Um topos, ou “lugar-comum”, é um trecho da memória coletiva onde estão guardados certos argumentos estereotipados, de credibilidade garantida por mera associação de ideias, independentemente do exame do assunto. Muitos lugares-comuns formam-se espontaneamente, pela experiência social acumulada. Outros são criados propositadamente pela repetição de slogans, que se tornam lugares-comuns quando, esquecida a sua origem artificial, se impregnam na mentalidade geral como verdades auto-evidentes.
Os lugares-comuns não são um simples amontoado, mas organizam-se num sistema, que pode ser analisado e descrito mais ou menos como se faz com um complexo em psicanálise, e cujo conhecimento permite prever com razoável margem de acerto as reações do público a determinadas ideias ou palavras. Contando com essas respostas padronizadas, o argumentador pode fazer aceitar ou rejeitar certas opiniões sem o mínimo exame, de modo que, à simples menção das palavras pertinentes, a catalogação mental se faz automaticamente e o julgamento vem pronto como fast food. A impressão de certeza inabalável é então inversamente proporcional ao conhecimento do assunto, e o sentimento de estar opinando com plena liberdade é diretamente proporcional à quota de obediente automatismo com que um idiota repete o que lhe ditaram.
É claro que para isso é preciso começar o adestramento bem cedo. Daí a insistência de Antônio Gramsci na importância da escola primária. Também é preciso que algumas crenças sejam inoculadas sem palavras, através de imagens ou gestos, de modo que não possam ser examinadas pela inteligência reflexiva sem um penoso esforço de concentração que poucas pessoas se dispõem a fazer. Assim é possível consolidar reações tão padronizadas e repetitivas que, em certas circunstâncias, um simples muxoxo ou sorriso irônico funciona como se fosse a mais probante das demonstrações matemáticas.
Se as pessoas soubessem a que ponto se humilham e se rebaixam no instante mesmo em que orgulhosamente creem exercer sua liberdade, elas não atenderiam com tanta presteza ao convite de dizer o que pensam, ou o que pensam pensar. É por amor a esse tipo de liberdade barata que os jovens, sobretudo, se dispõem a servir aos revolucionários que os lisonjeiam.
Para desgraçar de vez este país, a esquerda triunfante não precisa nem instaurar aqui um regime cubano. Basta-lhe fazer o que já fez: reduzir milhões de jovens brasileiros a uma apatetada boçalidade, a um analfabetismo funcional no qual as palavras que leem repercutem em seus cérebros como estimulações pavlovianas, despertando reações emocionais à sua simples audição, de modo direto e sem passar pela referência à realidade externa.
Há quatro décadas a tropa de choque acantonada nas escolas programa esses meninos para ler e raciocinar como cães que salivam ou rosnam ante meros signos, pela repercussão imediata dos sons na memória afetiva, sem a menor capacidade ou interesse de saber se correspondem a alguma coisa no mundo.
Um deles ouve, por exemplo, a palavra “virtude”. Pouco importa o contexto. Instantaneamente produz-se em sua rede neuronal a cadeia associativa: virtude-moral-catolicismo-conservadorismo-repressão-ditadura-racismo-genocídio. E o bicho já sai gritando: É a direita! Mata! Esfola! “Al paredón!”
De maneira oposta e complementar, se ouve a palavra “social”, começa a salivar de gozo, arrastado pelo atrativo mágico das imagens: social-socialismo-justiça-igualdade-liberdade-sexo-e-cocaína-de-graça-oba!
Não estou exagerando em nada. É exatamente assim, por blocos e engramas consolidados, que uma juventude estupidificada lê e pensa. Essa gente nem precisa do socialismo: já vive nele, já se deixou reduzir à escravidão mental mais abjeta, já reage com horror e asco ante a mais leve tentativa de reconduzi-la à razão, repelindo-a como a uma ameaça de estupro. Tal é a obra educacional daqueles que, trinta anos atrás, posavam como a encarnação das luzes ante o obscurantismo cujo monopólio atribuíam ao governo militar.
Milhares de seitas pseudomísticas, armadas de técnicas de programação neolinguística e lavagem cerebral, não obtiveram esse resultado. Ele foi obra de educadores pagos pelo Ministério da Educação, imbuídos da convicção sublime de serem libertadores e civilizadores. O mal que isso fez ao país já é irreparável. Supondo-se que todos esses adestradores de papagaios fossem demitidos hoje mesmo, e se inaugurasse um programa nacional de resgate das inteligências, trinta ou quarenta anos se passariam antes que uma média razoável de compreensão verbal pudesse ser restaurada. Duas gerações ficariam pelo caminho, intelectualmente inutilizadas para todo o sempre.
É em parte por estar conscientes disso que esses mesmos educadores são os primeiros a advogar a liberação das drogas. Eles sabem que o lindo Estado assistencial com que sonham necessitará largar na ociosidade uma boa parcela da população, danificada, incapacitada, sonsa. Para que não interfira na máquina produtiva, será preciso tirá-la do espaço social, removê-la para os mundos lúdicos e fictícios onde o preço do ingresso é um grama de pó. Na sociedade futura, a recompensa daqueles que consentiram em ser idiotizados para fazer número na militância já está garantida: cafungadas e picos de graça, sob os auspícios do governo, e liberdade para transar nas vias públicas, sob a proteção da polícia, ante um público tão indiferente quanto à visão banal de uma orgia de cães em torno de um poste.
Mas não é precisamente isso o que desejam? Não é essa a essência do ideal socialista que anima seus corações?
Publicado originalmente em http://www.olavodecarvalho.org/o-futuro-da-bocalidade/
e em O Globo, 2 de dezembro de 2000