( Publicado originalmente pelo Instituto Liberal)
No esforço por reconstruir nosso imaginário, por fornecer substância à nossa retórica, por reformular mentalidades, é usual que discutamos as abstrações e os princípios, indo dos grandes dilemas filosófico-políticos aos dados numéricos da economia. No entanto, os dramas mais concretos e pungentes nos arrastam de volta à dolorosa realidade, tão logo damos uma mera espiadela nos noticiários. Por mais patriotas que sejamos – e somos -, há instantes em que nos estupefazemos com a exposição às escâncaras do tanto que nos falta de civilização. Parece, então, que muitas das nossas querelas mais etéreas perdem seu peso.
Rompendo com a tradição desvirilizada de nossa imprensa, o jornal Extratomou uma decisão significativa que não merece passar despercebida. Sua linha editorial passará a incluir a expressão “guerra no Rio”. Os editores se justificam afirmando que “tudo aquilo que foge ao padrão da normalidade civilizatória, e que só vemos no Rio, estará nas páginas da editoria de guerra”. Afinal, “um feto baleado na barriga da mãe não é só um caso de polícia. É sintoma de que algo muito grave ocorre na sociedade. A utilização de fuzis num assalto a uma farmácia não pode ser registrada como uma ocorrência banal. A morte de uma criança dentro da escola ou a execução de um policial são notícias que não cabem mais nas páginas que tratam de crimes do dia-a-dia. A criação da editoria de guerra foi a forma que encontramos de berrar: isso não é normal! É a opção que temos para não deixar nosso olhar jornalístico acomodado diante da barbárie”.
Mais do que a atitude em si, o jornal conseguiu nos atrair pela preocupação que demonstrou. Como dizíamos, grandes princípios definidores, desafios técnico-econômicos, tudo isso é relevante na discussão social. Nossa gramática política, nossas apostas retóricas e estéticas, têm uma parcela de peso na explicação e solução de nossos problemas. Porém, precisamos fazê-las dialogar com a realidade concreta, objetiva, aquela que vivemos no nosso mundo real, aquela que experimentamos mais com os sentidos e as emoções que com a especulação intelectual – e é precisamente o que nem sempre é feito. Caso fosse, a eleição de prioridades seria diferente.
Estamos em crise econômica, sim; um desastre financeiro que os últimos governos nos legaram. Um desastre moral, um desastre simbólico, também – o que é tão ruim quanto, assim como de caráter mais primordial e matricial ainda na determinação dos nossos rumos. Porém, se, como qualquer conservador ou qualquer liberal de boa estirpe concordará, a vida é a esfera prioritária e sagrada a ser defendida, não há como não entender que o problema mais urgente do Brasil é a segurança pública.
Os sessenta milhares de homicídios por ano nacionalmente já fazem muito mais do que sugerir – escandalizam essa triste e sangrenta verdade aos olhos de qualquer um que ouse questioná-la. São números de uma autêntica conflagração.
A tragédia é nacional, mas uma comparação simples pode desenhar o drama vivido no Rio de Janeiro e que, como cariocas, experimentamos diretamente. Se no primeiro semestre 22 policiais morreram em São Paulo e 10 em Pernambuco, 85 pereceram por aqui. A esta altura já são quase 100. Se o cidadão já teme sair de casa, que dizer do agente da lei, daquele que exerce a função de lutar para proteger os demais, expondo ao risco conscientemente a própria integridade?
A sensação que nos toma é de que quase todos os dias o noticiário estadual informa a morte cruel de mais um policial, o golpe profundo em mais uma família. O coração do carioca de bem certamente pranteia os seus guerreiros – afinal, uma guerra é travada por guerreiros, e os nossos têm sido os policiais. A despeito de sofrer da precariedade em suas condições de trabalho, a despeito de compor os peões em estratégias de combate e políticas públicas de segurança mal concebidas, a despeito de enfrentar o luto ininterrupto e a inimaginável certeza de que ao menos algum dos seus não voltará para casa ao fim da semana ou do mês, a nossa polícia – não dizemos que não haja em seu seio os corruptos, os intratáveis, antecipamo-nos em observar – não cedeu às ondas grevistas que acometeram o Nordeste. Permanece lá, pronta a tentar nos defender, e acabar executada como gado pelos criminosos que estabeleceram o império do poder paralelo.
Os socialistas e esquerdistas de todos os gêneros, desde Brizola, são responsáveis pela calamidade que enfrentamos. Por isso, ainda que soem tão distantes da concretude do real, e possamos estar pecando até há algum tempo nas tentativas de demonstrar o contrário, a mudança de gramática e o combate à perversão ideológica são importantes. É preciso não mais tratar os que semeiam entre nós as desgraças mais horripilantes como os “coitadinhos” e vítimas do “sistema”, de quem cabe apenas se apiedar. É preciso não mais identificar a polícia como a vilã; é preciso entender que há um preço a pagar por nos termos permitido chegar até esta situação, e que só um histérico ou mal-intencionado se afoba em atacar as Forças Armadas quando elas meramente revistam um cidadão em uma operação de GUERRA. É preciso, em outras palavras, ter o senso da realidade. É por isso que a atitude do Extra é tão importante.
Nós todos, cariocas especificamente, brasileiros em generalidade, que pranteamos o derramamento de sangue dos filhos de nossa pátria e de nossa terra, temos esse senso de realidade? É natural que busquemos distrações, que não nos permitamos ficar paranoicos quando nos sentimos impotentes, que nossas vidas não se resumam a pensar nos problemas da nossa comunidade. Contudo, tão lícito quanto isso é perguntar: será que estamos fazendo tudo que podemos? Será que não deveríamos promover uma mobilização muito maior em favor de nossos policiais – o que significa, em última instância, em favor de nós mesmos, e do mais basilar direito de ir-e-vir?
A “naturalização” da barbárie assassina deve ter um limite, e parece que nós o ultrapassamos. Não nos excluímos pessoalmente da crítica. Deveríamos, como sociedade, reconhecer o mesmo que reconhece o jornal Extra. Deveríamos reconhecer que estamos em guerra contra a criminalidade. A cegueira voluntária do bom-mocismo não é alternativa preferível; ela nos desarma e nada faz além de nos tornar presas fáceis da tragédia de que nosso chão se tornou palco.
Chorar com as famílias dos policiais mortos é corriqueiro – e ser corriqueiro já retrata o quanto é absurdo; mas é pouco. Não pode ser tudo. Precisamos nos deixar sacudir do nosso torpor pelo senso da urgência. Não podemos abandoná-los. Precisamos, acima de tudo, de sabedoria nas eleições. Tanto em âmbito federal quanto em âmbito estadual e municipal, é preciso prestar atenção ao que os candidatos têm a dizer sobre segurança pública, ATÉ MAIS DO QUE ao que dizem sobre economia. O MAIOR problema do Brasil e do Rio de Janeiro, repetimos, É A SEGURANÇA. Nesta área, precisamos de providências de emergência, de reestruturação e, inclusive, da revogação do Estatuto do Desarmamento, o que só pode ser defendido por quem não tiver medo da patrulha dos “santinhos do pau oco”. Os candidatos que souberem compreender isso estão dando um passo mais longe do que os outros, porque falam diretamente ao que cala mais fundo em nossa gente.
O desemprego é terrível, mas sequer procuraremos emprego se não acordarmos no dia seguinte. Esta é a ameaça mais imediata, urgente, absolutamente prioritária, a um país e um estado cujos agentes de segurança estão pedindo socorro.