É lugar comum dizer que as crises são também oportunidades, em especial para aprender. Vivemos a grande crise global do coronavírus e mesmo com toda a dramaticidade que envolve, ela também tem muito a ensinar. Caso este artigo passe alguma ideia de aclamação à pandemia, peço de antemão desculpas ao leitor, pois em minha quarentena também acompanho preocupado e com tristeza solidária todo o sofrimento pelo qual passa o mundo. Apenas quero marcar aqui uma notável e esperançosa lição, dentre as muitas que a tragédia trará no sentido de se evitar episódios semelhantes e de construir um mundo melhor.
A importante discussão sobre a questão da quarentena como medida a ser adotada no Brasil, passou pelo sim ou não, pelo total ou parcial, horizontal ou vertical e acabou colocando em posições antagônicas os conceitos de vida e de economia. Em uma versão simplificada das posições, de um lado colocam-se os favoráveis à quarentena total, aos quais justifica-se a paralisação da economia com o isolamento máximo da população, reduzindo a velocidade da contaminação para evitar sobrecarga e colapso do sistema de saúde e consequentemente salvar vidas. De outro lado, colocam-se os que defendem a garantia da continuidade da economia evitando crises de renda e de abastecimento da população, e de sobrecarga e colapso dos sistemas de segurança pública, com graves consequências sociais e políticas. Para os primeiros a economia é recuperável e as vidas não. Para os outros, a economia paralisada acarretará fome, miséria e convulsões sociais, adicionando número significativo de mortes às causadas pelo vírus. Para muitos apenas firulas políticas enroladoras, no entanto, envolvem formas diferentes de ver o mundo.
A visão holística foi um dos maiores avanços alcançados pela Humanidade e ela parte do princípio de que todas as coisas estão articuladas entre si, influenciando-se mutuamente. Nada existe de forma isolada no universo, mesmo que algumas coisas possam estar mais próximas ou mais distantes. Ainda mais um conceito tão complexo como o de vida que envolve tantas interrelações para sua existência. Continuando com o exemplo da vida que, apesar de dependente, não depende só da saúde, assim como, apesar de dependente, a saúde não depende só da medicina. Você pode gozar de plena saúde e ser atropelado por um carro, assim como o médico pode receitar um xarope adequado para uma criança, mas o barraco onde mora o pequeno é incapaz de protegê-lo do frio ou da chuva podendo levá-lo à morte com ou sem a medicação. Dois exemplos nas áreas da arquitetura e do urbanismo de como a vida pode ter outras dependências além da saúde e da medicina.
Aliás o ministro Mandetta abordou corretamente este assunto ao dizer de sua esperança de que após a passagem da pandemia, o Brasil mude a maneira de tratar suas cidades, atribuindo um novo valor ao planejamento urbano, com destaque, para ele, nas áreas da Habitação e do Saneamento Básico. Além das duas áreas citadas eu acrescentaria todas as demais, já que a cidade é o objeto holístico por excelência e não pode ser tratada por partes isoladas.
As ligações entre vida e economia são mais estreitas ainda e, sem querer exagerar, vêm desde o Livro do Gênesis quando Deus nos expulsou do Paraíso determinando que a partir daquele momento teríamos que viver (Vida) do suor de nosso próprio trabalho (produção, Economia)e até colocou um ou dois anjos com espadas de fogo impedindo-nos voltar. Findo o Paraíso, nada mais cai do céu e o trabalho é essencial à vida. Espero que as autoridades e a sociedade encontrem um meio termo entre as quarentenas “horizontais” e “verticais”. Mas tem que ser já.
* O autor é arquiteto e urbanista, é conselheiro licenciado do CAU/MT, acadêmico da AAU e professor aposentado