Com certeza, é hoje o homem mais admirado do Brasil. Milhões reverenciam o juiz federal Sergio Moro como herói, por sua atuação firme e decidida no combate à corrupção envolvendo políticos e grandes empresários brasileiros. Corrupçãoque, embora histórica, alcançou níveis estratosféricos nos treze anos de governos petistas.
Em qualquer aparição pública, seja em mercado, aeroporto, loja, restaurante etc., ésaudado e aclamado efusivamente, tem de posar para “selfies” e conceder autógrafos, e ele reage sempre com modéstia, com sorriso de alguém pouco à vontade, como o tímido que é, e essa simplicidade e certo desconforto com os aplausos mais o elevam na admiração geral. O sucesso, bebida que a tantos embriaga, não lhe subiu à cabeça.
Mas deve ser difícil ser Sérgio Moro. Nem falo da responsabilidade como juiz nas ações penais derivadas das investigações promovidas pela Operação Lava-Jato. Só ela já seria de tirar o fôlego. Complicado é viver sem descanso o personagem público em que se transformou – paladino do combate aos políticos e empresários safados e corruptos enredados na maior teia de desvios de dinheiro público até hoje descoberta por aqui. Como pode ser só ele mesmo, tendo de carregar o tempo todo a reluzente roupagem de herói?
Moro personifica a sede de justiça de todo brasileiro honesto. Desde que Cabral bateu às costas do Brasil, fomos um povo injuriado, aviltado em nossa dignidade pelos crimes cometidos impunemente pelos poderosos. A cadeia, dizia-se, havia só para os negros e pobres, e os fatos cuidavam de confirmar a percepção popular, de tal modo que a infamante afirmaçãoimpregnou nossa cultura comonódoa irremovível. Éramos assim mesmo, um povinho, e continuaríamos para todo o sempre condenados a essa miséria moral, e o brasileiro meio que se conformou.Como lutar contra a natureza, contra um desígnio maldito, contra um atributo enterrado em nossa essência? E o brasileiro baixava a cabeça em resignação bovina, impotente diante da força poderosíssima do mal e da desgraça que o marcava como a um gado.
Eis que surgiu a Operação Lava-Jato. De repente, acontecia algo que contrariava e desmentia nossa crença até então inabalável. Sim, os braços da Justiça podiam alcançar também os ricos e poderosos que viviam no mundo dos colarinhos brancos,até então protegidos pelas artimanhas processuais de caríssimas bancas de advogados.O milagre operava-se por meio da ação do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do juiz federal Sérgio Moro, este com seus despachos e sentenças corretas e implacáveis, e o brasileiro identificou nele, juiz, a moralidade e justiça que iriam lancetar e erradicar o tumor maligno da corrupção política desenfreada.
Foi deste modo que o herói sufocou o indivíduo. Moro tornou-se símbolo da possibilidade e esperança de o Brasil tornar-se um país digno, em que a competência e honestidade prevalecerão sobre o atraso e o crime. E, por isso, em cada gesto, cada postura, cada ação, cada palavra, sabe-se observado pelos milhões que o aplaudem e por uma minoria raivosa que, temente da pena severa do magistrado, espera por algum deslize para atacá-lo.E representar o herói o tempo todo deve cansar pra burro.
Alguns homens perdem o trem da História. Aconteceu com Joaquim Barbosa. Surgiu como um bastião em defesa da justiça e da luta contra a corrupção dos políticos, atuou com brilhantismo no julgamento dos réus do escândalo do mensalão, mas, após, preferiu desembarcar. Retirar-se para a aposentadoria régia e tranquila. Lavou as mãos. Alguns alegam que o fez por problemas de saúde. Outros, por sofrer ameaças físicas. Seja o que for, pouco ou nada importa. Aos homens que são distinguidos com a dourada oportunidade de fazer a diferença para melhor na História de um povo não se admite a fuga, a renúncia. Os verdadeiros estadistas, os esplêndidos homens, os heróis de uma pátria são os que arrostam os perigos e riscos pessoais em nome da visão grandiosa e nobre de sua missão. Sem estes, não existe o grande país, não existe o grande povo.
Outubro de 2016.