Estamos sempre às voltas com a nossa profissão: fazemos cursos, almejamos novos postos, trabalhamos arduamente. Mas esquecemos de nossa família: não beijamos nossos pais, não afagamos nossos filhos, não conversamos com nossa esposa, somos sisudos ao lidar com eles. Fora de casa somos amáveis, afáveis e sorridentes. Dentro, grosseiros, arrogantes e tristonhos. Dizemos sempre "sim" aos nossos chefes e quase sempre "não" às nossas famílias. Temos tempo para ficar até tarde no trabalho, mesmo sem necessidade. Mas não reservamos sequer um fim de semana para viajar com os filhos e a mulher.
Queremos ter carreiras profissionais promissoras e achamos que, com isso, tudo será um mar de rosas. Mas não cuidamos da saúde, nem nutrimos nosso espírito de bons valores ou cultivamos nossos fins existenciais. Estabelecemos relação pragmática de custo-benefício em tudo o que fazemos e com quem quer que convivamos. Mas não percebemos que poucas coisas são tão gratificantes quanto fazer o bem gratuitamente, sem esperar nada em troca.
Corremos quilômetros para ficar com o corpo em forma. Mas nos deixamos tomar pelo envelhecimento do ódio e do rancor. Valorizamos grifes, marcas, etiquetas, modismos e roupas. Mas esquecemos de que nada disso consegue esconder a tristeza do semblante. Queremos carros bonitos e suntuosos. Mas não vemos que, para quem está com o espírito perdido, eles continuarão nos transportando do nada a lugar nenhum. Somos orgulhosos e exibidos. Mas esquecemos de que, por vezes, também precisamos dos outros.
Achamos cafona as pessoas que têm fé. Mas, na hora do aperto, invocamos todos os anjos e santos que existem. Consideramos prática moderna a liberação geral dos relacionamentos. Mas invejamos os casais fiéis e que se respeitam de verdade. Queremos que nossos filhos sejam ricos. Mas não os ensinamos a serem pessoas de bem. Queremos que nossos filhos tenham carinho e compreensão para com nossos netos. Mas não os instigamos para o amor. Negamos a Deus. Mas não conseguimos encontrar um sentido para nossas vidas.
E então, mergulhados em nossas máscaras, nos deixamos encobrir pelas nossas crises existenciais. Em vez de sermos sujeitos de nossas vidas, somos meramente sujeitados. Empobrecemos o espírito e perdemos a alegria de viver. Mas continuamos teimando em dar atenção aos supérfluos e em esquecer o principal.
Incrível loucura. Até quando?
Cleber Benvegnú, advogado e jornalista