmente sem descanso e ocupando territórios em poucas horas tinha explicação. Eram proezas movidas a Pervitin, nome fantasia dos comprimidos de metanfetamina que laboratórios alemães, sob encomenda do regime, fabricaram aos bilhões.
Pervitin – “a pílula da coragem” – turbinava militares contra o cansaço, o sono, o estresse. Civis também podiam adquiri-lo à vontade. Assim, levar no bolso a embalagem colorida virou mania nacional. “Carregadores do porto ganhavam mais força, bombeiros apagavam incêndios mais depressa, guardas-noturnos não cochilavam; enfermeiras davam plantões seguidos sem reclamar” – conta Ohler. Médicos ainda prescreviam Pervitin para “estimular a libido das mulheres afetadas pelas privações da guerra”. Doses menores eram dadas às crianças sob a forma de bombons.
Hitler, vegetariano fanático, abstêmio e – diziam – também misógino, adicionou à sua maníaca dieta injeções diárias de estimulantes e vitaminas. Em busca de novas energias, o führer logo viciou-se em cocaína, metanfetamina e opiáceos, ingredientes dos coquetéis do dr. Theodor Morell, seu médico particular e acompanhante permanente. Nos últimos dias do bunker, fisicamente abatido, deprimido e insone, Hitler tomava por semana algo entre 120 e 150 comprimidos e de oito a dez injeções. Acreditando ainda na vitória por meio de estratégias delirantes que inventava, tinha as veias dos braços iguais às de um drogado terminal.
A obsessão humana pelo trio poder, vigor e prazer a qualquer custo – incluindo o auxílio das drogas – continua valendo para os usuários atuais. E mais: o consumidor de hoje, ainda que se drogue vez ou outra “por diversão”, é cúmplice indiscutível do tráfico, do crime, da violência, dessa guerra sangrenta de nosso tempo.
Há pouco, resíduos encontrados nos esgotos das cidades do mundo ganharam manchetes. Biólogos italianos da universidade de Nápoles alertam que vestígios de cocaína, metanfetamina e outras substâncias tóxicas vêm aumentado nos rios, mares e oceanos, afetando peixes, aves, mamíferos, seus ciclos reprodutivos e constituições orgânicas. É mesmo diabólico.
Zurique mantém-se no topo da pesquisa mundial dos esgotos contaminados. Depois vêm Barcelona, Nova York, Londres, Amsterdã, Paris e outras metrópoles. No Brasil, os recordes pertencem ao Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Detalhe: os índices mais altos são registrados em sistemas coletores das áreas nobres, onde a população é mais rica. Tal fato talvez explique uma camiseta pretensamente chique que vi por aí. Nela se lia, em letras artísticas brilhantes, o leviano e arrogante slogan “Caviar & Cocaine”.
Egos inflados e seus sonhos insanos de poder, vigor e prazer eternos não ficaram restritos ao ideário nazista. Continuam matando gente – seja por tiro ou overdose.
* Publicado originalmente em O Tempo, 05/12/2019