• Gilberto Simões Pires, em Ponto Crítico
  • 07/12/2019
  • Compartilhe:

PACOTE ANTI-VÍTIMA


XIX - 040/19 - 06/ 12/ 2019


EDITORIAL DE ONTEM
Ainda sobre o editorial de ontem, intitulado - IMPUNIDADE GARANTIDA-, no qual manifestei a minha opinião sobre o que resultou do Projeto de Lei -ANTI-CRIME- depois de ser apreciado pela Câmara dos Deputados, eis como, da mesma forma, reagiu o pensador Paulo Rabello de Castro, que preferiu apelidar, com total razão, como PACOTE ANTI-VÍTIMA.


FOMENTO AO CRIME
Por quase unanimidade (408 votos a favor, 9 contra, 2 abstenções) a Câmara acaba de aprovar o pacote que o autor, Sérgio Moro, chama de ANTI-CRIME. Mas podemos agora reapelidar como PACOTE ANTI-VÍTIMA.

Após 10 meses de protelações e de cocção do ministro mais emblemático do governo, a Câmara envia ao Senado um projeto de combate ao crime, DESFIGURADO E AGUADO. Os bandidos de hoje e de amanhã podem continuar numa boa; o problema do homicídio, do feminicídio, do infanticídio, do latrocínio, do eventual genocídio, tudo isso é azar das respectivas vítimas.

O texto é uma verdadeira POLÍTICA DE FOMENTO AO CRIME, que ficará impune até que transcorridas todas as inumeráveis instâncias que protegem o criminoso em detrimento do clamor universal por uma justiça firme, dura e eficaz.


MUDA SENADO
Cabe aos Senadores e Senadoras, em cujas mãos o moroso projeto passará a tramitar, a incumbência de RESSUSCITAR a intenção inicial do Ministro da Justiça, repondo o início do cumprimento da pena logo após a 2a instância, aumentando a pena máxima de 40 anos para a ela adicionar o número de anos estimados de vida ceifados da(s) vítima(s), o ressarcimento à família do assassinado por meio de trabalhos remunerados do homicida, e a supressão de regimes de progressão e outras facilidades escondidas na pastosa lei penal brasileira que apagam o caráter exemplar que deveria ter o castigo para quem mata, estupra ou desvia verba pública.

Há no Senado um movimento chamado Muda Senado que promete bater de frente contra a corrupção e a ineficiência. Alguns resultados práticos dessa militância política por uma pauta mais próxima ao que pedem as ruas já aparecem: na próxima 3a feira, dia 10, a combativa Senadora Simone Tebet pretende colocar em votação outra iniciativa em favor da prisão após segunda instância, sob o correto argumento de que o Congresso não pode virar as costas para o que o povo clama pelo Brasil afora.


SUSPEITO EM POTENCIAL
Mas as iniciativas boas caminham a pé enquanto os operadores da impunidade trafegam a jato. É uma guerra desigual e travada por poucos no Congresso. Fora de Brasília, a violência campeia. As polícias também praticam a própria lei, muitas vezes em atitude de se vingar do mal que elas próprias sofrem. Episódios como a morte de 9 jovens, enquanto fugiam da violência policial em Paraisópolis, São Paulo, testemunham o grau de agressividade gratuita atingido pelo atrito entre agentes da segurança pública e cidadãos em todas as maiores cidades do País. Nem se pode falar em cidadãos. Qualquer brasileiro comum virou um suspeito em potencial.


IMPUNIDADE GARANTIDA
Mas os criminosos confessos têm suas vidas dentro e fora da cadeia facilitadas por dispositivos legais apenas introduzidos para abrandar o cumprimento da pena, como se o peso da lei fosse um “erro” do legislador, a ser mitigado pelo magistrado. Se o delinquente tiver posses, a chance de mofar na cadeia por um grave delito é rigorosamente zero.

Como esperar que o delinquente em potencial anteveja uma pena rigorosa e tenha certeza de sua execução, quando todos os exemplos na sociedade parecem garantir a impunidade ou a comutação parcial do castigo? Pelo contrário: personagens, como a parricida Suzane von Hichthofen, frequentam as mídias sociais e acumulam seguidores anestesiados pela trajetória quase burlesca do seu precário cumprimento de pena, após haver premeditado o fim da vida de seus próprios pais. As vítimas estão há muito enterradas e esquecidas. Mas o criminoso vive bem, obrigado, e a lei, na prática, enaltece seu péssimo exemplo.


MORO ESTÁ SOZINHO
O ministro Sérgio Moro é um brasileiro que deixou a trincheira do Judiciário na esperança de conseguir, no Poder Executivo, endurecer as leis e tornar sua execução mais eficiente. Parecia ser a proposta de todo o governo. Nem passado um ano, o panorama para o ministro é desolador. Ele aparece sozinho na guerra ao crime. Conta com a população. Mas esta maioria silenciosa só se manifesta entre longos períodos de mudez. O Brasil continua sendo uma aberração no campo da Justiça criminal. E este duvidoso destaque no mundo também nos cobra alto. Quase 1 ponto percentual do PIB anual (cerca de R$70 bilhões) são perdidos porque o País é amigo do crime e dá moleza para o criminoso. Perdemos no turismo, perdemos no comércio, perdemos na logística, perdemos em tudo que é essencial. Perdemos salários, que seriam mais altos. Somos todos vítimas. Enquanto isso a Câmara esquenta a mamadeira dos delinquentes de alto coturno.