• Hermes Rodrigues Nery
  • 01/08/2015
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INTERNACIONALISMO DE ESQUERDA INSTRUMENTALIZA A IGREJA PARA A UTOPIA DA "PÁTRIA GRANDE"

Conta Carlos Peñalosa que Fidel Castro, desde jovem, ainda quando era estudante de direito da Universidade de Havana, já tinha em mente retomar e colocar em prática a ideia e o projeto de poder totalitário da “Pátria Grande”, conceito este que veio não de Bolívar, mas de Francisco de Miranda, e que servia aos propósitos e interesses do internacionalismo socialista (das forças de esquerda). Com o Foro de São Paulo, a partir dos anos 90, Fidel Castro, Hugo Chávez, Lula e tantos outros tiranetes sul-americanos se encantaram com o discurso sedutor de Fidel, que via no projeto da “Pátria Grande” a forma de concretizar a extensão da revolução cubana para toda América Latina. Mas, para que tal projeto se consolidasse, depois de um bem sucedido processo gramscista de tomada de postos e aparelhamento das instituições, o próprio Fidel se convenceu de que era preciso instrumentalizar a Igreja Católica para tais fins, entendendo o fenômeno religioso como dado sociológico. E nesse sentido, a teologia da libertação desempenhou um papel relevante no processo de ganhar padres e bispos para a causa da “Pátria Grande” socialista. Como explica Miguel Ángel Barrios,

“…es la Teología de la Liberación post Concilio Vaticano II. Esta última, es la primera estrictamente latinoamericana. Más allá, de las apasionantes polémicas y de sus diferentes vertientes, la Teología de la Liberación unificó la opción preferencial por los pobres y la justicia. Y dentro de ella, la variante de la Teología de la Cultura, representada por figuras como el Padre Lucio Gera, Monseñor Gerardo Farrell y por el teólogo y filósofo uruguayo, Alberto Methól Ferré. Esta Teología, variante de la oleada de la Teología de la Liberación, acentúa el tema de la religiosidad popular, de los pobres y la cultura, y la de la revalorización de la historia latinoamericana, de la Patria Grande.


Foi em 1985 que Fidel Castro resolveu aproximar-se dos bispos cubanos para atrai-los, aos poucos, em sua estratégia. E houve anuência e colaboração de muitos nesse sentido. Fidel já havia realizado encontros com “os Cristãos pelo Socialismo”, inclusive em outros países latinoamericanos, como no Chile, em 1972. Ele próprio dizia que “esse movimento brotou em diversos lugares da América Latina após o triunfo da Revolução Cubana”. Com a aproximação com o clero cubano, Fidel Castro buscou intensificar sua aposta dos “cristãos pelo socialismo”.

Em 1986, foi realizado o Encontro Nacional Eclesial Cubano (ENEC), que o então Cardeal Pirônio chamou de “um verdadeiro Pentecostes para a Igreja de Cuba”. No mesmo ano, o Comitê Central do Partido Comunista de Cuba chamou François Houtart para dar um curso acelerado de sociologia da religião, e como explica o próprio Houtart, no trecho de 13:28 a 14:07 desse vídeo:

A razão foi que intelectuais marxistas de Cuba, que estavam em contato com Nicarágua, El Salvador, Guatemala, e com muitos cristãos comprometidos com a ação revolucionária e também com a Teologia da Libertação não podiam mais aceitar que a religião era necessariamente o ópio do povo. E se vocês são realmente marxistas, não podem ser dogmáticos”.

Era preciso, portanto, aproximar os marxistas dos cristãos, e ainda mais, disseminar a teologia da libertação no seio da Igreja (as várias vertentes da teologia da libertação e também a chamada teologia do povo, dentre outras variantes da mesma fé revolucionária). Francisco Mele entende a teologia do povo “como superação da teologia da libertação, embora não renegando-a”.

E a partir dessa tônica, padres e bispos foram sendo “catequizados” pela “nova teologia” libertária, preparando assim uma ressignificação dos conteúdos da fé, para que padres e até bispos se tornassem apóstolos dóceis da nova utopia da “Pátria Grande”, ajudando a construir a nova realidade geopolítica e cultural no continente latino-americano. Poucos anos depois, em 1993, os bispos cubanos publicaram uma “Carta Pastoral”, “abertos ao diálogo, tratando o regime de Fidel Castro como se fosse democrático e legitimamente constituído”. Com a visita do Papa São João Paulo II a Cuba, o terreno estava aplainado e o processo de cooptação de padres e bispos se intensificou, por parte dos comunistas cubanos, sob o comando de Fidel Castro. O próprio Mario Jorge Bergoglio, que coordenou a edição do livro “Diálogo entre João Paulo II e Fidel Castro”, destaca na obra que “Fidel propôs aliança entre marxistas e cristãos”. “A nossa presença no meio deles – escreveu Leonardo Boff – não deve ser tanto como agentes que vêm da grande tradição”, reconhecendo que, naqueles anos 80-90, já haviam “cardeais, bispos, sacerdotes e leigos” dispostos à esta “liberdade para a utopia”, à “utopia revolucionária”, tão bem expressa no projeto de poder da “Pátria Grande”. O próprio Lula reconheceu, em reunião do Foro de São Paulo, dever muito aos cubanos o esforço por viabilizar a integração latino-americana da “Pátria Grande”, e fez o apelo para isso, para que as forças revolucionárias estejam cada vez mais envolvidas neste projeto de poder, projeto este convergente com interesses do internacionalismo de esquerda, favorecendo inclusive potências de fora da América Latina, como a China, por exemplo, que tanto tem se beneficiado ideológica e economicamente, com tal projeto de poder.

Mas o avanço da “Pátria Grande” não teria sido possível sem os setores da Igreja imbuídos de teologia da libertação e movidos pelos interesses políticos do internacionalismo de esquerda, setores esses que ocuparam postos de decisão dentro da Igreja e estão hoje inclusive dentro do Vaticano, agindo para intensificar a instrumentalização da Igreja para os fins políticos da “Pátria Grande”, fins estes que contrariam os princípios e valores da sã doutrina católica. A Igreja vive, portanto, nesse momento, uma tensão sem precedentes, tomada pelas forças revolucionárias — as forças modernistas que São Pio X tão bem definiu como “síntese de todas as heresias” –, e não se sabe como a verdadeira Igreja de Cristo conseguirá se libertar de tais forças, alinhadas também com uma agenda globalista inumana e anticristã. O fato é que tais forças estão minando, por dentro, a sagrada doutrina. Padres e bispos (e também leigos) dispostos a defender a sã doutrina católica padecem o martírio cotidiano das retaliações, perseguições, coações e pressões, para que ninguém fale nada, e todos aceitem a ressignificação da “nova teologia” a sustentar ideologicamente a panaceia da “Pátria Grande”.

“Pátria Grande”: ideólogos influentes

O problema é que a “Pátria Grande” tem ideólogos influentes [Manuel Ugarte, Alberto Methól Ferré, Gusmán Carriquiry, entre outros] também na Igreja; autores e mentores inclusive com poder de decisão nas altas esferas eclesiásticas, como Carriquiry, por exemplo. Gusmán Carriquiry [o mais influente leigo na cúria romana] está no Vaticano desde Paulo VI, e gosta de lembrar que “desde Puebla” tem trabalhado lá como ponte com o CELAM. Em 13 de março deste ano, Carriquiry palestrou na Universidade Católica Argentina, ocasião em que algumas lideranças de esquerda [entre elas, Leonardo Boff] apresentaram o movimento social chamado “O coletivo de Francisco”. A relação de Jorge Mario Bergoglio com Carriquiry é de muita proximidade e de apoio ao projeto da “Pátria Grande”, apoio este de longa data, como comprova este vídeo de 2005, quando o então arcebispo de Buenos Aires recebeu Carriquiry na Universidade Católica Argentina. Bergoglio inclusive prefaciou a obra de Carriquiry, intitulada “El Bicentenario de la Independencia de los Países Latinoamericanos”.

Marcello Gullo, ao escrever sobre “o pensamento geopolítico” de Bergoglio, diz claramente que “as raízes mais profundas” de seu pensamento está no socialista Manuel Ugarte. O próprio Gullo chama Bergoglio de “apóstolo da Pátria Grande”:

La sola lectura del pensamiento del Cardenal Bergoglio demuestra que solamente desde el prejuicio, la ignorancia o la mala fe, puede afirmarse que el Cardenal Bergoglio ha sido elegido Papa para obstaculizar el actual proceso de integración política suramericano y para destruir el proyecto de construir la Gran Patria Grande con que soñaron los libertadores Simón Bolívar y José de San Martín. El ahora Papa Francisco será, muy por el contrario, el “apóstol de la unidad”, de la Patria Grande.”

E muitos outros autores confirmam o quanto avançada está a instrumentalização da Igreja no processo da integração latinoamericana sob o ideário da “Pátria Grande”, alinhado ao internacionalismo socialista. É o que diz Miguel Ángel Barrios, autor de “El Latinoamericanismo en el pensamiento político de Manuel Ugarte”, com ênfase:

“:…el Pueblo Católico Universal será potencializado por Nuestra América y la Patria Grande potencializará al Papa a favor de los débiles del mundo.

E ainda:

“Pasamos ahora, al hecho histórico que trasciende al hombre, en un momento singular de la Historia de la Iglesia como pueblo Universal y de América Latina en su camino hacia la Patria Grande. El circulo cultural latinoamericano tiene su raíz en la Iglesia católica, por eso, los Movimientos Nacionales Populares no cayeron en el anticlericalismo oligárquico de la segunda mitad del siglo XIX de nuestras repúblicas insulares”.

Movimentos populares estes que foram recebidos no Vaticano, com a presença do próprio Evo Morales, defensor da “Pátria Grande”.

Não só Evo Morales, mas Dilma Roussef e quase todas as lideranças de esquerda latino-americanas, estão comprometidas com os propósitos do Foro de São Paulo, na defesa da “Pátria Grande” socialista.

Miguel Ângel Barrios diz mais:

“El Mercosur, el Alba, la Unasur y la Celac potencia a la Iglesia como pueblo de Dios y el Papa, únicamente se potencializará con nosotros. Es una interconexión mutua y reciproca. Los pueblos sin misión, mueren y los hombres, sin visión, también mueren. Aquí reside la necesidad de interpenetrarnos con el Papa desde nuestra identidad y nuestra historia.

Como anécdota personal, muy simple, de las infinitas que se han contado en estos días, contaré algo que me atañe, y tiene que ver, con este sentido de esperanza. Mi tesis doctoral en Ciencia Política presentada en la USAL bajo la dirección de Alberto Methol Ferré – al cual Bergoglio admiraba y presento su libro “La América Latina del Siglo XXI – fue “El Latinoamericanismo en el Pensamiento Político de Manuel Ugarte”, publicado en el 2007. Un día, me sorprendió una llamada breve del Cardenal Bergoglio, diciéndome “ha llegado la hora de la Patria Grande”, en relación al libro.”

Não só Bergoglio, mas também o Cardeal Maradiaga [o chefe do Conselho de Cardeais para a reforma da cúria romana – C8] também prefaciou o livro de Carriquiry, “Uma Aposta pela América Latina”. Cabe lembrar que Maradiaga presidiu por muitos anos a Cáritas internacional, tendo então sérios problemas com Bento XVI, e recentemente uma reportagem na Alemanha critica a ideologia marxista impregnada na Cáritas.

Francisco Mele, ao esboçar “um perfil geopolítico-teológico do Papa Francisco” ao jornal La Repubblica, reconhece que:

O projeto geopolítico ao qual se volta a simpatia do Papa Francisco é o de Bolívar, mas também o de Artigas, de San Martín e de tantos outros patriotas latino-americanos: a unidade da América do Sul como contrapeso aos Estados Unidos, a superpotência que representa os interesses do Norte. Bergoglio disse e escreveu em várias ocasiões sobre a unidade latino-americana. Por exemplo, referindo-se ao livro do secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, Guzmán Carriquiry, sobre a América Latina do século XXI, publicado em 2011 por ocasião do bicentenário das independências dos países latino-americanos. Sobre a atualidade da integração latino-americana, dentre outras coisas, a Conferência Episcopal Argentina também interveio em 2008, inspirada pelo próprio bispo de Buenos Aires. Outro interlocutor de Bergoglio nessa questão foi a filósofo e historiador uruguaio Alberto Methol Ferré.”

Nesse sentido, vemos, por toda a parte, em blogs, periódicos e mídias da esquerda, ampliar cada vez mais a ação de Bergoglio na defesa da “Pátria Grande”, confirmada em sua viagem à América Latina, em julho de 2015, especialmente no pronunciamento que fez na Bolívia aos Movimentos Populares. “Papa Francisco pide construir la Patria Grande de Bolívar y San Martín”, afirma a manchete do “CubaDebate en Panamericanos”, ainda em novembro de 2013. E na entrevista com Fenando “Pino” Solanas, Bergoglio afirmou: “El sueño de la PATRIA GRANDE de San Martín, Bolívar, es algo que hay que recuperar”, como é possível ver neste vídeo, aos 07:54.

Todos sabem que Bergoglio secretariou e influiu na redação final do Documento de Aparecida. Foi então incluído no item 525, o conceito de “Pátria Grande”:

A dignidade de nos reconhecer como família de latino-americanos e caribenhos implica uma experiência singular de proximidade, fraternidade e solidariedade. Não somos mero continente, apenas um fato geográfico com mosaico ininteligível de conteúdos. Muito menos somos uma soma de povos e de etnias que se justapõem. Una e plural, a América Latina é a casa comum, a GRANDE PÁTRIA de irmãos… (525) E ainda: “NOSSA PÁTRIA É GRANDE, mas será realmente “GRANDE” quando o for para todos, com maior justiça…” (527).

Trata-se de um novo idealismo político

A instrumentalização da Igreja para os fins utópicos da “Pátria Grande” é certamente um dos problemas mais sérios da atualidade, com desdobramentos imprevisíveis, sob todos os aspectos. Não se trata de um fenômeno irrelevante ou algum modismo que deve passar facilmente. Trata-se de um projeto de poder totalitário, que tem conseguido neutralizar a Igreja por dentro. O fato é que há uma tensão de forças antípodas. Por exemplo, a “Pátria Grande” bolivarianista visa destruir o que eles chamam de “eurocentrismo”. E nos faz lembrar de Joseph Ratzinger, que escolheu o nome de São Bento, padroeiro da Europa, quando assumiu o seu pontificado, em 2005. É evidente que há uma tensão, dois olhares da realidade, e a “Pátria Grande” parece não sinalizar para a verdadeira concepção católica. O fato é que a “nova teologia” que visa a utopia da “Pátria Grande” tende ao grave equívoco e desvio da verdade, não sendo nem mesmo teologia, mas ideologia anticatólica.

E o mais grave não são as consequências políticas, mas acima de tudo, espirituais, pois está evidente que as forças de esquerda que agem no seio da Igreja querem substituir a “teologia católica” de sempre pela “nova teologia”, que visa a subversão da sã doutrina. O apoio à “Pátria Grande” por altos prelados da Igreja causa grande apreensão. Os católicos sabem que só estarão seguros e salvos ancorados na sã doutrina de sempre, ensinada e testemunhada por Nosso Senhor Jesus Cristo, que deu vigor à Igreja, em sua história bimilenar. E dará o vigor até o final dos tempos.

A exemplo do que ocorreu com o arianismo, no séc. IV, poucos são os que percebem a gravidade da situação no momento e muito menos ainda estão dispostos a denunciar o erro, por amor à verdade e à Igreja. Temem as retaliações e perseguições, inclusive dos próprios setores da Igreja comprometidos com os enganos desse novo utopismo. A ideologia e o projeto de poder da “Pátria Grande”, de interesse do internacionalismo de esquerda, ao ser defendido e irradiado pelo próprio Vaticano, traz muitas apreensões. Não parece tratar-se de uma aposta com realismo. E a doutrina social da Igreja é profundamente realista, por isso a Igreja é “perita em humanidade”. A utopia da “Pátria Grande” trata-se de um novo idealismo político, com os riscos já conhecidos de sombras totalitárias.

Carlos Peñalosa diz que Fidel Castro sempre foi mais que um líder político, mas um homem de ideias e de sonhos, e justamente tal “idealismo”, como a história já confirmou tantas vezes, conduz a soluções políticas perigosas por justamente faltar o senso da realidade. A Igreja, na sua força sobrenatural de “comunhão dos santos”, deve estar orante e vigilante, fiel à sã doutrina, com a convicção da promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo de que as portas do inferno não irão prevalecer.