Dentre todas as imposturas retóricas utilizadas por difamadores e espertalhões, destaco como das mais comuns e eficazes, a falácia ad hominem ou contra a pessoa. Essa posição, em um debate, pode ser assumida por quem não tem o preparo intelectual requerido e revela uma condição de opinador para assuntos para os quais não possui a menor qualificação, o que é muito frequente. Mas, sobretudo, é um expediente próprio de ideólogos patifes e propagandistas movidos por uma causa que julgam acima de questão.
Por exemplo, o debatedor mal intencionado e despreparado avança uma bateria de acusações pessoais contra seu adversário. Em certas ocasiões, ele parece mais sutil e sustenta que seu opositor somente defende um raciocínio limitado, localizado, deixando em aberto outras formas de pensamento. Nestes casos, o debatedor desonesto apresenta uma dificuldade real ao seu opositor, que deve desmontá-la com atenção e rigor.
O argumento em si pode ser tecnicamente aceitável, se colocado num contexto filosófico no qual uma das posições é apresentada como não universal. Isto ocorre na discussão dos chamados argumentos transcendentais, que procuram refutar formas de raciocínio específicas. Um argumento ad hominem pode ser detectado numa discussão na qual uma das partes acusa a outra, que formulou uma alegação transcendental, de refutar apenas o que está sendo proposto e que a refutação não tem força universal, deixando intocadas as demais possíveis argumentos que não podem ser antecipados. Nestes casos, é preciso cautela para afirmar que o ad hominem não é apenas um argumento tópico ou como Kant o chamava, apagógico, cuja força reside justamente no fato de aplicar-se ao que está sedo contestado. Não há força de argumentação universalmente válida para finalidades negativas.
Mas, na maioria dos casos, o argumento ad hominem é raso. O difamador sabe que não pode atacar nem a validade nem a verdade do argumento que ele pretende contestar, daí ataca a pessoa que elabora o argumento, tentando diminuí-la, vinculando-a a interesses secretos, comprometendo seu passado, suas preferências ou suas relações pessoais. Ataca até mesmo sua origem, religião ou procedência nacional. Nada disso é feito de improviso, mas com a firme convicção de que se pode vencer um debate político ou acadêmico desta forma.
Muitas vezes, debatedores honestos são surpreendidos por este modo de argumentar e assumem uma posição defensiva e, só isto, já basta para evidenciar que a vitória no confronto pende para o outro lado. Isto é uma tática bastante frequente e deliberada dos infames para, a um só tempo, desviarem-se do cerne do assunto escrutinado ou mancharem a reputação dos que defendem posições opostas às deles. O expediente é eficaz, muitas vezes, porque desloca a discussão do plano racional para o plano emocional. Em várias ocasiões, este deslocamento faz com que recaia sobre o debatedor intelectualmente honesto o ônus da prova de sua decência e, quando isto acontece, o debate fica contaminado por questões psicológicas laterais ao assunto que importa. Daí que a vitória pode se dar por motivos sentimentais. Esta é uma das razões pelas quais é impossível discutir com um fanático imbecilizado. Na história política recente, a falácia foi exaustivamente utilizada pelos nazistas para desconstituir tudo que era, segundo eles, "judaico". Também pelos comunistas, que, até hoje, marcam tudo o que não está de acordo com sua visão de mundo, com a palavra "fascista".
* Graduado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1982), mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1989) e doutorado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998).