O termo civilização é associado à ideia de abandono da violência e sua substituição por valores morais, regras de convivência e instituições de mediação dos conflitos entre integrantes de uma sociedade.
A civilização ocidental inventou a democracia liberal e a separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário visando impedir a tirania dos governantes. Com todas as suas imperfeições a democracia liberal segue sendo a mais evoluída forma de processar decisões coletivas, governar a sociedade, criar leis e dirimir conflitos de forma pacífica e ordeira.
A Ordem Pública, a Paz Social e a correta administração da Justiça são os bens maiores de qualquer sociedade democrática. Sem Ordem, Paz e Justiça não há civilização. Há barbárie e violência; vigora lei do mais forte que impõe aos outros pela força a sua vontade e os seus interesses.
Em tese pelo menos, o papel das instituições jurídicas e políticas de uma democracia seria o de, em primeiro lugar, zelar por esses valores. Em se tratando de uma suprema corte então, mais ainda. Entretanto, não é o que se vê no Brasil.
A sociedade, em sua maioria, anseia por Ordem Pública, Paz e Justiça. Mas, o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro caminha na direção oposta. É o mínimo que se pode dizer da postura adotada pelos ilustres juízes do STF após as manobras absurdas para deixar impune o chefão do maior esquema de corrupção de que se tem notícia na história da democracia, e o principal responsável pela mais dura e longa recessão pela qual o Brasil já passou.
Destaco aqui, três ingredientes da cena política brasileira dos últimos tempos:
1 – O mainstream da mídia, do estabilshment político e do mercado vinham, até a pouco, defendendo a necessidade de construção de uma candidatura de centro capaz de remover do tabuleiro político um cenário de polarização entre extremos;
2 – Satisfeitos com o impeachment de Dilma, o início da reorganização da economia e a perspectiva da condenação e prisão de Lula e demais corruptos envolvidos nos escândalos do mensalão e do petrolão, os milhões de brasileiros que foram às ruas lutar pelo impeachment de Dilma Rousseff se recolheram para seus lares e trabalho;
3 – Por outro lado, tanto mais quanto mais a Justiça se encaminhava para fazer Justiça, condenando Lula e mandando-o para a prisão assim como já foi feito com centenas de condenados da Lava Jato, mais os brasileiros recompunham sua esperança nas instituições e mais as lideranças do PT e da esquerda em geral ameaçavam-nos com a conflagração e o uso da violência caso a Lei fosse cumprida e Lula fosse preso.
Ninguém dava importância às bravatas petistas, pois, há muito se constata que o petismo perdeu bases sociais reais e hoje mobiliza apenas sua militância doentia e incapaz de aceitar a verdade dos fatos.
No sistema político ninguém, nem mesmo a esquerda que se dividiu em diversas candidaturas presidenciais, operava com a possibilidade de que um condenado em órgão colegiado pudesse vir a concorrer às eleições presidenciais que se avizinham.
Tudo isso até o STF tomar a mais grave e controvertida das suas tantas decisões graves e controvertidas: a ameaça de deixar Lula livre e impune por seus crimes.
Essa decisão mudou totalmente o cenário político do país, jogando gasolina no tabuleiro de uma disputa eleitoral que se encaminhava para ser pacífica e tranquila, apesar de imprevisível.
Talvez o cidadão comum, que não tem por prática profissional monitorar as mídias sociais e o humor político do ativismo virtual ainda não tenha percebido, mas o STF despertou de novo os brasileiros que foram às ruas pelo impeachment de Dilma e que haviam voltado para casa, terceirizando para o Judiciário a missão de zelar pela aplicação da Lei e da Justiça nesse país. Esse ativismo saiu das ruas, mas permaneceu vivo e ativo nas mídias sociais.
O prazo até 04 de abril que o STF se concedeu para livrar Lula da cadeia, talvez contando com o feriadão da Páscoa para acalmar os ânimos e desmobilizar a sociedade, de fato, foi o tempo que precisavam os movimentos cívicos para convocar novas manifestações de rua na tentativa de fazer valer a democracia sob pressão das ruas.
Já que as instituições jurídicas e políticas da nação parecem voltadas para proteger Lula, o PT e a casta de corruptos a eles associados – todos eles, em benefício próprio, contando com que a liberdade do chefão leve a liberdade de todas as quadrilhas -, não resta outra saída ao povo senão voltar às ruas para garantir que a democracia seja respeitada e Lei seja cumprida.
Não é possível saber se essas manifestações serão fortes o suficiente para botar medo nos juízes comprometidos com as quadrilhas no poder, mas, uma coisa é certa, se Lula ficar livre, impune e fazendo campanha eleitoral, o ativismo cívico que promoveu o impeachment de Dilma Rousseff não voltará para casa durante a eleição.
Os entreveros que envolveram a caravana no Lula pelo Rio Grande do Sul e seguem acontecendo em Santa Catarina e Paraná, são apenas uma pequena amostra do ambiente que o STF está incentivando para o próximo período com a ameaça que faz à nação de deixar impune um condenado dessa magnitude e periculosidade. Lula não passou incólume pelas cidades do Nordeste também.
Mesmo com seus comícios esvaziados o petista foi hostilizado em inúmeros lugares por onde passou.
Deixando Lula impune e livre para fazer política, o STF não estará apenas incentivando uma polarização eleitoral de tipo tradicional, com bate-bocas e discursos inflamados de parte a parte. Assim agindo a corte suprema estará jogando no descrédito total (se é que ainda resta algum crédito) a esperança dos brasileiros de bem na capacidade de suas instituições garantirem a Ordem Pública, a Paz Social e a aplicação da Lei.
A liberdade de Lula por decisão do STF será a liberdade de todos os criminosos comuns e do colarinho branco já condenados em segunda instância. Sinais de gente partindo para fazer justiça com as próprias mãos já há de sobra em se tratando de crimes comuns. Teremos o mesmo na política?
* Cientista Político
** Publicado originalmente em http://emaconteudo.com.br