• Edilson Mougenot Bonfim
  • 06/04/2018
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HABEAS CORPUS, A GAZUA BRASILEIRA

 

O interessante é a solenidade da “tonteria” dos que recitam a história e a beleza do habeas-corpus. Após dar “15 voltas” na chave de fenda (para apertar e torcer o direito) colocam o “habeas corpus” como a oitava maravilha do mundo. Para não ir longe, penso que não seja má fé, mas absoluta ignorância no que seja, à luz do direito comparado, já que não foi inventado aqui. Conquanto tenha sido um achado na época do absolutismo monárquico, transformá-lo em joia da coroa em tempos de democracia é quase um crime de lesa-majestade: na Espanha praticamente inexiste -muito pouco- tendo sido substituído por um « genérico », chamado “recurso de amparo”; na França, tem muita gente que estuda e nele jamais ouviu falar (na prática, inexiste); na Inglaterra onde nasceu, também morreu. Do berço ao túmulo ele é inglês. Façam uma pesquisa (em inglês) pela internet e verão quão raro é naquele país. Tenho muitos livros de processo penal inglês que jamais falam do HC. No chamado mundo civilizado, se entendeu que tal instituto pertencia verdadeiramente a uma época de bárbaros, onde as autoridades prendiam sem nenhuma razão. Não existe preconceito contra autoridade, como se estabeleceu em nosso país. No Brasil os bárbaros não são os bandidos, já que há um pressuposto de barbárie para cada autoridade contra quem se impetra esse “canivete suíço”.

Não é uma barbaridade? O cognome de qualquer jovem que termine uma faculdade de direito no Brasil: “Habeas corpus”, tamanha a recitação e doutrinação acadêmica. Perguntem aos acadêmicos de outros países do que trata a expressão e eles dirão nunca terem ouvido falar. O Brasil é o país que quando se vai beber vinho, o consumidor fica meia-hora cheirando e valorizando uma simples rolha e dando-lhe importância. O HC é a rolha do direito que no exterior pertence ao passado, no presente já não existe, mas no Brasil tem a dignidade de um grande vinho, conquanto seja uma mísera rolha. No dia que se compreender quem é bandido e quem é autoridade concursada -não que um não possa o outro virar-, voltaremos a estabelecer o « princípio de respeito à autoridade » e a presunção de inocência jamais será afrontada em um caso de confirmação de sentença em várias instâncias, porque se saberá que o HC é a « bala de prata » para situações raríssimas, jamais ao alcance da marginália. Quem só conhece HC, só maneja HC, abusando da ignorância de quem não ouve, não estuda e não lê. Mas, professor, como vou advogar? Simples, « advogando », como fazem todos os colegas nos demais países aos quais não falta imaginação defensiva, e para os quais o HC é interposto só muito raramente, de modo a impedir sua banalização, manejando-se assim um sem número de outros institutos de defesa em favor de um cliente. No Brasil o HC virou melopeia, aquele « sambinha de uma nota só ». E com ele tudo se pretende curar. Até « sem-vergonhice ».


*Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri; Professor convidado da Universidade de Aix-Marseille – França; Professor-Fundador da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais.
**Publicado originalmente em https://www.facebook.com/emougenotbonfim