“Então vi subir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças, e sobre os seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabeças nomes de blasfêmia” (Ap. 13). Sob as aparências de continuidade daquilo a que a humanidade chama civilização, cresce hoje em todo o mundo o Anticristo. Nas palavras de Pio XII: “E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre bases que não hesitamos em indicar como principais responsáveis pela ameaça que pesa sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um Direito sem Deus, uma política sem Deus”.
Na modernidade, a identificação da História com o sentido da vida tornou-se uma realidade, um fato. As crenças materialistas e da natureza - divinizando o tempo e o processo histórico, cultuando a ideia abstrata do “progresso”, em cujo altar foram sacrificados milhões de indivíduos, vem assumindo intenso protagonismo no Estado Moderno.
A História e somente a História passou a ser doadora do Sentido à vida humana, encerrando suas vítimas numa dimensão temporal, voltando às costas à eternidade. Divinizamos o tempo.
Somando a doutrina da coletivização da vida social e compreensão hegeliana e marxista do Estado criamos o Leviatã Leigo, a Religião Civil (Olavo de Carvalho). O século XX, através das ideologias do comunismo, socialismo, nazifascismo e demais políticas intervencionistas elevaram o Estado à categoria de Providência do homem. A política se tornou a nova religião, assumindo frontal combate ao Cristianismo (Eric Voegelin).
Basta pararmos para refletir. Qual o único componente que iguala os Estados modernos? A laicização da vida social, a implantação mundial do Estado sem religião oficial.
Se o conhecimento, como dizia Aristóteles, começa com o espanto, a falta de capacidade de espantar-se é um grave sintoma de apatia mental da nossa sociedade.
O Estado instaurou-se como suprema autoridade espiritual, moral e religiosa, reinando sobre as almas e as consciências, relegando para papel secundário o Cristianismo (Plinio Corrêa de Oliveira). Mas por que o Estado necessita perseguir e, ao final, destruir o Cristianismo? O Cristianismo difere-se de outras religiões, já que se dirige a indivíduos conscientes e donos da sua liberdade, concedendo-lhes experiência direta com o Verbo, oferecendo-se como Verdade universal, convocando os homens de todas as nações a buscarem o acesso direto ao Nosso Senhor Jesus Cristo, sem qualquer intermediação da autoridade civil, desafiando o culto Estatal.
Em suma, o Cristianismo dessacraliza o Estado, ao mesmo tempo em que consagra a alma do individuo. “Atreve-se algum de vós, tendo litígio contra o outro, ir a juízo perante os injustos, e não perante os santos?” (1 Cor. 6,1). O sentido do Cristianismo é claro: “dar a César o que é de César”, mas sem submeter-lhe o julgamento de questões de consciência. Refuta-se a falácia marxista de que o “Estado é a realidade da liberdade concreta”.
A filosofia do historicismo, na qual se assenta a intelligentsia moderna, combate diretamente a verticalização entre a alma humana e Deus, empenhando-se em não deixar o homem enxergar nada fora do círculo mundano. É a total “mundanização e terrestrialidade do pensamento” (Antônio Gramsci). É o roubo da Coroa de Cristo.
Daí a veneração devida à virtude é tributada a ídolos como o ouro, o trabalho, a eficiência, o êxito, a segurança, a saúde, a beleza física, a força muscular, o gozo dos sentidos, etc. É o “pensamento selvagem” de Lévy-Strauss.
A fundação da primeira igreja nacional, com Henrique VIII, assinalou o início dos tempos modernos, onde o Chefe do Estado se autonomeou representante direto de Deus. Rei-sacerdote, culto nacional, sacralidade do corpo político (representantes da nação), razão de Estado, voz do povo, encarnação do Logos Divino.
“Os deuses das nações são demônios”. O Estado moderno nasceu de uma farsa demoníaca e cresceu bebendo o sangue inocente. Napoleão expandiu a idéia de que o Estado é maior que Cristo, desvinculando o compromisso estatal com a Cristandade, laicizando completamente as mentes sob a forma de direitos e deveres dos cidadãos (Olavo de Carvalho).
Ora, atualmente a quantidade de pessoas que diz professar a crença em um Deus pessoal, pertence a uma denominação cristã e assiste ao serviço de culto com regularidade é enorme, entretanto, as aparências enganam, já que a vida pública da maioria dessas pessoas está completamente secularizada. Cristo foi relegado às vias secundárias.
“Eis que aqui apresentarei alguns da Sinagoga de Satanás, que dizem que são judeus, e não o são, mas mentem” (Ap. 3,9). O Estado sem religião oficial, onde nada esmejor todo es igual, passou a ser indiferente, equidistante e controlador de todas as seitas religiosas, que foram colocadas em pé de igualdade. Um absurdo! Igualar o Judaísmo e Cristianismo, que fundaram a civilização ocidental, com a igreja de Satanás é lei no Estado moderno.
A lei religiosa deixou de ter qualquer obrigatoriedade pública, passando a ser exclusividade da esfera privada do cidadão. Os princípios religiosos somente serão válidos se o Estado autorizar. O Estado passa a ser superior as religiões, julga sem ser julgado, encarnando a Vox populi, vox Dei.
É a total desautorização da lei religiosa, extinguindo os valores cristãos nos modos de organizar e disciplinar a conduta humana, e que, ao final, criará um novo fenômeno religioso: a “espiritualidade civil”. Ora, declarar que a lei de sabbat não tem mais caráter obrigatório para o judeu será o mesmo que proclamar a dissolução do judaísmo (Bruno Bauer).
Onde não há mais religião oficial, não há religião nenhuma. A religião deixou de ter qualquer autoridade social. O Estado, simplificadamente, garante os direitos do filho que rejeita a religião do pai, mas não os do pai que pretenda transmitir sua religião ao filho. O Estado defende os direitos de quem não deseje submeter-se a uma determinada moral religiosa, mas não os da religião que pretenda impor os seus preceitos (Olavo de Carvalho).
Estão florescendo no mundo as sementes de uma nova era, a anticristã. “A confusão das línguas do bem e do mal, eis o sinal que vos dou; tal é o sinal do Estado. Na verdade, é um sintoma da vontade de morrer” (F. Nietzsche).
O Estado, amparado na busca por infinitos direitos; proxeneta das inúmeras minorias insatisfeitas; recebedor das reivindicações sociais; criador de uma burocracia onipresente; se torna cada vez mais poderoso e opressivo. O Estado está sempre buscando para si novos motivos que justifiquem sua existência, imiscuindo-se em todos os setores da vida humana, e, consequentemente, levando consigo a “teologia civil”.
A legitimação do Estado cresce à custa de destruir o legado espiritual popular, usurpando o trono de Deus, rebaixando todas as religiões; laicizando a moral e os conflitos sociais; degradando os valores civilizacionais; triturando todos os motivos pelos quais os homens vivem e morrem. É a ruptura completa com o Espirito, um fechamento absoluto da porta do céu.
Não, eles não sabem o que fazem. É a própria noção de pecado, a distinção mesma entre o bem e o mal, que a Religião Civil vai destruindo no homem contemporâneo. E, ipso facto, vai ela negando a Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sem o pecado, se torna incompreensível e perde qualquer relação lógica com a História e a vida.