Não é muito difícil entender que uma ideologia voltada à reconstrução de um dos impérios mais sangrentos de todos os tempos acabará, mais dia menos dia, revelando a sua própria índole cruel e homicida.
Estudantes da Universidade Estatal de Moscou estão exigindo a demissão do prof. Alexandre Duguin por ter defendido, desde o alto da sua cátedra, a matança sistemática dos ucranianos, que segundo ele não pertencem à espécie humana. "Matem, matem, matem", disse ele. "Não há mais o que discutir. Digo isso como professor."
O Império Eurasiano tal como o concebem Alexandre Duguin e seu principal discípulo, o presidente Vladimir Putin, é uma síntese da extinta URSS com o Império tzarista. Como a teoria que fundamenta o projeto é por sua vez uma fusão de marxismo-leninismo, messianismo russo, nazismo e esoterismo, e como dificilmente se encontra no Ocidente algum leitor que conheça o suficiente de todas essas escolas de pensamento, cada um só enxerga nela a parte que lhe é mais simpática, comprando às cegas o resto do pacote.
Os saudosistas do stalinismo veem nela a promessa do renascimento da URSS. Conservadores aplaudem o seu moralismo repressivo soi disant religioso. Velhos admiradores de Mussolini e do Führer apreciam a sua concepção francamente antidemocrática do Estado, bem como seu desprezo racista pelos povos destinados à sujeição imperial.
Esoteristas, seguidores de René Guénon e Julius Evola, julgam que ela é a encarnação viva de uma "metapolítica" superior, incompreensível ao vulgo, mais ou menos como aquela que é descrita pelo romancista (e esoterista ele próprio) Raymond Abellio, em La Fosse de Babel. Muçulmanos acabam às vezes aderindo ao projeto por conta do seu indisfarçado e odiento anti-ocidentalismo, na vaga esperança de utilizá-lo mais tarde como trampolim para a criação do Califado Universal, que por sua vez os "eurasianos" acreditam poder usar para seus próprios fins.
Não seria errado entender o eurasianismo como uma sistematização racionalizada do caos mental internacional. Neste sentido, sua unidade essencial não pode ser buscada no nível ideológico, mas na estratégia de conjunto que articula num projeto de poder mundial uma variedade de discursos ideológicos heterogêneos e, em teoria, conflitantes.
Não se deve pensar, no entanto, que esse traço definidor é único e original. Ao contrário do que geralmente se imagina, todos os movimentos revolucionários, sem exceção, cresceram no terreno fértil da confusão das línguas. O eurasianismo só de destaca dos outros por cultivar, desde a origem, uma consciência muito clara desse fator e, portanto, um aproveitamento engenhoso do confusionismo revolucionário.
Qualquer que seja o caso, o uso da violência genocida como instrumento de ocupação territorial está tão arraigado nos seus princípios estratégicos que, sem isso, o projeto inteiro não faria o menor sentido.
Essa obviedade não impede, no entanto, que cada deslumbrado do eurasianismo continue vendo nele só aquilo que bem entende, tapando os olhos para as partes desagradáveis. Se milhões de idiotas fizeram isso com o marxismo durante um século e meio, recusando-se a enxergar o plano genocida que ele trazia no seu bojo desde o princípio – e explicando "ex post facto" os crimes e desvarios como meros acidentes de percurso – , por que não haveriam de dar uma chance ao mais novo e fascinante estupefaciente revolucionário à venda no mercado?
***
A propósito do xingamento coletivo à Sra. Dilma Rousseff, que tanto indignou o ex-presidente Lula e o levou abrir guerra contra os que "não sabem do que somos capazes", coloquei na minha página do Facebook estas duas notinhas, que se tornaram imediatamente virais e que acho oportuno reproduzir aqui:
(1) O governo petista habituou a população a desrespeitar tudo – a ordem, a família, a moral, as Forças Armadas, a polícia, as leis, o próprio Deus. Se esperava sair ileso e ser aceito como a única coisa respeitável no meio do esculacho universal, então é até mais louco do que parece."
(2) O sr. Lula xingou o então presidente Itamar Franco de "f. da p.", disse que a cidade de Pelotas é "exportadora de veados", gabou-se (por brincadeira, segundo Sílvio Tendler) de tentar estuprar um colega de cela e confessou (em entrevista à Playboy) ter nostalgia dos tempos em que os meninos do Nordeste faziam – se é que faziam – sexo com cabritas e jumentas. É a pessoa adequada para dar lições de respeitabilidade à nação brasileira. Todo mundo sabe do que ele é capaz."
Olavo de Carvalho é jornalista, ensaísta e professor de Filosofia