• Luiz Guedes, adv.
  • 02/05/2024
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Caso Joca. Casuísmo legislativo.

 

Luiz Guedes, adv.

 

       Foi bastante noticiado o caso da morte de um animal de estimação de nome Joca nos últimos dias. Por erro da companhia aérea, o cão foi enviado para a cidade de Fortaleza, no Ceará, quando deveria ter sido transportado para a cidade de Sinop, no Mato Grosso.

Trata-se de um vício no fornecimento do serviço, pelo qual a companhia aérea responde pelos danos causados, de acordo com o art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. A responsabilidade é objetiva, ou seja, não é necessária a prova da culpa (impruduência, imperícia ou negligência), bastando demonstrar o dano provocado pelo agente (no caso mencionado, a companhia aérea) e o nexo causal.

A responsabilidade objetiva, na seara do consumidor, decorre da assunção dos riscos inerentes à atividade econômica desenvolvida pela pessoa (física ou jurídica).

Em termos de responsabilidade objetiva, na área consumerista, o ordenamento jurídico brasileiro está completo, não precisando de novos diplomas legais.

Em relação ao caso Joca, como ficou conhecido, os parlamentares federais aproveitaram o ocorrido para apresentar pelo menos 7 (sete) projetos de lei. No Brasil, infelizmente, muitos têm a ideia de que o parlamentar só faz algo se apresentar projetos de lei. Então, para “ganhar pontos” com o eleitorado, os parlamentares costumam aproveitar o hype para vender a ideia de que são atuantes e que os projetos por eles apresentados evitarão, de uma vez por toda, que casos similares se repitam. Costumo chamar isso de populismo legislativo.

Repito. Hoje, o Código de Defesa do Consumidor já é suficiente para responsabilizar a companhia aérea que causou o dano ao proprietário do cahorro. E, em tese[1], havendo previsão legal de responsabilização civil, através do pagamento de indenização, todas as companhias aéreas buscarão prestar o serviço da melhor forma possível, evitando os vícios na prestação, e, por conseguinte, de ter de pagar a reparaçao civil correspondente.

Lamentável o ocorrido, tanto pelo animal que morreu em decorrência do serviço mal prestado pela Gol, quanto pelo dono do Joca, que sofreu abalos morais pela morte do seu animal de estimação.

Entretanto, é preciso cautela [2] na elaboração de legislação sobre o transporte de animais em aeronaves. Aquela não pode ser elaborada de forma emocional e apenas para melhorar a imagem midiática do parlamentar proponente da lei.

As leis produzem resultados no mundo dos fatos. A esses resultados os economistas chamam de externalidades, que podem ser positivas ou negativas. Deve-se buscar elaborar diplomas legais que produzam mais resultado positivo do que negativo. Caso contrário, o ideal é que não se insira no ordenamento jurídico uma norma que irá piorar a situação.

Pelo que foi mencionado na internet pelos meios de comunicação, os projetos de lei apresentam propostas com medidas de segurança a serem adotadas pelas companhias aéreas, o que pode aumentar o custo do transporte dos animais. As perguntas que devem ser feitas no debate dos projetos são as seguintes: essas mudanças efetivamente aumentam a segurança no transporte para os animais? Ou irá apenas aumentar o custo do transporte sem um resultado positivo concreto no incremento do grau de segurança?

Nunca é demais repetir que a lei, por si só, não tem o condão de resolver os problemas mencionados nas suas justificativas. Quando mal elaborada, a lei não só não resolverá o problema, mas poderá gerar outros, além de aumento de custos. Ademais, esses custos podem ser suportados apenas por quem usar o serviço de transporte de animais, como também poderão ser suportados por todos os usuários do transporte aéreo, sem que o passageiro tenha utilizado o serviço de transporte aludido.

Assim, antes de pedir por uma nova lei, ou de apoiar um novo projeto de lei, procure verificar primeiro, se a lei é realmente necessária; segundo, se ela trará resultado positivo. Caso a resposta para a primeira pergunta for negativa, a segunda perde o objeto. Se a resposta para a primeira pergunta for afirmativa, a segunda pergunta precisa ser feita com seriedade e efetivamente buscando uma resposta que reflita a realidade dos efeitos potenciais da norma proposta.

Lembre-se, a emoção pura, sem o uso da razão, não costuma ser uma boa conselheira. Isso se aplica em tudo na vida, em especial na elaboração de lei, que pelo seu caráter erga omnes, tem o potencial de afetar vários grupos de pessoas.

[1] Em tese, pois a lei não tem a capacidade, pela simples existência, de evitar atos/comportamentos das pessoas, mas tem o potencial, pela previsão de responsabilidade e pela possibilidade de aplicação real e efetiva aos casos, de induzir comportamentos que evitem danos, e por consequência, a obrigação de reparará-los.

[2] Aplica-se à proposta de lei sobre qualquer matéria.