Abaixo transcrevo alguns trechos, em tradução corrente, extraídos do livro intitulado Eurocomunismo e Estado[1], publicado em 1977, de autoria do então Secretário Geral do Partido Comunista Espanhol, Santiago Carrillo[2]. Essa obra nada mais é do que uma síntese da estratégia preconizada pelo filósofo marxista italiano Antônio Gramsci para a tomada do poder político pelos comunistas, por intermédio do assenhoramento — lento, gradual, e determinado — dos postos-chave dos mais variados instrumentos que atuam sobre o comportamento humano individual e coletivo forjando caráteres, moldando procedimentos e atitudes, nos campos político, psicossocial, econômico e militar.
Este processo é intrinsecamente perverso, principalmente, porque seu motor é a cavilosa sedução das mentes das criaturas, insidiosamente atacadas no que apresentam de vulnerabilidades emocionais e intelectuais.
Assim sendo, eis as diretrizes enunciadas por Santiago Carrillo que, certamente, serão de utilidade àqueles que ainda não tiveram a sua capacidade de reflexão ardilosamente obnubilada e, portanto, ainda têm a oportunidade de criar defesas para não ingressar, ingenuamente, no mundo fraudulento e obscurantista, habitado pelos esquerdistas dos mais variados matizes.
São as seguintes:
• a estratégia das revoluções de hoje, nos países capitalistas desenvolvidos, tem que orientar-se no sentido de ganhar os aparatos ideológicos do Estado — e não destrui-los como prevê a doutrina leninista — para transformá-los e utilizá-los contra o poder do Estado do capital monopolista. Entre os aparatos ideológicos que atuam sobre a consciência humana estão os religiosos, os familiares, os jurídicos, os políticos, os de informação — imprensa escrita, rádio e televisão — e os culturais. A experiência moderna mostra que isso é possível . E aí está a chave para transformar o Estado por uma via democrática;
• atualmente a Universidade e os docentes se convertem com freqüência em focos de impugnação da sociedade capitalista graças ao nosso persistente trabalho;
• a Universidade ocupa um lugar privilegiado na atividade das forças políticas revolucionárias. Não apenas pela grande concentração de massas jovens, disponíveis para a ação, como também por ser ali que se formam os quadros para integrarem os aparatos ideológicos da sociedade e onde se semeiam as idéias marxistas e progressistas com um dos meios mais eficazes para assegurar e ganhar, pelo menos parcialmente, esses aparatos. À medida que as novas gerações se incorporarem à profissão esse fenômeno se estenderá e a impugnação à justiça burguesa tradicional se fará mais amplamente;
• entre os aparatos ideológicos do Estado e da sociedade capitalista moderna estão os meios de comunicação: a televisão , o rádio e a imprensa escrita. Estas são hoje as armas ideológicas mais eficazes, porque penetram em todos em todos os lugares, umas vezes de modo agressivo e outras de forma sutil, desempenhando um papel alienante e embrutecedor;
• a condição prévia é lutar por uma autêntica liberdade da cultura. O florescimento e a extensão da cultura são o terreno em que as idéias revolucionárias e progressistas podem firmar-se e influir cada vez mais, decisivamente, na marcha da humanidade penetrando e transformando os aparatos ideológicos da sociedade para as idéias revolucionárias;
• a atitude que devemos adotar é, em substância, a luta pela conquista de posições, na medida do possível, nos aparatos ideológicos da sociedade, para as idéias revolucionárias;
• uma das grandes tarefas históricas atuais para a conquista do poder do Estado e seus componentes, pelas forças socialistas, é a luta determinada, resoluta, inteligente, para voltar contra as classes que estão no poder a arma da ideologia e, consequentemente, os aparatos ideológicos, pois nenhuma classe pode conservar o poder do Estado se perde a hegemonia dos aparatos ideológicos;
• torna-se necessário que o Partido Comunista e todos os partidos que lutam pelo socialismo e, em geral, as forças transformadoras da sociedade assumam ante os aparatos coercitivos do Estado e seus componentes, um atitude distinta da que tem historicamente adotado. Quando há uma manifestação ou uma greve, não são os dirigentes do Banco do Estado que vão à rua enfrentar os grevistas ou os manifestantes. São as forças da ordem, a polícia e , em casos extremos, o Exército que o fazem. É esse papel que o poder do Estado do capital monopolista confere as Forças Armadas que devemos impugnar. Trata-se de lutar, por meios políticos e ideológicos, a fim de impor um novo conceito de ordem pública mais democrático e, de levar esse conceito à mente dos componentes das forças da ordem;
• é verdade que nós, comunistas , revisamos teses e fórmulas que, em outros tempos, eram artigos de fé. Mas não abandonaremos as idéias revolucionárias do marxismo: as noções de luta de classes, o materialismo histórico e o materialismo dialético. Não estamos retomando à social-democracia. Em primeiro lugar porque não descartamos de nenhuma maneira a possibilidade de chegar ao poder revolucionariamente, se as classes dominantes fecharem os caminhos democráticos e se surgir uma conjuntura em que essa via seja possível."
É isso aí, em resumo, a metodologia de ação dos que tentam, sorrateiramente, de maneira pérfida, assassinar a alma de um povo, aniquilando sua liberdade — um direito fundamental do Homem. Infelizmente, muitos só a valorizam quando a perdem.
Com a autoridade que a minha vivência permitiu combater idéias e ideais alóctones, posso assegurar, principalmente, aos incautos e inocentes úteis: se esses pregadores da globalização com o sinal trocado encontrarem quem os enfrente, eles se calam e se entrincheiram num silêncio onde renovam forças para novas investidas, mesmo que se repitam seus tradicionais fracassos.
Quanto às outras grandes ameaças que pairam sobre nossas cabeças — a ação, insidiosa e perversa do capital transnacional apátrida, que objetiva a destruição da civilização cristã e da soberania dos Estados Nacionais, aliada à cobiça do nosso território — deixo aos cuidados dos especialistas no assunto.
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Notas de Sacralidade:
[1] O eurocomunismo foi uma versão suavizada do comunismo lançada em 1971 pelos líderes comunistas da Itália, França e Espanha, respectivamente Berlinguer, Marchais e Carrillo. A divulgação do novo modelo foi muito favorecida pelas tubas publicitárias porquanto surgiu na época em que Salvador Allende subiu pela via eleitoral ao poder no Chile. Berlinguer propôs um distanciamento em relação a Moscou e Pequim, e certa liberalização política e econômica no programa do PCI. Desse modo o comunismo apresentou nova face "democrática" e mentalidade "pluralista" segundo a via chilena, e articulou com as esquerdas européias uma vasta coligação política para fazer a "revolução na liberdade". Dez anos depois de lançado, o eurocomunismo tinha se transformado numa velheira política que não era mais levada a sério. Importa destacar o conteúdo profundo que está por detrás desse estratagema de ocasião: a estratégia preconizada pelo filósofo marxista italiano Antônio Gramsci. Se o eurocomunismo perdeu atualidade, o mesmo não se pode dizer do neocomunismo gramscista que está sendo aplicado no Brasil.
[2] Santiago Carrilo (1915), político comunista espanhol, foi secretário geral do Partido Comunista Espanhol (PCE) de 1960 a 1982. Foi uma das figuras chaves na oposição ao franquismo e depois na Transição. Responsabilizado desde o regime franquista pelo massacre de Paracuellos de Jarama — como Consejero de Orden Público, dificilmente poderia tê-lo ignorado e nada fez para evitá-lo — sempre negou sua participação ou responsabilidade. Impulsionou a renovação ideológica do eurocomunismo gramscista em seu país. Carrillo foi homenageado três meses atrás em Barcelona em ato prestigiado pelos holofotes midiáticos e o aplauso de sindicalistas e políticos.
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O Cel de Infantaria e Estado Maior, Reformado do Exército, Jorge Baptista Ribeiro é um estudioso da Guerra Revolucionária, possuindo o curso da Escola Nacional de Informações (EsNI) que, por óbvias razões de domínio público, foi extinta pelo presidente Fernando Collor. Bacharelou-se em Ciências Sociais na então Universidade do Estado da Guanabara, hoje UFRJ.
Este artigo foi publicado em agosto de 1999 com o título Conhecendo o inimigo.
*Extraído do blog www.sacralidade.com