Da série "Antes que me esqueça..." nº06
Lula tem motivos de sobra para aparecer abatido, deprimido, preocupado, como atestam as fotos feitas na área externa do palácio do Planalto, por ocasião da saída de Dilma.
O rastreamento de suas pegadas pela operação Lava Jato, a aprovação do impeachment e as nuvens ameaçadoras que pairam no seu horizonte político e no seu partido são motivos de sobra para seu estado de espírito.
Creio, entretanto que há outras razões e, provavelmente mais graves e difíceis de lidar, que passam despercebidas.
Refiro-me às relações de Lula e Dilma e, curiosamente, às condições políticas do criador e da criatura no futuro próximo.
Dilma, por uma daquelas situações imprevistas que se constituem na política, ganhou com o impeachment uma liberdade que antes não tinha: não precisa mais fazer o que não sabe e, ainda por cima, fingindo que sabe - governar.
Não corre mais o risco de presidir o país em meio ao caos econômico e político. O jogo do poder empurrou-a para a guerrilha política novamente, talvez a única forma de política que sabe jogar, restabelecendo uma continuidade que fora rompida na década de 70.
Por guerrilha política entenda-se um conflito político (não militar) feito de escaramuças pontuais para desgastar o inimigo, enfraquecê-lo e conquistar o poder.
Atente-se para o que ela ganhou com o afastamento compulsório provocado pelo processo de impeachment.
Ganhou um inimigo – Temer e seu governo; ganhou os meios de combate – veículos, casas, recursos para viajar dentro do país e no exterior, acesso aos meios de comunicação, auxiliares pagos; ganhou uma causa – lutar contra o golpe em nome da democracia que ela não precisa justificar; ganhou também um tema emocional para mobilizar apoio – sua vitimização; ganhou ainda aliados no Brasil e no exterior, o suficiente para produzir fatos, notícias e declarações; ganhou uma condição mais protegida que Lula em relação à ameaça da operação Lava Jato; e ganhou um partido que, goste ou não, terá que fazer dela a sua bandeira.
Lula, contrariamente à Dilma, será obrigado a “jogar na defensiva” e a ofensiva que lhe restará será apoiar Dilma...
Apoiar Dilma é o que ele tem feito, contrariando seus desejos e ambições. Apoiou de mau grado – segundo se diz - na eleição que desejava disputar; apoiou ao oferecer seus auxiliares mais próximos (Wagner, Berzoini) para ajudá-la no governo, apoiou ao aceitar tornar-se chefe da casa civil do seu governo – uma nítida posição de inferioridade – e apoiou ao se instalar no Hotel Royal Tulip para conseguir votos para ela na Câmara e no Senado.
Ao aceitar a posição subalterna e ao pôr sua reputação, prestígio e esforço à serviço da luta contra o impeachment, Lula deu-lhe o reforço de legitimidade – dentro do PT e na esquerda – com o qual ela poderá removê-lo da liderança do partido.
Se Dilma conseguir evitar o impeachment (o que até agora parece pouco provável) não precisará mais de Lula ao seu lado e, ao contrário, Lula talvez seja então um peso a carregar. Ela terá ocupado o espaço do comando do PT, por ter logrado uma vitória em condições muito difíceis e, mais ainda, poderá herdar de Temer um Brasil certamente melhor, no rumo do crescimento e da estabilização.
Se non è vero, forze è bene trovato.